• Edição 192
  • 08 de outubro de 2009

Faces e Interfaces

Anabolizantes: danos à saúde física e mental

Cília Monteiro e Thiago Etchatz

Em busca de um corpo perfeito ou melhor desempenho em atividades atléticas, milhares de pessoas fazem uso dos anabolizantes no intuito de conseguirem músculos mais desenvolvidos. Trata-se de substâncias geralmente derivadas do hormônio sexual masculino, a testosterona, que podem ser administradas principalmente por via oral ou injetável. Porém, quem as consome não considera que suas consequências à saúde são muitas, podendo ultrapassar efeitos físicos e causar, inclusive, danos psiquiátricos.

Para falar sobre os anabolizantes, suas aplicações e efeitos no corpo e na mente, o Olhar Vital convidou os especialistas:

Alex Souto Maior

Doutorando em Fisiologia pelo Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IBCCF/UFRJ), mestre em Engenharia Biomédica e graduado em Educação Física

“O esteroide androgênio anabolizante (EAA) é uma substância sintética análoga da testosterona e com poderoso efeito androgênio (masculinização). Os EAA são utilizados na terapia de algumas patologias crônicas, como HIV, osteoporose, raquitismo, algumas patologias cardíacas, entre outras. Contudo, a literatura científica não apresenta um consenso sobre a posologia que diferencia doses fisiológicas e suprafisiológicas.

Entretanto, alguns estudos comentam que doses acima de 150mg/semana apresentam efeitos significativos em diversos sistemas corporais, entre eles: cardíaco, vascular, hepático e renal. Por outro lado, essas doses suprafisiológicas melhoram o desempenho físico a partir do aumento da massa muscular, aumento da concentração da hemoglobina, redução dos depósitos de gordura corporal e aumento da retenção de cálcio nos ossos.

Desta forma, a detecção de tais substâncias na urina, por atletas, em qualquer escala, é considerada dopping; por conseguinte, os EAA não podem ser utilizados a menos que haja uma autorização específica da autoridade médica. Porém, a utilização mais frequente dos EAA ocorre em academias de ginástica, em que o controle da qualidade da droga, a validade, os efeitos colaterais e a posologia não são levados em conta pelo usuário, fato este que demonstra uma grande preocupação em nível de saúde pública.

É unânime em grande parte dos estudos que a motivação para o uso de EAA está diretamente associada à melhora da estética corporal correlacionada a aumento da massa muscular e redução do percentual de gordura. Desta forma, os EAA mais utilizados por atletas e frequentadores de academia resumem-se em: EAA injetáveis: deca-durabolin, durateston, winstrol e equipoise; EAA orais: hemogenin, dianabol e anavar.

Nosso grupo recentemente submeteu um estudo para publicação e os nossos resultados revelaram que a aquisição dos EAA ocorreu facilmente a partir de clínicas veterinárias, academias e contrabando. Além disso, a prevalência da autoadministração e recomendações de dosagens e análogos de testosterona por parte de profissionais não médicos pode contribuir com a disseminação dos EAA.

As consequências associadas com o consumo ilícito de EAA envolvem: infertilidade, redução do colesterol bom (HDL-c), aumento do coleterol ruim (LDL-c), ginecomastia, agressividade, lesões no músculo cardíaco, lesões no fígado, sobrecarga dos rins, lesões vasculares, entre outras.

A mulher usuária de altas doses de EAA apresenta as mesmas consequências que os homens. Entretanto, sendo o EAA uma droga sintética com grande efeito androgênico, as mulheres apresentarão características masculinas bem significativas, como aumento dos pelos da face, dos pelos do peitoral, engrossamento da voz, aumento do clitóris, aparecimento de espinhas (glândulas sebáceas), agressividade, entre outros. Também ocorre o aumento significativo da libido sexual.

Os efeitos proporcionados por altas doses de EAA são específicos de cada droga. Existem diversos tipos de EAA, porém cada um deles apresenta um efeito androgênico diferenciado. Assim, a reversão dos efeitos proporcionados pela utilização da droga é dependente do tempo de uso, do tipo da droga e da dosagem administrada. A utilização dos EAA sem a prática de atividade física potencializa os efeitos maléficos nos sistemas corporais. Entretanto, a prática de exercícios em altas intensidades, associados ao uso de EAA, aumenta principalmente o risco de doença cardíaca.

