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Edição 051
31 de agosto de 2006

Faces e Interfaces

O que fazer com os embriões congelados?

Mariana Elia

A Lei de Biossegurança, aprovada em novembro de 2005, permitiu a pesquisa com embriões congelados há três anos ou mais para estudos com células-tronco. A vitória dos cientistas marcou mais um episódio na guerra entre pesquisadores e religiosos pelo destino desse tipo de células. A lei prevê ainda o cadastramento de todos os embriões congelados no país, incluindo a numeração de cada um deles, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Essa proposta foi exposta à sociedade até o dia 28 de agosto.

Como lidar com a oposição religiosa? De que forma esse controle deve ser feito e como impedir a concorrência entre pesquisadores? O Olhar Vital convidou os professores Maria do Carmo Ciavaglia, do Departamento de Histologia e Embriologia e Stevens Rehen, coordenador do Laboratório de Neurobiologia Celular do Departamento de Anatomia, ambos do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da UFRJ, para discutir essas questões.

Maria do Carmo Ciavaglia

Professora do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ

“É preciso destacar alguns pontos sobre a questão das células-tronco. Vejo com mais perspectiva o transplante autólogo (tirado da própria pessoa) de células-tronco, pois nesses casos, as células têm a mesma programação genética do indivíduo receptor. Como é o mesmo material genético, a possibilidade de rejeição é mínima. Com relação ao transplante heterólogo (de outra pessoa), entretanto, tenho algumas dúvidas, como por exemplo, a maneira que o organismo aceitará as células com padrão diferente de sua cadeia genotipíca, podendo inclusive ultrapassar o tecido transplantado. Ou ainda, como ficam às gerações futuras. Que material será transmitido?

Há, portanto, uma série de perguntas, que serão respondidas com estudos científicos. Entretanto, algumas questões éticas requerem cuidado. É importante lembrar que ainda estamos nos primeiros passos em pesquisas com células-tronco, ainda temos muito a descobrir. Não podemos ter a ansiedade imposta pela imprensa e colocar a célula-tronco como resposta para todos os tipos de doenças.

O trabalho com embriões congelados precisa ser feito com cautela, uma vez que estamos lidando com uma programação que pode gerar uma vida e do qual ainda temos um conhecimento muito básico. Se utilizados em adoção, ou seja, doados para pais inférteis, temos que lidar com questões sociais. Se utilizados em pesquisas, como lidar com as críticas religiosas?

Acredito - e minha visão é bastante utópica - que é preciso haver um diálogo franco, com clareza e seriedade de ambas as partes. A religião pode funcionar como um regulador, para que a ciência possa ser de alguma maneira direcionada, pois há muito a ser criado com células-tronco. Dessa forma, a ciência e a religião podem trabalhar conjuntamente na construção de uma ética de manipulação, possibilitando a construção desses estudos com critério e qualidade de vida.

Em relação ao controle determinado pela lei de novembro de 2005, é válido o cadastramento dos embriões espalhados pelo país. É o início de uma prática ética de controle, mas que não deve ficar restrito a Anvisa. Outros profissionais devem estar ligados a ela e esse controle somente será possível se as atuais clínicas tiverem desde já uma organização desses embriões. O fundamental é que todas as linhas de pesquisas sejam contempladas com os embriões, não podemos ficar sujeitos à políticas de privilégios se conseguirmos o conhecimento de todos os embriões.”

Stevens Kastrup Rehen

Professor do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ

“O estudo com células-tronco é ainda muito recente, mas as pesquisas são feitas com bastante cuidado. Todo o processo é monitorado, e somente se faz experimento com homens de maneira gradual, depois de longos estudos com animais. As células embrionárias têm mais potencial que uma célula adulta, pois ainda são indiferenciadas, ou seja, podem originar uma gama maior de tipos celulares. Dessa forma, é fundamental que a ciência avance na pesquisa com células-tronco embrionárias.

A maior polêmica em relação a essas pesquisas gira em torno da questão ético-religiosa. A maioria das religiões é contra o estudo com células embrionárias porque alegam ser a interrupção de uma vida. Segundo religiosos a vida começa no ato da concepção, mas é preciso levar em consideração algumas questões. Considera-se, por exemplo, morte quando o Sistema Nervoso Central (SNC) pára de funcionar. Portanto, deve-se considerar o princípio da vida quando o SNC é formado (cerca de 15 dias após a concepção). As células utilizadas em pesquisas, no entanto, têm entre dois e quatro dias apenas. Além disso, são células derivadas de embriões descartados do processo de fertilização in vitro, ou seja, não têm outro destino.

Ainda assim, é claro que todas as instâncias e indivíduos têm o direito de se pronunciar sobre quaisquer questões. Os pesquisadores têm que ouvir a opinião de religiosos, mas o fundamental é que o Estado laico não pode basear sua legislação em tendências dessa ordem.

O controle de embriões é positivo, mas precisamos saber como a Anvisa dará conta dessa função. Hoje em dia, os pesquisadores têm muitos problemas em importar reagente e célula-tronco. A Anvisa teria que agilizar esse processo e, por isso, não sei se arcando com mais uma função acabaria por emperrar o ritmo das pesquisas. É, portanto, preciso fazer um cadastramento desde que a burocracia gerada não dificulte o andamento do trabalho que vem sendo feito.

A forma como essa numeração será feita necessitará de uma logística bem definida. Teoricamente, mesmo que numerosos e pequenos, é possível numerá-los um a um, mas na prática, dependerá do método adotado.

O governo ou o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) terão que organizar a distribuição de embriões, através de critérios que avaliem o mérito do pesquisador, seja por publicações ou por outro aspecto. Mas, na verdade, não há tanto para se preocupar com esse ponto, pois a questão maior está na célula-tronco propriamente, e cada embrião pode produzir uma infinidade delas. Então, se houver algumas clínicas que cuidem desses embriões em parceria com laboratórios que façam aumentar a quantidade de células-tronco, não haverá motivo para concorrência entre os pesquisadores.”

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