• Edição 196
  • 5 de novembro de 2009

Faces e Interfaces

Terapia ortomolecular: eficácia ou popularidade demais?

Amanda Salles

Quem não deseja envelhecer mais devagar? Quem não desejaria evitar as doenças do corpo e manter a beleza física? Quem de nós não deseja perder peso saudavelmente? Milhares de moléculas e átomos sedentos por elétrons e capazes de qualquer coisa para consegui-los, inclusive destruir células humanas, estão espalhados pelo corpo humano, dos pés à cabeça. Praticar atividade física em excesso, se estressar e até mesmo respirar, tudo isso pode ser perigoso e agravar a situação. Somente antioxidantes, um seleto grupo de enzimas, vitaminas e minerais têm o poder de detê-los.

A história e os pensamentos descritos se passam todos os dias no organismo e na cabeça de qualquer ser humano, dando origem à polêmica sobre a eficácia do tratamento ortomolecular. Para tirar as dúvidas e trazer mais informações, o Olhar Vital convidou João Régis Carneiro, médico endocrinologista do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), e Ana Luísa Faller, doutoranda do Instituto de Nutrição Josué de Castro, para falar sobre o assunto.

Ana Luísa Faller

Doutoranda do Instituto de Nutrição Josué de Castro

“Hoje, os ortomoleculares já estão se diferenciando com um novo nome chamado ‘Anti-aging’ ou contraenvelhecimento. A terapia ortomolecular teria surgido de diversas terapias para envelhecimento, seja para o caso normal, conforme os anos, ou algum caso associado a uma doença, que estão envolvidos com a questão da maior produção dos radicais livres. Essa terapia teria como controlar ou modular essa produção para que a quantidade não ficasse exagerada, o que acelera o processo de envelhecimento e aparecimento de doenças. A terapia identifica componentes nutricionais e hormonais que combatem esses radicais livres e permitem a melhor qualidade de vida.

A terapia ortomolecular, quando bem aplicada, pode ser usada para diversos problemas que um paciente possa ter. Por exemplo, uma pessoa que esteja com a pele muito ruim, com rugas, muita celulite, cabelo seco pode ter um tratamento específico para isso. No caso de um tratamento não voltado para a estética, uma doença ou colesterol alto, a terapia também pode ser utilizada de maneira mais rigorosa. Dependendo do caso, o paciente pode ter diversas formas de usar a terapia. A questão é saber se ele realmente vai precisar dessa terapia, pois o que diferencia o ortomolecular dos tratamentos nutricionais normais é que a terapia ortomolecular utiliza níveis e quantidades dos nutrientes muito altos, que ultrapassam o chamado limite superior, utilizado por nutricionistas.

Há de se ter muita atenção com a dosagem desses suplementos. Quando receitados em quantidade exagerada, o uso pode causar efeitos colaterais graves. Vitaminas que podem causar intoxicação, como a vitamina A, ou que acumulam gordura são alguns dos problemas.

A popularidade da terapia ortomolecular se deve ao fato de que foi um primeiro passo para uma mudança na nutrição, que antes era voltada só para a alimentação. Então, foi possível entender que para o corpo funcionar bem e a pessoa estar em seu estado ‘ótimo’, não é só não estar com nenhuma doença, sem nenhuma dor, é também estar com as quantidades ideais de nutrientes, para que todo o organismo funcione de maneira conjunta e muito melhor. Há a necessidade da verificação individualizada para que a terapia tenha sucesso, pois algumas pessoas precisam mais de vitamina B; outras, de vitamina A.

Atualmente, a tendência é juntar as visões diferentes que existem entre a nutrição e o ortomolecular. Por muito tempo a alimentação foi o principal foco dos nutricionistas, enquanto os ortomoleculares receitavam muitos suplementos e cargas de nutrientes. É necessário não abandonar a base que é a alimentação saudável e controlada, mas também aderir e introduzir outros elementos que muitas vezes a alimentação do cotidiano da pessoa não supre, seja pela vida corrida ou por não se alimentar bem mesmo.”

João Régis Carneiro

Médico Endocrinologista do HUCFF

“A pedra fundamental desta ciência, bastante controversa, foi lançada por Linus Pauling, um brilhante cientista americano ganhador de dois prêmios Nobel. Na década de 60, Pauling acreditava que a suplementação de altas doses de vitamina C poderia exercer efeitos bastante positivos no organismo humano, prevenindo o envelhecimento e a ocorrência de câncer. A indicação do uso de vitamina C para prevenir resfriados, fato nunca comprovado cientificamente, surgiu a partir dos estudos de Linus Pauling.

Os anos se passaram e hoje são muitos os adeptos da terapêutica ortomolecular. Existem bons profissionais que acreditam, apesar da falta de evidências científicas, que a utilização de suplementação de altas doses de vitaminas, minerais ou aminoácidos seria capaz de prevenir ou até mesmo curar as mais diversas doenças. Também encontramos um grande número de pessoas muito despreparadas trabalhando com a medicina ortomolecular. Esses profissionais solicitam inúmeros exames que não sabem interpretar ou que não deveriam ter sido solicitados, e também prescrevem fórmulas contendo as mais diversas substâncias sem que o paciente saiba exatamente o porquê e quais as eventuais complicações dessa prática.

Como médico, alopata e pesquisador da área clínica, minha opinião sobre terapias alternativas deve se basear na análise de resultados de estudos clínicos bem concebidos e conduzidos de maneira apropriada. Hoje, dispomos de comprovação científica dos efeitos da acupuntura, da homeopatia e da fitoterapia, por exemplo. Ainda não existem estudos que nos permitam acreditar nos benefícios da utilização de suplementação de vitaminas e outras substâncias em altas doses. Indivíduos que por algum motivo apresentam déficit vitamínico podem se beneficiar da reposição de doses elevadas da substância da qual necessitam. A justificativa de inibição da formação de radicais livres através do emprego de fórmulas multivitamínicas não convenceu ainda a comunidade científica.

Sabe-se inclusive que determinadas vitaminas, quando utilizadas em excesso, podem acarretar sérios problemas no organismo humano. É o caso da vitamina A, que quando usada em altas doses pode causar problemas de pele, lesões hepáticas e provocar náuseas, tonteira e cefaleia. O uso excessivo de vitamina C pode causar litíase urinária, cálculo e interferir nos resultados de alguns exames de sangue; a vitamina E pode dificultar a absorção de outras vitaminas.

Infelizmente vivemos uma época que lembra os primórdios da história da medicina. Em tempos medievais, muitos curandeiros prescreviam tratamentos infalíveis apoiados em um discurso bastante convincente. O estresse moderno, a falta de tempo e a carência de esperança que nos aflige tornam o ser humano do século XXI muito suscetível a tratamentos que prometem grandes resultados, sobretudo quando utilizados por personalidades do meio artístico, já que boa parte dos profissionais da medicina ortomolecular se utiliza de relatos de artistas como propaganda de suas práticas.

Ainda não estou convencido dos benefícios da terapêutica ortomolecular e acho que devemos estar atentos para eventuais estudos sobre este assunto que venham a ser publicados no futuro.”