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Edição 090
19 de julho de 2007

Ciência e Vida

Mutações descobertas podem auxiliar diagnóstico do câncer de mama


Julianna Sá

O câncer de mama é o tipo de câncer que apresenta maior manifestação entre mulheres brasileiras e talvez seja, para elas, o mais temido, já que atua gravemente no campo psicológico, abalando a percepção feminina sobre sua própria imagem. A partir desse ponto, os pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Franklin Rumjanek, Concy Caldeiras e Nelson Cotrim, desenvolveram uma pesquisa que visa traçar um perfil genético da doença no Brasil, através da identificação de mutações específicas em determinado gen – o BRCA1 – que possa indicar o surgimento do câncer de mama, como já é feito em algumas comunidades fechadas no mundo.

Através deste estudo que, no Brasil, é pioneiro, os cientistas da UFRJ finalizaram a primeira etapa da pesquisa, analisando ao todo o sangue de 94 indivíduos, sendo 57 pacientes doentes, selecionados pelo setor de Ginecologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, através do doutor Afrânio Coelho, responsável por todo o processo de triagem, e 37 voluntários sadios para compor o grupo controle. Além disso, a pesquisa realizou mais de 4.500 seqüências de DNA para que fosse possível ter o perfil do gen BRCA1. O gen em questão é um dos principais responsáveis pelo surgimento da doença.

Normalmente ligado à manutenção da integridade do DNA na célula e chamado de gen repressor de tumor, o BRCA1 é responsável pelo controle das células sadias ou doentes, eliminando aquelas que apresentam defeitos e que possam colocar em risco todo o tecido.

– Esses erros ocorrem naturalmente, às vezes, durante a replicação, sendo possível corrigi-los, já que o nosso organismo possui sistemas que fazem isso, mas se os erros são muitos extensos, o gen BRCA1, entre outros gens, levam a célula a cometer suicídio, protegendo o tecido –, explica o pesquisador Franklin Rumjanek, professor titular do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ.

Esse suicídio celular, também conhecido como apoptose, poupa o tecido de malignidade. Porém, quando o próprio gen encontra-se defeituoso, esse ramo de policiamento se torna falho permitindo à célula, mesmo tendo erros em seu DNA, continuar vivendo. A partir daí acumulam-se diversas mutações na célula, podendo torná-la tumoral, que é o que ocorre, em geral. 

Normalmente, é comum ter variações de DNA entre os indivíduos de uma população e é graças a isso que é possível determinar paternidades, pois se consegue encontrar marcas específicas de cada um. Porém, em certas patologias, como é o caso do câncer de mama, podem ocorrer mudanças em alguns gens marcadores que só estão presente na população afetada e não se encontram na população normal, o que configura a doença.

– É isso que detectamos no estudo que realizamos, mutações presentes em doentes e mutações presentes em pessoas sadias. O BRCA1 está ligado a outros cânceres também, mas está em maior evidência no câncer de mama. Foram encontradas diversas mutações, algumas já descritas na literatura, mas encontramos duas ainda não descritas, presentes em uma mesma paciente, no caso uma judia asquenazi –, destaca o especialista.

Apesar de já terem conhecimento a respeito da probabilidade de determinados grupos específicos de desenvolver o câncer de mama, em virtude de mutações no BRCA 1, como na Finlândia, Holanda, entre outros, sobre as brasileiras quase nada sabia-se.

– Essa incidência ocorre devido ao que nós nos referimos como o gen fundador, porque como ainda existem algumas populações que ficam, de alguma forma, segregadas, então, caso introduza-se um gen de alta penetrância e essa população não se renove nem cruze com outras, acaba-se mantendo esse gen, que pode se espalhar por toda a população. Por isso é comum ter grande número de casos em grupos segregados, como no caso da judia esquenazi –, exemplifica Franklin Rumjanek.

O objetivo, agora, é poder relacionar as mutações ao prognóstico da doença. Seria não só mais fácil tratar o câncer, como começar a reconhecer mecanismos de transformação tumoral, concluindo que determinada mudança pode fazer com que o produto de um gen específico não funcione bem, desenvolvendo o câncer.

– O que obviamente estamos querendo fazer é correlacionar essas mutações do gen com o quadro clínico da doença, com a gravidade, o índice de malignidade e de agressividade do tumor. Dessa maneira, poderíamos identificar que tipo de mutação ocasionaria metástase e que outra tem características e manifestação mais branda. Isso facilitaria o tratamento –, ressalta o pesquisador.

O estudo também permitiu uma importante constatação: nem toda mutação é necessariamente um risco ao desenvolvimento do câncer. Segundo Rumjanek, se for feito um teste para verificar as mutações no gen isso não deve, obrigatoriamente, preocupar o indivíduo, porque é preciso verificar que tipo de mutação é essa; se ela pode caracterizar a doença, ou se é natural. Isso serve de alerta para uma série de situações em que é detectada em laboratório alguma mutação no gen BRCA1, levando a uma recomendação de um tratamento cirúrgico, como a estectomia preventiva, por exemplo. “É prematuro recomendar um procedimento médico qualquer. A transformação celular na verdade é resultado de acúmulos de mutações que não necessariamente estão ligadas ao câncer”, observa o pesquisador.

Porém, verificar alterações é imprescindível para manter o indivíduo em alerta. A existência de um histórico familiar ligado à doença já é razão para ficar atento, mas se, além disso, forem detectadas mutações com características de mutações cancerosas, a vigilância é extremamente importante.

– A grande vantagem de se fazer uma varredura nos gens seria um alerta para que uma determinada pessoa se torne mais atenta, fazendo exames com maior freqüência que outros membros da população  para que seja possível detectar o câncer em seu estágio inicial. Na população normal que examinamos, várias pessoas tinham polimorfismos com características semelhantes às dos grupos doentes, então esse grupo deve ficar em observação, é prudente que haja tal cuidado –, explica o professor.

Financiado pela Faperj, o projeto não está concluído, mas há grande desejo por parte dos pesquisadores em dar seqüências às investigações. “O que queremos fazer agora denomina-se de estudos multicêntricos, ou seja, o cruzamento de resultados de diversas pesquisas, em diversas áreas do país, para ampliar o nosso campo de análise. Na verdade, quanto mais pessoas fazem parte da análise, mais preciso fica o quadro estudado. O que fazemos é muito regional, embora de grande importância. Mas seria muito informativo poder promover paralelos com outras regiões”, conclui Rumjanek.


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