• Edição 169
  • 30 de abril de 2009

Faces e Interfaces

 

Talento para esportes está no DNA?

Igor Costa e Thiago Etchatz

Quando vemos algum atleta muito habilidoso em ação, é comum questionarmos o que o torna tão bom. Uma empresa norte-americana de testes genéticos oferece um exame que pode identificar se uma criança tem talento para determinado esporte a partir do seu DNA.

Para esclarecer o assunto procuramos o geneticista Gerson Carakushansky, do Instituto de Pediatria e Puericultura Martagão Gesteira (IPPMG/UFRJ), e o professor José Fernandes Filho, da Escola de Educação Física e Desportos (EEFD/UFRJ).

Gerson Carakushansky

Geneticista do Instituto de Pediatria e Puericultura Martagão Gesteira (IPPMG/UFRJ)

“Inúmeros estudos estão atualmente voltados para a busca  de evidências  genéticas para  diferentes habilidades. Como exemplo, o estudo coordenado por Irma Jarvela, da Universidade de Helsinque, no qual os pesquisadores finlandeses descobriram duas regiões do genoma humano em que se escondem os ‘genes da música’, responsáveis por tornar nosso cérebro habilidoso com as notas. O objetivo do estudo é encontrar pequenas variações (mutações genéticas) em um ou mais genes e que essas mutações sejam determinantes para o desenvolvimento de habilidades musicais. Ele pode ser considerado o maior estudo sobre a habilidade musical na genética molecular do ser humano. Este estudo mostra que a aptidão para a música é amplamente escrita no nosso DNA e abre de fato a caça aos ‘genes da música’. Todos os seres humanos, a princípio, possuem tais genes, mas é provável, no entanto, que pequenas mutações sejam o segredo do talento.

Mas não podemos menosprezar  a influência concomitante de fatores ambientais e culturais. Se já é complicado relacionar o perfil  do nosso genoma e a probabilidade de a pessoa adquirir determinada doença, é ainda mais difícil ter solidez nas informações obtidas quando o objetivo da pesquisa é o comportamento do indivíduo, ou sua habilidade para determinadas áreas do conhecimento.

Seria prematuro pensar que um teste genético com enfoque em um único gene, que supostamente favorece habilidades para vários tipos de esportes, possa ser válido  na sua proposta. É difícil acreditar que somente um único gene possa predizer com exatidão as habilidades para esporte, especialmente aqueles que requerem força muscular.

Na prática vemos que nem sempre  filhos de brilhantes jogadores de futebol obtêm o mesmo sucesso dos seus pais, como aconteceu no caso dos filhos de Pelé e Zico. Ao imaginar se este teste poderia ter previsto esse fato, e até ter desencorajado esses rapazes a seguirem a carreira de seus  pais, chego à conclusão que ele não faria diferença.

É importante saber que o teste que está sendo oferecido em nível comercial pela empresa  australiana se baseou numa pesquisa sobre uma doença genética dos músculos que produz fraqueza muscular. Durante a pesquisa  eles deram realce a um gene chamado ACTN3, que controla a produção de proteína nos nossos músculos.

E descobriram que os pacientes com a tal doença muscular que estavam estudando tinham deficiência de uma proteína, a alfa-actinina-3, e justamente ela que é encontrada nos grupos de músculos que asseguram nossos movimentos mais ágeis e mais fortes, como é o caso da nossa maior ou menor capacidade para pular ou saltar.

Continuando a pesquisa, eles ficaram surpresos quando verificaram que quase 1/5 dos indivíduos caucasoides (pele clara) na população não produz quantidade suficiente dessa enzima. Mas nem por isso,  esse 1/5 das pessoas com enzima deficiente fica incapaz de realizar tarefas  habituais do nosso dia a dia, como correr para pegar um ônibus ou saltar sobre uma poça de água.

O gene ACTN3 que está sendo oferecido nesse exame genético molecular alcança apenas entre dois a três por cento da variação que existe na força muscular em indivíduos não atletas. Isso significa que o exame não traria informação de importância prática para a maioria das pessoas.

Não vejo nenhuma justificativa para sair por aí testando indiscriminadamente crianças ou adolescentes para predizer suas habilidades esportivas, baseando-se tão somente em dois a três por cento de diferença na força muscular que existe entre as pessoas.  Isso não garantiria que esses jovens certamente se transformariam em  promissores atletas. Haveria até o risco de o teste  cair no gosto dos pais que gostam de submeter os filhos a todo tipo de avaliação e ele se tornar um modismo.

O único benefício que eu antevejo  para o teste seria apenas sua aplicação voluntária num grupo restrito de ‘superatletas’, em que os   dois a três por cento de diferença na capacidade muscular individual pudessem fazer uma grande diferença. Talvez o resultado do teste sirva, indiretamente, como ‘estimulante’ emocional para o bom desempenho de um superatleta, caso ele fique sabendo que é um ser abençoado por ter altos níveis da proteína da força muscular circulando no seu  corpo.”

