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Edição 054
21 de setembro de 2006

Ciência e Vida

Uma combinação nada atraente

Mariana Elia

Após o acidente ocorrido na Lagoa, no dia 3 de setembro, que matou cinco jovens de classe média, toda a população se voltou para a questão dos acidentes de trânsito. A imprensa tem investido boa parte de seu trabalho para discutir a relação álcool, jovens e direção e o Sistema Judiciário permitiu a realização das campanhas do Ministério dos Transportes, Amigo da vez e Fique vivo, durante o período pré-eleitoral devido a recorrência ao assunto. Os acidentes de trânsito são a maior causa de mortes externas no país e sua ocorrência associada à ingestão excessiva de álcool é predominante nas estatísticas.

Em sintonia com essa mobilização e aproveitando a Semana Nacional do Trânsito, de 18 a 25 de setembro, o Olhar Vital procura mostrar alguns aspectos dessa questão, para alertar a importância da segurança no trânsito, mas com vistas a não cair no moralismo de julgamento ou doutrinação. Em palestra ministrada pela professora Ângela Abreu, do Departamento de Saúde Pública da Escola de Enfermagem Anna Nery, e pelo médico Fernando Moreira, coordenador do Programa de Alcoolemia Zero da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor), discutiu-se alguns aspectos importantes e específicos do Brasil. A ausência de disciplinas nos currículos das áreas de saúde sobre temas como violência, acidentes de trânsito e assuntos afins é uma das peculiaridades que dificulta a conscientização e discussão na sociedade.

Segundo o presidente da Sociedade Brasileira de Alcoologia (SBA) e coordenador do Núcleo de Atenção Integrado ao Acidentado de Trânsito (Naiat) do Hospital Escola São Francisco de Assis (Hesfa), José Mauro Braz de Lima, é preciso ficar atento para a sociedade do espetáculo. “Morrem pessoas todos os dias por acidentes de trânsito. Morreram ontem, morrerão amanhã, mas não ganham a expressão midiática como teve o acidente da Lagoa”, alertou José Mauro, que ainda lembrou que houve, na semana anterior a da tragédia com os jovens, um acidente bastante semelhante no Recreio dos Bandeirantes, no qual morreram seis pessoas.

Algumas medidas já foram implementadas em outros locais, como em regiões dos Estados Unidos, onde houve o aumento da idade mínima para ingestão de álcool, ou na França, onde a campanha de vigilância e punição nas vias públicas diminuiu consideravelmente o índice de acidentes. “Não se trata de ser fundamentalista, de acabar com a bebida alcóolica, mas no trânsito tem que ter essa consciência”, afirma José Mauro.

Diversas pesquisas já provaram que a maior causa de mortes em acidentes de trânsito está associada ao consumo de álcool. Uma delas foi resultado da tese de mestrado da professora Ângela Abreu, que levantou dados por seis meses no Instituto Médico Legal (IML) relativos a óbitos por causas externas e sua relação com a alcoolemia. Foram analisadas 4.316 vítimas, sendo 533 (12,3%) por acidentes de trânsito. A professora constatou o alto número de jovens e, para sua surpresa, pessoas com 60 anos ou mais. Foi verificada ainda uma grande diferença entre homens e mulheres, com relação de vítimas de cinco homens para cada mulher.

Os fins de semana são os mais perigosos e, segundo a professora, Centro da cidade, Barra da Tijuca e Bonsucesso são os bairros com maiores registros de acidentes fatais. Os casos em que foi possível a realização do teste de alcoolemia confirmaram a existência de taxas de álcool em 41,5%, sendo a maioria na faixa entre 0,6 e 2 g/l, ou seja, o indivíduo estava acima do limite de tolerância permitido no país (0,6 g/l).

Para o médico Fernando Moreira, que lançou recentemente o livro A ‘vacina’ contra a violência no trânsito, pela editora Nitpress, não basta lançar campanhas do tipo se beber não dirija, é preciso informar sobre as conseqüências reais da ingestão do álcool, indicando, por exemplo, o tempo de absorção, o metabolismo e a alteração do sono. Propagandas chocantes também são incentivadas pelo médico, pois “tocam e sensibilizam o espectador”.

O principal, contudo, é acabar com certos mitos. Para os especialistas, não há bebida fraca (aquela cervejinha que não faz efeito) e é fundamental entender que a idéia do “comigo isso não acontece” é caminho direto para o final infeliz. “A associação do álcool com a direção é a tragédia anunciada”, finaliza José Mauro Braz.

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