Agência de Notícias da UFRJ www.olharvital.ufrj.br
Edição 089
12 de julho de 2007

Faces e Interfaces

Pílula antibarriga: uma solução para poucos


Cinthia Pascueto e Stéphanie Garcia Pires

O Rimonabanto, também conhecido como pílula antibarriga, foi fabricado pelo laboratório francês Sanofi-Aventis com a promessa de combater a obesidade abdominal. Liberado pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e previsto para circular no mercado brasileiro a partir de agosto deste ano, este novo medicamento gera polêmicas.

O primeiro perigo é a ingestão inadequada da substância, por isso, os médicos alertam: o Rimonabanto não é indicado para pessoas que queiram simplesmente perder alguns centímetros na barriga. Sua função é especificamente tratar a chamada Síndrome Metabólica, ou seja, o acúmulo de gordura visceral na região do abdômen, que causa diversos males à saúde, tais como problemas cardiovasculares, hipertensão e propensão a diabetes.

Além disso, foi constatada a relação entre a utilização do Rimonabanto e a manifestação de distúrbios psiquiátricos, entre eles, a propensão para o suicídio, depressão e ansiedade. Nos Estados Unidos, esses dados pesaram mais do que os possíveis benefícios do medicamento. No Brasil, entretanto, há quem aposte que o Rimonabanto é uma forte aquisição na medicina para o tratamento da Síndrome Metabólica, desde que obedecida às contra-indicações de seu uso.

Para mais esclarecimentos a respeito deste medicamento, a equipe do Olhar Vital procurou os médicos João Regis Ivar Carneiro, especialista em Endocrinologia no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, e José Egídio, chefe do serviço de Nutrologia e Diabetes na instituição.

João Regis Ivar Carneiro

Endocrinologista do Programa de cirurgia bariátrica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho

“Há alguns anos, foi comprovada a idéia de que realmente existe uma diferença entre a gordura abdominal e a presente em outros lugares do corpo. Antigamente, pensava-se que o tecido adiposo tinha apenas a função de acumular energia, para o dia em que a pessoa precisasse usar. Mas descobriu-se com o passar dos anos, que é bem mais do que isso. O tecido tem hoje o status de controlar o ritmo de produção de várias substâncias que interferem na vida da pessoa, ou seja, ele produz substâncias que agem numa série de eventos que fazem parte da resposta do ser humano a agentes externos, como substâncias que atuam nos vasos sanguíneos ou aquelas que atuam no sistema nervoso central, regulando o apetite.

Esse fato trouxe para a comunidade cientifica uma nova idéia no que diz respeito à abordagem da obesidade e de assuntos relacionados. Quando falamos de medir a cintura do indivíduo, trata-se apenas de uma estimativa, porque entre a pele e os órgãos, temos o tecido muscular e diferentes tipos do adiposo. Temos a gordura subcutânea, mais periférica, e outra mais interna, chamada visceral. E a última é, sem dúvida, a mais importante. Isso pode explicar porque nem todos que possuem o abdôme aumentado vão ter problemas. Ou seja, o que influencia é o tipo de gordura abdominal. Essa distinção é mais difícil de aferir, pois se faz necessário realizar uma ressonância magnética e desenvolver um programa de medição do tecido adiposo visceral, o que é mais custoso.

A crítica a medição da circunferência abdominal se dá porque não se mede a gordura interna, nem a subcutânea, pois não se sabe a proporção de ambas. Outro ponto de discussão são os valores de comparação, já que configura o grupo de risco para mulher com cintura acima de 80cm e para o homem acima de 90cm, baseados no padrão asiático, que não se assemelha muito ao tipo físico dos brasileiros. A partir desse conceito então a gordura abdominal ganha a atenção da comunidade cientifica, popularidade e interesse da mídia, que começa a colocá-la num patamar de importância. Nesse contexto entra o Rimonabanto ou pílula anti-barriga, que é uma medicação que vem sendo estudada a um bom tempo, despontando com um apelo muito forte. 
 
Inicialmente, o que motivou esses estudos foi o aumento de apetite apresentado por usuários de maconha, sintoma chamado popularmente de ‘larica’, que despertou o interesse no estudo dos receptores com os quais as substâncias da droga se ligariam e deflagrariam esse distúrbio de comportamento alimentar. Esses receptores então foram isolados e se desenvolveu uma substância que provocaria a reação contrária, interferindo no circuito de reações modulados por essas estruturas. Essa medicação se mostrou eficaz em reduzir o impulso alimentar, a vontade de comer, e conseqüentemente levar a uma perda de peso. Por interagir com o sistema nervoso central, esse circuito pode interferir também em algumas compulsões, como a vontade de beber, de fumar, de se alimentar, além da relação com a mobilização de gordura dos tecidos periféricos e com substâncias do tubo digestivo, ainda em estudo.