Os suplementos alimentares são produtos que apresentam concentrações específicas ou de vitaminas, ou de carboidratos, ou de proteínas, e baixíssimo teor de gordura. São produtos práticos para ingestão antes, durante e depois da realização de atividades físicas e não apresentam relação específica com os EAA, ou seja, não apresentam efeitos androgênicos.”

Magda Vaissman

Médica psiquiatra e professora do Instituto de Psiquiatria (IPUB) da UFRJ

“O efeito dos anabolizantes, tanto em homens como em mulheres, é a hipertrofia dos músculos. Ele é hepatotóxico: pode causar degeneração gordurosa do fígado, o que possivelmente leva à cirrose hepática e morte. Como o anabolizante atua nos músculos, age no cardíaco também, causando hipertrofia do coração. A bomba fica fragilizada, o coração bate mal e aumenta. Isso pode desencadear uma falência cardíaca. Em alguns casos, se a pessoa tiver vulnerabilidade, o uso de anabolizantes pode favorecer o aparecimento de câncer. Ainda ocorre o risco de perda dos pelos (alopecia), pele seborreica e acnose.

Na mulher, entre as manifestações desencadeadas, está a masculinização. A voz engrossa, o clitóris aumenta e os seios ficam atrofiados. A testosterona é um importante hormônio, responsável pelo impulso sexual. As mulheres normalmente apresentam baixos índices de testosterona, mas, com uso de anabolizantes, essas taxas ficam altas. Isso favorece impulsos de agressividade. Já no homem ocorre uma feminilização em certo sentido, pois o anabolizante inibe a testosterona, então suas características masculinas acabam prejudicadas. Consequentemente, ele pode ter ginecomastia (desenvolvimento excessivo de mamas) ou atrofia dos testículos.

Nos testes antidoping, o que se procura saber é se o atleta está utilizando determinadas substâncias, entre elas o anabolizante. Quando utilizado por indivíduos muito jovens, pode fechar as epífises e, com isso, prejudicar o crescimento.

Já vi dois casos importantes por uso contínuo de anabolizantes. O primeiro foi de um rapaz com crise de extrema agressividade, chegando a ficar inconsciente sobre o que fazia. Quando caía em si, se arrependia, caracterizando um quadro temporal. Paralelamente, ele tinha um quadro de oscilação de humor: ora era agressivo, ora deprimido. Verificamos que isso ocorreu devido ao uso contínuo de anabolizante. Ele já havia parado, mas ficou com sequelas.

O outro caso é o de uma paciente que tomou anabolizantes por cerca de oito anos, sem que a família soubesse. A moça era orientada pelos professores de Educação Física. Ela praticou uma categoria de luta por muitos anos e foi campeã. Mas chegou o momento em que decidiu parar. Como usou hormônios por muito tempo, teve um grande prejuízo hepático e, sobretudo, teve a hipófise inibida. Sendo assim, apresentou problemas relacionados à tireoide.

Ela me procurou como psiquiatra porque se queixava de uma intensa depressão. Não saía de casa e era bastante agressiva e explosiva. Havia parado há cerca de dois anos e meio com o uso de anabolizantes, mas, mesmo assim, apresentava sequelas. Em casos como o dela, o que acontece é que a pessoa deixa de competir, quando havia elaborado uma identidade enquanto competidora esportiva. Isso gera uma baixa da autoestima e a pessoa pode ter a alteração de sua imagem corporal. O indivíduo não se adapta à própria imagem, podendo inclusive ter medo dela.

No caso da paciente, ela achava que estava sempre gorda. Apesar de relatos de que era uma pessoa capaz, inteligente, ela não conseguiu refazer sua vida. É possível tratar esses problemas, mas não quer dizer que sejam curáveis. É preciso utilizar uma medicação específica (medicamentos sintomáticos: para depressão ou estabilização do humor, por exemplo). Uma terapia do tipo comportamental ajuda nesses casos, pois, no início, é preciso que a pessoa mude crenças sobre si mesma. No futuro, pode ser feita uma psicanálise para entendimento de outras motivações. Mas a princípio seria uma terapia cognitivo-comportamental ou focal.”