José Fernandes Filho

Professor da Escola de Educação Física e Desportos (EEFD/UFRJ)

“Hoje o mundo busca o talento desportivo de uma forma muito clara. Há mais de 15 anos o talento não era visto como hoje. Nós tínhamos um atleta que treinava muito, que desempenhava bem as suas funções e atingia altos níveis tanto em olimpíadas como em campeonatos mundiais. Quando se fala em talento, nós estamos falando das pessoas que conseguem conquistar do primeiro ao décimo lugar do mundo em suas respectivas modalidades.

Então o atleta treinava muito e conseguia alcançar, talvez não as primeiras colocações, mas atingia da quinta à décima primeira. Nas últimas três olimpíadas o mundo mudou, porque eles (potências olímpicas) começaram essa busca incansável do talento esportivo. E o talento esportivo está no indivíduo que tem um equilíbrio das qualidades físicas básicas: força, velocidade, resistência e coordenação, todas muito bem desenvolvidas. Bem trabalhado, o atleta consegue alcançar esses grandes resultados no esporte.

Como isso é feito (o desenvolvimento do talento)? O mundo, as grandes potências, como EUA, Rússia e China, se você for analisar, vê que cada uma delas tem uma metodologia de descoberta de talentos. Cada uma tem a sua forma de treinamento, a sua maneira de desenvolver o seu talento.

Por exemplo, a Rússia tem 220 milhões de habitantes e eles têm uma forma; não é descoberta de talentos, mas orientação e seleção desportiva. Eles pegam crianças que passam por uma bateria de testes em que eles não detectam o talento ali. Eles buscam crianças coordenadas e a partir daí as separam; dos 220 milhões de pessoas, 3 milhões de crianças, e dessas, na natação, dez são separadas por ano.

Nos EUA o modelo é diferente. Além desses testes, há o de maturação sexual e coordenação, mas há a genética, uma ciência basicamente do século XX. Agora que ela começou a ser difundida. Há relato de espanhóis que já trabalhavam com a genética no ano de 1512, mas só no século XX que podemos ter maiores detalhes. E a partir da genética nós conseguimos identificar muitas coisas. Atualmente, a identificação de doenças é o que mais presenciamos.

Então, com esse novo experimento publicado pelo New York Times, no qual através da identificação do gene ACTN3 o estudo indica o melhor esporte para as crianças (testadas na faixa etária de 8 anos), podemos traçar o seu perfil.  Identifica-se na criança um perfil mais veloz (anaeróbio) ou de mais resistência (aeróbio). Isso é importante! Ter uma ideia do potencial da criança, para dirigir o seu treinamento sem causar processos lesivos nela. Consegue-se dar longevidade maior a sua prática esportiva.

Essa é a importância que tem a genética, não precisa apenas indicar o melhor esporte, mas pode ser aplicada no dia a dia, para a longevidade, para ser uma pessoa melhor ou até um atleta plenamente desenvolvido. Usando os testes de DNA, como os de dermatoglifos feitos aqui na UFRJ, na Escola de Educação Física e Desportos (EEFD), onde possuímos uma linha de pesquisa genética de desempenho físico, trabalhamos com indivíduos comuns e gêmeos, de alto e baixo rendimento. Através disso prescrevemos trabalhos e treinamentos usando a marca genética que é a dermatoglifia.”

As impressões digitais nascem quando o embrião está no ventre da mãe no período de três a seis meses de gestação e nunca mais se modifica. A partir dessas, identificamos se o indivíduo é mais aeróbio ou anaeróbio. 

Agora chegou a grande hora, podemos entrar em contato com essa empresa (Atlas Sports Genetics) que avalia esses genes e ver uma correlação entre os seus testes e os nossos. É um passo muito importante, uma quebra de paradigma, é um atalho para o treinamento, que até hoje não explora o princípio da individualidade biológica. A herança genética, aquilo de pai e mãe, o genótipo, que combinamos com o fenótipo.

Estamos analisando os filhos de grandes atletas. O filho do Pelé não foi o talento que o pai foi, mesmo sendo jogador profissional, mas com certeza os netos podem ser. Está presente no gene o talento. O talento está presente na família, geralmente por dez gerações, mas a massa genética tem que estar aliada ao meio para ser bem desenvolvida, é essencial a combinação genótipo e fenótipo.

No Brasil não existe um programa de descoberta de talentos, os que estão aí foram descobertos ao acaso. É importante pensar o seguinte, agora com os instrumentos que a genética está fornecendo, como vamos conseguir identificar essas pessoas dotadas de maior qualidade física e trabalhar os talentos?”