Como essa medicação foi concebida numa época em que essa questão da gordura abdominal estava na moda, foi testada também por esse aspecto. Nisso, há uma dúvida pessoal, também em voga no meio médico, sobre as pessoas que tomaram essa medicação e perderam peso. Essa diminuição da barriga é da própria perda de peso ou é diretamente influenciada pela medicação? Pelo mesmo motivo, outras medicações mais antigas, que podem apresentar efeito semelhante não foram estudadas de maneira aprofundada quanto a esse aspecto. Sempre que surge uma nova droga no mercado, deve-se ter muita calma e uma visão muito crítica sobre o assunto. As opiniões a favor ou contra a droga devem ser baseadas apenas nas evidências dos trabalhos que são apresentados e na experiência clínica que desenvolvemos no decorrer da prática médica. Quando a droga é lançada no mercado, já foi testada em seres humanos, mas não utilizada em larga escala. Com sua liberação, o número de pessoas que vão utilizá-la vai se multiplicar por cem, por mil, o que configura uma situação bastante diferente.

Apesar de contribuir para a perda de peso, deve-se atentar a duas coisas em relação a essa medicação. Em primeiro lugar, no estudo que foi conduzido com várias pessoas para avaliar a tolerância e efeitos colaterais da droga, algo entre 40 e 50% dos participantes não quiseram mais continuar, fator que não foi muito esclarecido. Com isso, os resultados finais foram avaliados apenas no grupo que permaneceu na pesquisa. Outro ponto deve ser analisado, baseado no número significativo de pessoas que tomaram o medicamento e apresentaram um quadro de depressão. Não significa necessariamente que todos irão desenvolvê-lo, mas é importante levar em conta, pois a obesidade já é associada à depressão como um fator de risco.

Isso não contra-indica a utilização da droga, mas é uma condição que vai limitar o uso. O problema quando surge uma medicação dessas no mercado, são matérias irresponsáveis com títulos como ‘Pílula anti-barriga é a solução para o seu problema’, incitando o leitor a consumi-la como se fosse um produto qualquer. Quando se cria esse tipo de expectativa, um número de pessoas muito maior vai desejar utilizá-lo, incluindo quem não precisa ou não pode consumi-lo. Nisso, uma margem para maiores problemas se abre, visto que quanto menos critérios de utilização de uma droga são determinados, maiores são as chances de um efeito colateral indesejado. Por isso, a forma de divulgação de qualquer medicamento não pode ser muito afoita.

O Rimonabanto então é uma droga que pode ter seu papel no tratamento da gordura abdominal, além de ser baseada em conceitos bastante interessantes. Talvez a forma como isso foi colocado inicialmente pela imprensa possa comprometer os resultados, pois muitas pessoas podem usar de forma irresponsável o medicamento, sem passar por uma avaliação mais criteriosa para saber sua suscetibilidade aos efeitos colaterais do mesmo. Sou a favor de mais estudos, guiados de forma mais séria e criteriosa do que a divulgada em revistas de grande circulação, que aparentam ter necessidade de se criar uma situação milagrosa para um produto que não tem essa perspectiva. Afinal, já existe uma cobrança muito grande da sociedade em relação ao corpo, o que torna o individuo, principalmente a mulher, desesperado em relação ao peso. Esse fato é preocupante, o que leva o uso indiscriminado da pílula a queimar o filme dessa medicação antes mesmo que ela se estabeleça no mercado”.


José Egídio

Chefe do serviço de Nutrologia e Diabetes no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho

“O Rimonabanto, ou pílula antibarriga, foi testado em vários estudos. Um deles observou a eficácia deste medicamento no combate ao tabagismo. Foi aí que os pesquisadores perceberam que, em alguns pacientes fumantes que apresentavam um quadro específico de obesidade, o medicamento auxiliou não apenas na redução de consumo do tabaco, como na redução da gordura presente na região do abdômen. Isso impulsionou o redirecionamento dos estudos com esse medicamento para o que é hoje: o tratamento contra a obesidade abdominal e síndrome de insulino-resistência.

O Rimonabanto é um bloqueador de receptores CB1. Eles estão presentes no Sistema Nervoso Central (SNC), principalmente na região do hipotálamo, que está relacionada com a ingestão de alimentos. Podem ser encontrados também na periferia, ou seja, no tecido adiposo, no fígado, no intestino e na fibra muscular. Tais receptores são ativados pelo sistema endocanabinóide que, ao ser estimulado, bloqueam ação de neurotransmissores envolvidos com a fome, aumentando a ingestão de alimentos e a lipogênese — o acúmulo de energia na forma de células gordurosas.

