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Edição 048
10 de agosto de 2006

Faces e Interfaces

Quando a morte é inevitável

Ortotanásia pode ser uma opção viável quando o tratamento é inútil, a enfermidade provoca sofrimento e a morte é inevitável

Taisa Gamboa

O Brasil está prestes a permitir uma prática médica polêmica entre os profissionais da saúde, advogados e pacientes. Diferentemente da eutanásia e da distanásia, a ortotanásia implica dispensar o uso de tratamentos e procedimentos médicos que, ao invés de curar, apenas prolongam o sofrimento do paciente. O documento está sendo preparado pelo Conselho Federal de Medicina e deverá ser aprovado e publicado até outubro desta ano.

Várias questões éticas e morais então envolvidas e a prática confere muita responsabilidade aos médicos. Mas como determinar a inevitabilidade da morte? Como decidir que o fim da vida é melhor que a sobrevida sofrida? Para responder a essas e outras questões, o Olhar Vital, convidou o professor Sérgio Zaidhaff, presidente da Comissão de Bioética do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF/UFRJ), e o padre Aníbal Gil Lopes, professor do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF).

Sérgio Zaidhaff

presidente da Comissão de Bioética do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF/UFRJ)

“A eutanásia surgiu com um objetivo especial, evidente em sua própria significação: boa morte. Mas por ter sido largamente empregada na dizimação de pessoas consideradas de ‘segundo escalão’ pelo nazismo, tais como doentes mentais e prostitutas, o termo ganhou uma conotação negativa.

Nos anos 60, o avanço da tecnologia favoreceu a melhora no atendimento médico. Novas drogas, equipamentos e técnicas permitiram o prolongamento da vida. Mas o que fazer quando essa sobrevida acarreta sofrimento? A manutenção de um tratamento ineficaz, que traz mais malefícios que benefícios ao doente caracteriza a distanásia.

Nesse contexto surge a ortotanásia, que significa morte correta. Segundo essa prática, quando o tratamento é inútil e só prolonga o sofrimento provocado pela doença, os médicos podem suspender a terapia.

Tudo deve ser feito em comum acordo com o paciente e sua família. Além disso, pelo menos dois médicos devem atestar a inevitabilidade da morte e garantir conforto, sedação e analgesia ao paciente.

A decisão é difícil tanto para médicos quanto para a família, e a sociedade ocidental não está preparada para lidar com a morte. É por isso que a minuta que está sendo preparada para votação respeita a vontade dos doentes e seus representantes; e permite que os médicos se neguem a empregar a prática em função dos seus princípios.

Há uma outra questão a ser levada em consideração. Se o médico achar que o doente pode superar a situação e viver bem, mesmo que o paciente e/ou sua família peçam a interrupção do tratamento, ele tem obrigação de manter a terapia e salvar o enfermo, caso contrário será omissão de socorro. O compromisso principal dos médicos é salvar vidas.”

Aníbal Gil Lopes

Professor do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF)

“A ortotanásia, entendida como a conduta em relação àquele que está morrendo, envolve o cuidado do paciente, quer na melhoria de sua qualidade de vida e menor sofrimento (medicina paliativa), quer na assistência psíquica e espiritual do mesmo. A ortotanásia seria o conjunto de cuidados que permitiriam a morte com dignidade e respeito, e, mais ainda, como fecho de uma vida que atinge o seu sentido último. Neste sentido sempre deverá ser entendida como um dever ético e moral.

A prática não pode ser entendida como a suspensão dos cuidados fundamentais, tais como a alimentação ou o abandono do paciente à sua própria sorte, o que caracterizaria a eutanásia passiva. Também não pode ser justificada a partir de cálculos econômicos, tais como o custo dos doentes terminais ou a falta de leitos nas unidades de terapia intensiva.

Essa situação deve ser distinguida da distanásia, também chamada intensificação ou obstinação terapêutica A distanásia se caracteriza pela aplicação de tratamentos desnecessários ou sem possibilidade de produzirem qualquer efeito benéfico, muitas vezes tendo como motivação aspectos políticos ou econômicos, quer por parte da estrutura de assistência à saúde, quer por interesses familiares. Não corresponde, todavia, à situação em que a luta contra a morte, ainda que através de meios extraordinários, se dá dentro da possibilidade real de recuperação do doente terminal.

Por outro lado, dentro do âmbito desta discussão, não se pode perder de vista a questão da mistanásia, tão comum em nosso meio. O Padre Leonard Martin denomina a morte miserável como mistanásia, caracterizando três situações. Primeiro, a caracterizada pela grande massa de doentes e deficientes que, por motivos políticos, sociais e econômicos, não chegam a ser pacientes, pois não conseguem ingressar efetivamente no sistema de atendimento médico. Segundo, os doentes que conseguem ser pacientes para, em seguida, se tornar vítimas de erro médico. Enfim, os pacientes que acabam sendo vítimas de má-prática por motivos econômicos, científicos ou sócio-políticos.”

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