• Edição 199
  • 26 de novembro de 2009

Faces e Interfaces

A pílula da sobriedade: solução para motoristas que bebem?



Cília Monteiro

Cientistas israelenses, da Universidade Hebraica de Jerusalém, recentemente anunciaram a criação de um medicamento que anularia os efeitos do consumo de álcool no organismo. Os primeiros testes demonstraram que, após a ingestão de bebidas alcoólicas seguida de uso da droga, os voluntários não apresentaram sintomas de embriaguez. A “pílula da sobriedade” ainda proporcionou melhoras de reflexo e capacidade motora.

Especula-se que a substância, feita à base de vitamina B6, seria uma alternativa à Lei Seca, além de ajudar a reduzir estatísticas de acidentes de trânsito. O indivíduo poderia beber, tomar um comprimido e, em poucos minutos, dirigir. No entanto, médicos e cientistas consideram perigoso utilizar medicamentos com esta finalidade devido aos riscos e possíveis efeitos colaterais. Para discutir a polêmica e falar sobre a ação desse tipo de droga no organismo, o Olhar Vital convidou os especialistas:

Miguel de Lemos Neto

Médico Farmacologista, Prof. do Instituto de Ciências Biomédicas

“Ainda são poucos os trabalhos científicos que comprovam os efeitos benéficos de medicamentos à base de vitamina B6 e derivados no tratamento do alcoolismo e dos efeitos decorrentes do uso agudo e crônico do álcool no organismo humano. Entretanto, uma nova droga, a metadoxina, derivada da vitamina B6, com poucos efeitos colaterais, vem sendo estudada em pacientes portadores de hepatopatias alcoólicas. E também em indivíduos que fizeram uso de bebidas alcoólicas, com o objetivo de reduzir parcialmente os efeitos do álcool no sistema nervoso central.

Vale salientar que ainda é uma droga que se encontra em regime experimental. Embora seja derivada de uma vitamina, não é isenta de efeitos colaterais. Trabalhos recentes demonstraram que esta droga atua no aparelho genital masculino, reduzindo a contagem de espermatozoides, quando aplicada cronicamente. Esses medicamentos são empregados em pacientes com hepatopatias decorrentes da intoxicação alcoólica aguda e crônica. Em particular, esteatose hepática (fígado gorduroso) e hepatite alcoólica.

A vitamina B6, ou Piridoxina, participa do metabolismo das proteínas, gorduras e triptofano. Atua na produção de hormônios, estimula as funções de defesa celular e participa no crescimento. As mulheres grávidas, as portadoras de tensão pré-menstrual, fumantes e alcoólicos devem utilizar uma dose diária maior desta vitamina. As manifestações clínicas da deficiência da vitamina B6 são estomatite, glossite, queilose, fraqueza e alterações do estado mental.

Como a Piridoxina é fundamental na produção de neurotransmissores, ela tem sido utilizada em uma variedade de condições neurológicas. Por exemplo: epilepsia, doença de Parkinson, depressão, dor crônica, cefaleia, anormalidades de comportamento em crianças e adultos e neuropatias periféricas. Já em doses elevadas, a vitamina B6 pode causar distúrbios neurológicos e sonolência.

Ainda é muito cedo para podermos afirmar que o medicamento é seguro e realmente anularia todos os efeitos do álcool no sistema nervoso. Na intoxicação alcoólica, são comuns os sintomas de agitação, prejuízo cognitivo e sonolência. Embora tenham sido observadas reduções da agitação e prejuízo cognitivo entre pacientes tratados com a Metadoxina, efeito semelhante não foi observado para sonolência.

Em relação à Lei Seca, este medicamento pode ser uma faca de dois gumes. Ao mesmo tempo em que ele minimizaria os efeitos do álcool, os etilistas ditos ‘sociais’ podem, na presença do medicamento, beber mais e mais, e passar a um patamar mais avançado na escala do vício.

Se tivéssemos uma comprovação científica e farmacológica de que estes medicamentos são realmente eficazes, a indústria certamente teria interesse na produção. O medicamento já é fabricado no Brasil desde julho de 2008 (Metadoxil®) e no exterior (Viboliv®), mas com uma utilização muito restrita para determinadas doenças.”

Angela Maria Mendes Abreu

Chefe do Departamento de Saúde Pública da Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN) e coordenadora do Núcleo de Atenção Integrada ao Acidentado de Trânsito (NAIAT) do Hospital-Escola São Francisco de Assis (HESFA)

“Eu ainda não acredito na criação e utilização de medicamentos com a finalidade de cortar os efeitos do álcool. Principalmente porque os estudos nessa área ainda apresentam limitações, o que impossibilita estabelecer uma conclusão definitiva sobre a segurança do uso desses fármacos.

Em relação à Lei Seca, creio que a possível comercialização desse tipo de remédio seria negativa, já que não há nada que prove de fato a eficácia e a ação dele no organismo, e, especialmente, se for utilizado com o objetivo de cortar o efeito de bebidas alcoólicas no organismo, para que o indivíduo dirija um automóvel sobriamente.

Não acredito que tais medicamentos reduziriam índices de acidentes de trânsito. O ideal é que haja uma conscientização em massa em relação à problemática da mistura de álcool e trânsito. E a consciência deve vir sem o uso de substância química. A única coisa que reduziria a taxa de acidentes envolvendo veículos, em minha opinião, é a educação.

De forma alguma considero válida a possibilidade de indivíduos beberem demasiadamente, tomarem um comprimido e, em alguns minutos, estarem dirigindo. Conhecendo o metabolismo do álcool no organismo, é muito difícil dizer que uma medicação agiria com rapidez, gerando o efeito contrário ao da bebida e, em pouco tempo, o individuo estaria sóbrio e sairia dirigindo.

Assim como no exemplo dos países de primeiro mundo, acredito que a principal maneira de se reduzir acidentes de trânsito seja através de informação e educação. É isso que procuramos difundir atualmente, através de nossos projetos junto aos alunos de graduação. Com nosso trabalho, levamos a informação às escolas de primeiro e segundo graus, focando na educação em saúde no trânsito. E, enquanto a população não se educa, é necessária uma fiscalização eficaz e eficiente”.