• Edição 164
  • 19 de março de 2009

Faces e Interfaces

Brincar de ser mãe: riscos de uma gravidez precoce

Beatriz da Cruz e Larissa Rangel

Recentemente uma notícia chocante ganhou as páginas dos jornais de todo o país. Uma menina em Pernambuco descobriu estar grávida de gêmeos aos nove anos de idade. Ao se queixar de dores, a criança foi levada pela mãe a uma casa de saúde, onde médicos descobriram a gestação de 16 semanas. Violentada pelo padrasto desde os seis anos, a menina apresentava uma gravidez de alto risco, não só por sua idade, mas também por se tratar de gestação de gêmeos. Diante dos riscos apresentados, optou-se pela interrupção da gravidez.

Casos como esse estão se tornando cada vez mais comuns, visto que as meninas entram na puberdade cada vez mais cedo e assim gestações precoces podem ocorrer com mais freqüência. No entanto, apesar de menstruar, o corpo de uma adolescente ainda não está completamente preparado para gerar um bebê.

Para falar sobre os riscos e conseqüências de uma gravidez precoce, o Olhar Vital convidou os especialistas Maria de Fátima Goulart Coutinho, pediatra do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG), e Ivo Basílio da Costa Júnior, mestre em Obstetrícia e Responsável Técnico da Maternidade-Escola da UFRJ.

Maria de Fátima Goulart Coutinho

Pediatra do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG) e Presidente da Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro (SOPERJ)

“A adolescência é um período de vida com significativas transformações físicas, funcionais e psicossociais. É quando as identidades social e sexual costumam se definir e ao fim do qual se espera que o indivíduo se torne apto a desempenhar papéis de adulto. A capacidade reprodutiva é proporcionada pela puberdade, que é um evento biológico da adolescência, e seu desenvolvimento costuma estar finalizado bem antes da maturação emocional. A recente aceleração da maturação sexual em meninas é um fenômeno que pode ser explicado pela melhora do estado nutricional da população.

No Brasil, os adolescentes representam 18,8% da população brasileira e metade desse contingente é do sexo feminino (DATASUS, 2005). Segundo o DATASUS, 68,19% de todas as internações ocorridas com adolescentes do sexo feminino são motivadas por gravidez, o que representa quase metade (48,92%) de todas as internações ocorridas durante a adolescência. Dados do DATASUS mostram também que, durante o ano 2005, 21,78% dos nascidos vivos foram filhos de adolescentes (10 a 19 anos).

O diagnóstico de gravidez em adolescentes nem sempre é uma tarefa muito fácil. Especialmente as de mais baixa idade (inferior a 15 anos), têm dificuldade em assumir a sua atividade sexual e freqüentemente omitem ou negam, temendo críticas do profissional de saúde.

Adolescentes grávidas apresentam também um número de consultas pré-natal inferior ao das adultas, o que se explica pela demora no início do acompanhamento. A primeira visita ao pré-natal costuma ser tardia, ocorrendo geralmente no quinto mês de gravidez. Porém, é muito importante para buscar a redução de complicações, de transtornos psicológicos sérios e detectar sinais indicadores de maus-tratos.

Com relação à evolução da gestação na adolescência, vários são os riscos, como estado nutricional precário, baixo peso pré-concepção, ganho inadequado de peso durante a gestação, óbito fetal, aumento na incidência de prematuridade, baixo peso no nascimento, sofrimento fetal agudo, anemia, diabetes gestacional e doença hipertensiva específica da gravidez.

Estudos modernos demonstram que, analisando isoladamente o fator da idade, o risco biológico encontra-se aumentado em idades menores que 15 anos e idade ginecológica (a partir da menarca) menor ou igual a dois anos.

Vários são os autores que afirmam que adolescentes estariam mais expostas a conseqüências negativas quando comparadas às mães adultas; no entanto, outros observam que, no momento da gestação, as adolescentes atingem maturidade biológica e endócrina, o que lhes permite  desempenho obstétrico semelhante ao de mulheres adultas.”

Ivo Basílio da Costa Júnior

Mestre em Obstetrícia e Responsável Técnico da Maternidade-Escola da UFRJ

“Primeiramente, quanto ao caso da criança, é importante falar que do ponto de vista legal havia duas indicações para a realização do aborto: o estupro e o risco de vida materno, ambos previstos no Art. 128, incisos I e II, do Código Penal.

Sendo assim, além da indicação legal, havia a indicação médica para a realização do aborto, já que essa menina, em tenra idade (nove anos), subnutrida e franzina, corria sério risco de vida se sua gestação continuasse, ainda mais no caso de gêmeos.

Nessa idade, os riscos de uma gravidez são imensos, não só para a mãe como para o feto. O sistema reprodutor da menina ainda não está amadurecido e, devido a isso, pode ocorrer maior incidência de doenças hipertensivas, partos prematuros, ruptura prematura da bolsa e desnutrição materna.

Caso a gravidez não fosse interrompida, o principal risco, pelo fato de ter engravidado de gêmeos, seria o da prematuridade, já que um sistema genital ainda em desenvolvimento dificilmente abrigaria uma gravidez como essa até o seu termo. No caso específico dessa menina, se por acaso a gravidez continuasse, o parto mais indicado seria a cesariana, não só por seu sistema genital não estar ainda totalmente formado, como também pelo fato de ter engravidado de gêmeos nessa idade tão precoce.

Outro fator preocupante é que o risco de mortalidade de bebês, no primeiro ano de vida, filhos de mães jovens, é muito maior do que em mães adultas, principalmente no que se refere aos cuidados no pós-parto. O mais importante nesses casos é que haja um apoio da família.

A gravidez na adolescência, por exemplo, pode tornar-se um problema caso não haja as devidas orientações. Além dos riscos biológicos, estão os psicossociais. Grávida e confusa, a adolescente muitas vezes se vê obrigada a parar de estudar e trabalhar, com sentimentos de diminuição de auto-estima, depressão e algumas vezes pensando até em suicídio. Com relação ao pré-natal, é importante também lembrar que o mesmo deve ser multiprofissional, no qual a adolescente terá a ajuda não só do médico obstetra, mas também da assistente social, da enfermagem, da nutrição, da psicologia e da musicoterapia, tal como ocorre no atendimento de adolescentes no ambulatório da Maternidade-Escola da UFRJ.

É importante frisar que a gravidez precoce é responsável por um imenso transtorno social para toda a família, pois em muitas vezes dessa gravidez não planejada vem o abandono da escola, o empobrecimento do núcleo familiar e a exclusão da jovem do mercado de trabalho, sem falar dos transtornos psicológicos enfrentados por ela e por seus familiares.

São muitos os fatores que contribuem para a alta incidência da maternidade durante a adolescência, entre eles o início precoce da vida sexual, falta de uso de métodos anticoncepcionais (ou uso inadequado deles), dificuldade de acreditar na própria capacidade de reproduzir e falta de dinheiro para adquirir o método. Essas são algumas das causas mais comuns que, normalmente, aparecem associadas.

Portanto, se os governantes não encararem de frente esse problema com um programa de cuidados voltado para o público adolescente, a atual situação só tende a piorar, já que um em cada quatro bebês nascidos no Brasil é filho de mães com idade entre 10 e 19 anos.”