Na periferia, esse sistema induz o desenvolvimento de isulinoresistência, tanto no fígado, quando no músculo, dificultando a ação da insulina. No tubo digestivo, ele reduz a saciedade, motivo pelo qual o individuo tende a continuar comendo, mesmo já tendo se alimentado.

Provavelmente, o sistema endocanabinóide foi desenvolvido quando os homens viviam expostos a baixa oferta de alimentos, por isso, o impulso necessário no organismo no sentido de acumular nutrientes o máximo possível. Hoje, porém, com uma disponibilidade de alimentos muitas vezes excessiva, isso não tem muito sentido. As pessoas vão adquirindo uma inclinação a continuar comendo, mesmo quando estão saciadas. Isso favorece o desenvolvimento de um quadro conhecido na prática clínica como Síndrome de Insulinuresistência, ou Síndrome Metabólica, em que o indivíduo, geralmente de meia idade, passa a ganhar peso e a desenvolver um quadro de obesidade intra-abdominal.

Como conseqüência, a pessoa vai adquirindo intolerância à glicose, os níveis de pressão arterial vão gradativamente aumentando, enquanto a concentração do HDL, o bom colesterol, diminui. Há um acúmulo de gorduras, tanto no aumento de triglicérides, quanto na elevação da taxa de lipídios no sangue (dislipidemia). Essa configuração é favorável para o desenvolvimento de diabetes tipo 2 e de doenças cardiovasculares — atualmente, uma das principais causas de morte no Brasil.

Diante dessa realidade, a proposta do Rimonabanto é válida. Bloquear os receptores CB1, evitando a hiperatividade do sistema endocanabinóide, é uma boa estratégia de combate à Síndrome Metabólica. Esse medicamento tem um efeito redutor da glicemia (nível de açúcar no sangue), redutor da pressão arterial, redutor da concentração de lipídios e redutor de apetite.

O problema é que estudos clínicos demonstraram efeitos adversos para o Sistema Nervoso Central (SNC), principalmente no que diz respeito à ansiedade e à depressão.  Ao constatar essa tendência, O FDA (Food and Drug Administration), órgão que regula a liberação dos medicamentos nos Estados Unidos, em uma primeira reunião de análise para avaliar o Rimonabanto, acabou por reprovar o uso deste medicamento no país. Mas, vale ressaltar, o mesmo não aconteceu na Europa. O EMEA (European Agency for the Evaluation of Medicinal Products) aprovou o remédio e ele já é utilizado por aproximadamente 340 mil pessoas no continente. Até o presente momento, não foi constatada uma relação preocupante entre o Rimonabanto e os efeitos adversos do SNC.

No caso do Brasil, a liberação deste medicamento pela ANVISA  se baseou em estudos clínicos nos quais 13 mil pessoas adultas foram testadas em um período de até dois anos com a utilização dessa substância. As tendências à depressão e à ansiedade evidenciadas nos testes não foram preocupantes. Inclusive, ao se analisar a incidência de quadros depressivos na população geral e durante o tratamento com o Rimonabanto, os números são praticamente proporcionais. O importante é que o remédio vem com uma indicação de bula bastante explicativa, que evidencia a inadequação do seu uso por pacientes com histórico depressivo. O Rimonabanto também não é aconselhável para menores de 18 anos, nem para gestantes.

Não apenas com este remédio, uma preocupação que não pode ser deixada de lado é a certeza da indicação. Essa não é uma nova droga para tratar a obesidade pura e simples. Sua função é tratar a obesidade por Síndrome Metabólica, ou seja, pacientes com um índice de massa corpórea acima de 27, que sofrem com os fatores de risco da doença cardiovascular, da pressão arterial aumentada, da intolerância a glicose, entre outras coisas.

Seguindo a risca as indicações para este medicamento, acredito que seu efeito é positivo. O Rimonabanto atua bem no sentido da prevenção, sendo uma arma contra o desenvolvimento do quadro de diabetes tipo 2 e da doença cardiovascular. Esse é o objetivo. E, nesses pacientes, os resultados tem sido satisfatórios.

Para concluir, vale ressaltar que o Rimonabanto é uma ajuda para aqueles pacientes que têm dificuldade em readequar seus hábitos alimentícios. Mas, para que seus efeitos sejam verdadeiramente eficazes, é indispensável uma ação conjunta de exercícios e de uma dieta balanceada”.

Anteriores