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Edição 039
8 de junho de 2006

Microscópio

Futebol em época de copa

Geralda Alves

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O futebol tomou conta do país e do mundo. Amanhã (9 de junho) começam os jogos pela disputa da taça mundial. O Brasil pára para assistir a estréia da seleção dia 13, a concentração é no bar mais próximo de casa ou na casa dos amigos. A torcida se une não mais para torcer pelo seu time em particular, mas pela maior seleção do mundo, o que enche de orgulho todos os brasileiros. Para falar sobre a mudança do comportamento das torcidas, o professor Humberto André Rêdes Filho, do departamento de Jogos da Escola de Educação Física e Desportos da UFRJ tem a palavra:

O futebol, a paixão do povo brasileiro, tem uma característica que é mexer com a emoção do individuo dentro do campo. “É um jogo coletivo, os gols são conquistados com muita dificuldade, o objetivo da partida traz muito sofrimento. Nas copas de 1970, 1974 e 1978, que acorreram na época da ditadura, as torcidas eram mais educadas, mais contidas, embora eu acredito que a questão política não tenha influenciado nesse comportamento, o que havia era mais respeito ao ser humano”.

Hoje, os valores mudaram a sociedade também mudou e a torcida é outra, formada, na maior parte, por jovens que vão aos estádios com o objetivo de brigar e criar confusão. Para o professor, as torcidas refletem o que é a sociedade. “Isso é o que existe do mais irracional, do mais emocional e se tiver que matar o treinador, o jogador ou o juiz, vai matar mesmo, embora se arrependa depois. Não existe respeito, ninguém sabe o que é isso”. O professor compara o futebol ao divã do analista, aonde o inconsciente vem à tona.  “Surgem às coisas mais primitivas, as atitudes de massa se concretizam” A necessidade de pertencimento é outra questão apontada por Humberto para que os jovens se organizem em torcidas. “Eles têm que se sentirem aceitos pelo grupo e por isso, praticam atos que se estivessem sozinhos não o fariam”, analisa.

Ex-jogador profissional, treinador, supervisor de clube e também ex-dirigente da seleção brasileira dos juniores a qual Ronaldinho, o fenômeno, foi um dos convocados, o professor fala que ao torcer pela copa do mundo se constrói uma identidade coletiva. O clube, segundo ele, é regional, o adversário é o vizinho. “Os inimigos estão muito próximos e a gente carrega a emoção, própria dos relacionamentos. As torcidas dos clubes são antagônicas. Em se tratando de seleção vira uma torcida única e a gente se une mesmo. Na copa de 1958 fazíamos festa junina e soltávamos balões para comemorar. Hoje ninguém pensa em festa junina. A seleção tem sua festa própria, virou uma festa mundial”.

Assim como a torcida, o futebol também sofreu transformações, saindo do amadorismo (1890/1894) para o profissionalismo (a partir de 1933), tendo um grande impacto nos anos 90, com a eleição de João Havelange para presidente da FIFA. “Foram 24 anos (1974/1998) de um presidente que revolucionou o futebol. Ele era um empresário e deu ao futebol uma visão comercial. Tanto que hoje o  futebol deixou de ser esporte para ser um negocio, pois tudo que acontece, faz com que se pense mais em negocio do que em esporte. Ele tornou o futebol um bem econômico. Isso criou uma massificação ainda maior de um esporte que já despertava interesse”, explica o professor.

Durante esses 24 anos de poder João Havelange visitou chefes de estado e ofereceu os serviços da FIFA para criar um time em seu país e com isso passou a colocar no mundo possibilidades de terem futebol e os governos começaram a ver o poder político do futebol. “Se os paises árabes queriam fazer futebol, ele estava lá filiando, e dando apoio, fazendo campeonatos. Hoje são 208 paises filiados a FIFA (mais que a ONU) é um órgão com um imenso poder. A gente tem que admitir que o Havelange tem um papel fundamental na velocidade dessas mudanças”, fala com admiração.

Outro fato transformador na história do futebol foi à extinção da lei do passe livre dando lugar à lei Pelé. “Hoje todos os jogadores são de aluguel. Antigamente o atleta pertencia ao clube, havia pouca rotatividade. A própria forma que evolui a nossa sociedade, em torno do descartável, isso também se dá no futebol. O jogador mal começa a se destacar já é vendido”. Essa comercialização fez com que aumentasse a procura pelo futebol. O jogador é um mito e os pais investem nisso. Os clubes recebem por ano cerca de 200 crianças e adolescente na faixa de 12 a 20 anos e muito poucos são aproveitados. “Esses clubes têm uma grande função social no desenvolvimento desses adolescentes. O governo deveria ajudar os clubes, pois eles têm dificuldades em manter o jogador e muitos não fazem parte da chamada elite, com salários baixos e até atrasados”, finaliza Humberto.

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