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Edição 055
28 de setembro de 2006

Faces e Interfaces

Despoluição da Baía de Guanabara

Taisa Gamboa

A beleza estonteante da Baía de Guanabara e de suas 53 praias impressionam turistas, cariocas e fluminenses. Poucos sabem sobre sua importância junto ao crescimento econômico do Rio de Janeiro. De grande extensão, cerca de 28km, boa profundidade e interior calmo, a baía contribuiu bastante para o posicionamento da cidade do Rio de Janeiro no cenário brasileiro. Mas, ao invés de sua preservação, seu espelho d´água foi amplamente corrompido pela construção de aterros e poluição industrial e doméstica. O que parecia ser uma conseqüência inevitável do progresso se efetivou e transformou-a num dos maiores problemas ambientais, sociais, políticos e econômicos enfrentados pelo governo e comunidade locais.

A fim de ultrapassar esses problemas, um Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG) foi desenvolvido pelo governo do estado do Rio de Janeiro, em conjunto com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o governo japonês. O projeto envolve um conjunto de obras de saneamento que têm o objetivo de reduzir a poluição na baía, o que não se limita a limpar diretamente o corpo d`água, mas solucionar o conjunto de problemas ambientais da bacia, que determinam seu atual estado de degradação.

O programa já existe desde 1995, mas até agora poucas ações de impacto foram implantadas. Afinal, como está  o processo de despoluição da Baía de Guanabara? O Olhar Vital convidou os professores João Paulo Torres, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF) e Rodolfo Paranhos, do Instituto de Biologia (IB), da UFRJ, para debaterem essas e outras questões relacionadas ao tema.

João Paulo Torres

Professor de Biofísica Ambiental do IBCCF/UFRJ

“A década de 50 marcou o surgimento da preocupação com a poluição da Baía de Guanabara. Foi nessa época que a sociedade tomou conhecimento das conseqüências da construção de aterros nas margens da baía. Grande parte do Rio é aterrada, da zona Sul à fundação Oswaldo Cruz, passando pelo bairro da Saúde, e algumas partes do Centro da cidade.  Mesmo tendo essa consciência, os representantes responsáveis pelas obras de expansão e ocupação da cidade acreditavam que, por mais prejudicial que os aterros fossem, sua implantação era um mal necessário ao crescimento da cidade do Rio. A poluição era considerada pela sociedade como um sinal do progresso, vide o parque industrial que se instalou ao longo da Avenida Brasil.

Há mais ou menos uma década, todo o espelho d’água da Baía de Guanabara e da Lagoa Rodrigo de Freitas foi tombado pelo patrimônio histórico. A iniciativa tem como objetivo impedir a construção de novos aterros, que poderiam potencializar a poluição local, a medida que dificultam a troca de água no fundo desses espaços aquáticos semi-fechados, que acaba sendo renovada praticamente uma vez pôr mês.

O programa de despoluição recebe esse nome apenas como forma de chamar a atenção. Parar de poluir é uma coisa, despoluir é outra bem diferente. O projeto que existe hoje consiste na construção de um anel em quase todo o entorno da baía, que capta e trata o esgoto em estações de tratamento que já estão construídas. O que falta fazer é a última ligação para evitar que esse esgoto chegue in natura na baía. A idéia, que surgiu a partir da experiência dos japoneses na baía de Tóquio, é instalar um emissário que leve o esgoto a um canal central, ligando as estações de tratamento ao fundo da baía, longe de suas margens.

Mesmo essa sendo a única forma existente capaz de controlar o esgoto doméstico, lançando uma água tratada na Baia de Guanabara, as obras de conclusão do anel sanitário já ultrapassaram todos os prazos estabelecidos com o convênio japonês, e ainda não foram concluídas.  

Além disso, o projeto de despoluição apresenta defeitos. Todas  as comunidades que forem sendo instaladas a partir de hoje, não vão estar ligadas a esses sistemas. Não há uma preocupação com a expansão, até porque não existe muito espaço disponível para tal, a não ser um áreas mais distantes. De qualquer forma, essas novas ocupações devem ser estruturadas pelas respectivas prefeituras, de forma a encaminhar seus esgotos às estações de tratamento já construídas.

