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Edição 056
05 de outubro de 2006

Faces e Interfaces

A receita contra o estresse

Taisa Gamboa

Num mundo onde as pessoas praticamente vivem para o trabalho e se preocupam cada vez menos em encontrar sua “alma-gêmea”, dizer que ter um bom casamento faz parte da receita para lidar com o estresse crônico, pode parecer estranho. No entanto, a afirmação do neurocientista Robert Sapolsky, concedida durante uma entrevista para uma revista feminina estrangeira, tem fundamento. Em média, pessoas casadas adoecem menos e vivem mais que as solteiras, de acordo com a pesquisadora Suzana Herculano, neurocientista do Departamento de Anatomia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da UFRJ.

Mas será que somente o casamento tem esse poder, ou qualquer tipo de relacionamento, desde que bem estruturado, também pode ajudar? Qual o impacto das relações afetivas no funcionamento do organismo e na vida de uma pessoa? Para responder essas e outras perguntas, o Olhar Vital convidou Marco Antônio Brasil, professor do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Faculdade de Medicina, e Lúcia Perez, professora do Instituto de Psicologia, ambos da UFRJ.

Marco Antônio Brasil

Professor do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Faculdade de Medicina da UFRJ

“A relação entre bons relacionamentos e seus inúmeros benefícios para a saúde já foi comprovada em uma série de estudos realizados tanto no Brasil quanto no exterior. Essa informação de que ter um casamento estável ajuda uma pessoa a enfrentar os problemas ao longo da vida sem muitos percalços não é um dado novo.

De qualquer forma, é importante dizer que o suporte social é fundamental para que uma pessoa possa expor seus sentimentos e, assim, evitar problemas maiores, como os relativos ao Sistema Neurológico. Entretanto, esse apoio social não precisa ser, necessariamente, ligado à família ou à um relacionamento amoroso. Uma pessoa em que se possa confiar os segredos e desabafar já é o suficiente.

A liberdade para expor as angústias pessoais, sejam elas de cunho emocional, profissional ou social, é de extrema importância para a ‘liberação’ dos problemas individuais. Esse recurso, também conhecido como catarse (purificação das almas através da descarga emocional provocada pelo drama), é muito utilizado em consultas psicológicas e psiquiatrias. Uma pessoa sozinha não tem esse tipo de recurso e está mais sujeita a sofrer problemas como o estresse.

Não há uma explicação biológica e científica que diga como esse processo ‘protetor’ ocorre, como a psicoterapia atua no cérebro. Mas as evidências são muitas. Um estudo realizado durante a Guerra da Bósnia revelou que as crianças que viviam em albergues, separadas das mães, possuíam uma imagem cerebral diferente daquelas crianças que moravam com seus pais. Uma parte do cérebro sofre, de alguma forma, o impacto de tudo o que a pessoa sofre no mundo ao seu redor.

Assim sendo, a tratamento médico atual vem dando cada vez mais espaço para análises completas, que examinem não apenas a doença de forma isolada, mas toda a história de vida da pessoa, sua família, trabalho e a comunidade onde vive. O ser humano faz parte de uma sociedade completa e deve ser estudado como parte integrante dela.”

Lúcia Perez

Professora do Instituto de Psicologia da UFRJ

“A Psicologia às vezes se reduz ao biológico para tentar globalizar, criar leis gerais. Porém, a Psicanálise se interessa justamente pelas diferenças que existem entre os indivíduos. Então não dá pra definir de forma única sobre o que é o bem para o ser humano. É claro que a estatística vale, mas ela é apenas uma tendência, um número abstrato.

Não é possível generalizar. Um bom casamento e bons relacionamentos em geral, fazem muito bem. Assim como uma relação ruim é horrorosa. O importante é que cada um encontre o que é melhor para si, onde se sente mais confortável, que situação é menos estressante.

E muitas vezes o que estressa mais é ficar de alguma forma sob o jugo do outro. Um ponto importante é que esse conforto pessoal não é algo cristalizado. Porque se fosse, seria uma ilusão. Não há promessa de felicidade sempre. Toda vez que algo é colocado de forma totalitária se fecha uma visão.

Socialmente, desde que nascemos, possuímos uma sensação de desamparo, por isso estamos sempre buscando uma proteção social: primeiramente na figura materna, depois nas relações sociais que construímos ao longo do tempo. Procuramos por uma imagem que nos garanta o caminho do bem pessoal. Mas o outro é diferente, então, a maior dificuldade está em conseguir suportar a diferença.”

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