• Edição 184
  • 13 de agosto de 2009

Por uma boa causa

Cuidar da mente também contribui para o bem-estar do corpo



Beatriz da Cruz

Quando se pensa em manter a saúde e o bom funcionamento do corpo, vem logo à cabeça a conhecida receita: dieta saudável mais prática de exercícios físicos. Porém, está sendo cada vez mais observado que cuidar da mente é também cuidar do corpo.

Fatores emocionais e neurológicos influenciam, e muito, no nosso bem-estar. Por isso, dando sequência a esta série do Por uma boa causa, abordaremos o bem-estar do cérebro, órgão que controla muitas funções voluntárias e involuntárias do corpo, além das emoções.

Fatores emocionais

O sentimento de alegria traz prazer. Isso ocorre devido à liberação de uma série de mediadores químico-cerebrais (endorfinas, por exemplo) que não só causam a sensação de felicidade e contentamento, mas também apresentam outros benefícios. Projetos que buscam levar alegria a doentes em hospitais, principalmente crianças, através de atividades lúdicas, apontam para a melhora na forma como esses pacientes reagem às suas doenças.

De acordo com Marco Py, coordenador da Neuro-UTI do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) e neurologista do Instituto de Neurologia Deolindo Couto (INDC), “está bem demonstrado que várias doenças, especificamente neoplasias (tipos de câncer) e doenças autoimunes (nas quais o próprio sistema imunológico é o causador), estão muito relacionadas a fatores psicossomáticos”.

O especialista aponta que diante de quadros de depressão, por exemplo, o que se faz através de medicamentos é manipular neurotransmissores, isto é, usar drogas que aumentam a quantidade dessas substâncias para assim combater a doença.

Contribuem ainda para esses males, causas genéticas e ambientais. No entanto, um estresse maior pode precipitar essas doenças ou agravá-las. “Quando o indivíduo está emocionalmente melhor, essas enfermidades são mais bem controladas. Sabemos que há alguma ação no sistema imunológico no sentido de melhorar a reação imune, mas o mecanismo exato ainda não é muito bem conhecido”, ressalta o neurologista.

O pensamento positivo também influencia. Segundo Marco, pessoas otimistas conseguem lidar melhor com possíveis doenças, enquanto as pessimistas não. “Vários cirurgiões relatam, por exemplo, que, ao se depararem com pacientes que vão para uma cirurgia (mesmo de baixo risco) com atitude muito pessimista, preferem não operar caso não seja absolutamente emergencial. Optam por esperar que a pessoa melhore emocionalmente”, conta o médico.

As emoções desempenham um papel tão importante na saúde que não é de se estranhar que pessoas que extravasam e compartilham mais seus sentimentos se beneficiem disso. Ter uma boa rede social não é uma questão apenas de status, o contato humano é necessário para evitar depressão e manter o bem-estar.

“Trabalhos feitos com idosos mostram que os mais solitários tendem a morrer mais cedo e ter mais doenças, enquanto os que têm uma rede social maior e realizam atividades em grupo, como jogar cartas e ir ao teatro, recebem maior suporte emocional. Por isso apresentam menos problemas de saúde, uma necessidade menor de ir para uma instituição e até expectativa de vida maior”, relata Marco Py.

A simples interação com animais de estimação também é proveitosa. Embora não haja comunicação verbal, as emoções não passam despercebidas. O dono sabe quando seu bichinho está triste ou abatido, e vice-versa. “O cachorro é um bom exemplo, pois é fiel e compartilha muito das emoções do dono. Quando a pessoa está triste ou deprimida, ele tende a se solidarizar e ficar junto. Em contrapartida, quando o dono está mais animado, o cachorro também participa do momento e da emoção”, afirma o neurologista.

Repouso

O sono é outro fator de extrema importância para o bom funcionamento do cérebro. O número de horas pode variar de pessoa a pessoa, mas a média é de oito horas. No entanto, devido ao estilo de vida moderno em que são cada vez mais comuns profissões que exigem alteração do relógio biológico em função de plantões (profissionais da área de saúde, por exemplo), às vezes se torna difícil manter um padrão saudável.

Segundo Marco Py, isso é ruim, já que determinadas atividades neurológicas (como produção e liberação de hormônios) têm um momento certo para acontecer. “Pessoas com um padrão de sono ruim têm tendência maior à obesidade. Além, é claro, de ansiedade e sonolência diurna, que são consequências mais evidentes”, explica.

Isso acontece porque alguns hormônios possuem um ciclo chamado circadiano, isto é, de acordo com as horas do dia e dos períodos de sono e vigília. “Um exemplo clássico é a cortisona, que é produzida naturalmente e importante no controle da pressão arterial e da glicemia”, exemplifica Marco, acrescentando ainda que o ciclo não leva em consideração apenas o estado de vigília, está também relacionado à luz. “Quando há luz, produzimos determinados neurotransmissores e hormônios, e no escuro produzimos outros.”

Exercício mental

Embora a ciência ainda não tenha encontrado uma cura para certas doenças degenerativas como o Mal de Alzheimer, isso não significa que não se possa preveni-las. Além de controlar fatores de risco como pressão arterial, glicemia e colesterol, “exercitar a mente” também ajuda a evitar esses males.

Por isso, manter a atividade cerebral é importante. “Possivelmente, o mecanismo é de que quanto mais você ‘exercita o cérebro’ estudando, aprendendo um idioma ou uma nova habilidade, mais você desenvolve as diferentes áreas do cérebro”, diz o neurologista.

Apesar de não aumentar o número de neurônios, essas atividades aumentam as terminações nervosas e as conexões entre eles. “Provavelmente, se a pessoa realmente possuir predisposição genética para Alzheimer, vai acabar tendo, caso viva o suficiente. Mas se houver muitas conexões cerebrais formadas ao longo da vida, demora mais para a doença se desenvolver, já que há mais conexões a serem destruídas”, analisa.

O cérebro é o centro que comanda o resto do organismo; então, de certa forma, tudo que acontece no corpo está obedecendo a algum comando cerebral. “Se o cérebro não funciona bem (e as emoções estão muito ligadas a isso), todo corpo acaba sofrendo”, conclui médico.