Nem tudo cheira mal. Há uma iniciativa de captação de verbas da iniciativa privada e de empresas internacionais que possam fazer esse tratamento, e não necessariamente o governo. Esse é um marco recente, e ainda é cedo para saber se pode trazer melhorias para o saneamento brasileiro.

De qualquer forma, mesmo com o progresso das obras de despoluição, não há nenhum plano de tratamento do canal do mangue e dos rios de todo o estado que deságuam na Baía de Guanabara. Outro problema é o sistema de esgoto do centro da cidade, muito deficitário. Tanto prédios mais antigos, como uma boa parte dos novos, lançam seus dejetos em rios próximos, sem nenhum tratamento.

Uma solução, que vinha sendo aplicada na Barra, era a instalação de pequenas estações de tratamentos nos condomínios. O alto consumo de energia de suas máquinas, o alto custo de manutenção e a falta de fiscalização adequada fazem com que a estação fique desligada boa parte do tempo, lançando.”

Rodolfo Paranhos

Professor de Técnica Básica de Biologia Marinha do IB/ UFRJ

“Imagine uma baía de águas limpas, próprias para a pesca e com praias balneáveis. Essa era a Baía de Guanabara antes do início da ocupação portuguesa. A pesca de baleia, existente na região há 300 anos atrás, e os criadouros de ostras e mariscos, do século passado, já não existem mais.

É impossível negar que sua biodiversidade diminuiu consideravelmente, mas uma expressiva quantidade de vida ainda pode ser encontrada na baía, razão que justifica sua preservação e fornece esperança quanto a sua recuperação.

A principal razão para tudo isso, é a poluição. Questão cultural, no Brasil, disseminou-se a idéia de que o tratamento sanitário tem alto custo, e, portanto, o ideal seria jogar o esgoto diretamente no ambiente. Este é um paradigma absurdo, fortemente defendido pela ótica míope da engenharia ambiental.

Mas será que não merecemos ter uma boa qualidade ambiental? Porque temos que emporcalhar nossas belas praias com fezes? Veja se algum país civilizado joga esgotos sem tratamento em suas praias, ainda mais se no local o turismo é importante fonte de receita. Porque temos que aceitar que os recursos públicos sejam continuamente usados de forma errada e sem o benefício da sociedade?

Desde que a preocupação com a poluição da Baía de Guanabara surgiu, quando seu entorno passou a ser urbanizado rapidamente, muitas ações foram realizadas para melhorar as condições ambientais do local, mas tudo é muito pouco frente ao maravilhoso cenário natural que nos cerca.

A expressão ‘programa de Despoluição da Baía de Guanabara’ é no mínimo desonesta, apresenta grande grau de má fé, e intenção de enganar a opinião pública. O programa prevê construção de redes coletoras de esgoto e estações de tratamento. Em lugar nenhum do mundo isto é despoluição, mas sim saneamento básico. Primeiro os esgotos devem ser tratados. Uma vez esta meta alcançada, teremos que enfrentar outros problemas relacionados a poluição química (metais, hidrocarbonetos, etc).

Atualmente, não existem condições e conhecimento para que seja estabelecido um prazo para despoluição total da baía. Qualquer número que apareça, deve ser tratado com a mesma credibilidade que tem o coelho da Páscoa ou Papai Noel, pois é chute sem embasamento técnico. Se fosse possível num piscar de olhos tratar 100% dos esgotos, afirmo que a recuperação seria espantosamente rápida, pois a grande troca de água feita a cada movimento de marés é um importante mecanismo para a renovação da baía de Guanabara.

Atualmente não há uma política de despoluição. Nossa sociedade parece não se importar em tomar banho em praias em que se lançam esgotos sem tratamento. Se a população não liga, não serão os políticos a se importar, e vamos cada vez ter mais cocô nas praias. Esgoto tem que ser tratado, isto é caro, mas nós vivemos em um lugar maravilhoso que deveria merecer mais de nossa atenção e cuidados. Creio que nós mereçamos uma boa qualidade de vida. Uma sucessão de governos incompetentes no ramo (e em outras correlatas) está destruindo nosso patrimônio ambiental. O maior problema é nosso povo, que exige carros e telefones celulares de última geração, mas não se importa em praias poluídas e de quinta categoria”.

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