• Edição 158
  • 15 de janeiro de 2008

Por uma boa causa

Comer, comer, comer

Sofia Moutinho – AgN PV

Um vício em forma de comida, assim é a compulsão alimentar, distúrbio que atinge hoje cerca de 12,5 milhões de pessoas no Brasil. Caracterizada pela ingestão de uma grande quantidade de alimentos em um curto espaço de tempo e associada à sensação de incapacidade de controle, a compulsão não pode ser confundida com o mero ato de comer muito. “É diferente do comportamento beliscador, em que existe um descontrole na ingestão de comida, mas envolve pequenas quantidades de alimento em diversos momentos ao longo do dia. O episódio de compulsão alimentar é uma ingestão aguda, um ataque de comer”, explica Marcelo Papelbaum, doutorando em Psiquiatria pela UFRJ e integrante do projeto de pesquisa Grupo de Obesidade e Transtornos Alimentares (GOTA), coordenado pelo psiquiatra José Carlos Appolinário.

O indivíduo com compulsão alimentar é aquele que não consegue parar de comer mesmo depois de saciado. Porém, segundo Papelbaum, a compulsão alimentar nem sempre deve ser considerada um transtorno médico. O episódio de comer compulsivamente não é premeditado e pode ocorrer esporadicamente, após um período longo de jejum, atividade física ou mesmo no período pré-menstrual. “Deve ser considerado um problema médico quando ocorre de forma regular e intensa, interferindo no hábito alimentar da pessoa ou mesmo dificultando o tratamento de uma condição médica como o diabetes e a obesidade”, diz o especialista.

O ato de comer compulsiva e recorrentemente é chamado de Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP), que é associado ao desconforto físico e à sensação de culpa. O TCAP atinge tanto homens quanto mulheres, em idades variadas, incidindo sobre cerca de 2,5% da população e sobre 30% dos obesos que procuram tratamento para emagrecer. Segundo Papelbaum, os episódios de descontrole alimentar podem ocorrer em qualquer hora do dia, mas são mais freqüentes durante a tarde e à noite. “Podemos diferenciar o TCAP do Transtorno do Comer Noturno (TCN), em que ocorre uma ingestão de comida maior nesse período, mas sem a necessidade de ocorrerem ataques agudos alimentares”, diz o psiquiatra, ressaltando que no TCN o indivíduo apresenta alterações freqüentes do sono e acorda com perda de apetite pela manhã.

Fatores determinantes

Dentre as hipóteses para a ocorrência do TCAP estão fatores físicos e psicológicos, como a predisposição genética, hábitos alimentares ruins e a baixa auto-estima.  Porém, normalmente, o episódio de compulsão é desencadeado pelo déficit do neurotransmissor serotonina no cérebro e pelo excesso de insulina na corrente sangüínea. A insulina é um hormônio produzido pelo pâncreas que participa do metabolismo dos açúcares no sangue. Quanto mais açúcares são ingeridos, maior é quantidade de insulina no sangue e maior é a vontade de comer. Alguns maus hábitos alimentares como o jejum prolongado e dietas ricas em carboidratos podem desencadear a doença, pois geram pouca saciedade, facilitando o retorno precoce da fome.

O indivíduo com compulsão tem dificuldade em distinguir se os sinais de fome são físicos ou emocionais e, quando os níveis de serotonina estão baixos, há uma forte tendência para a depressão — aí está componente psicológico do distúrbio. Segundo Papelbaum, “Indivíduos com TCAP tendem a ter mais frequentemente queixas depressivas, ansiedade e podem apresentar uma perturbação no funcionamento interpessoal, deixando de interagir socialmente de forma adequada.”

Não existe uma forma definitiva de evitar o descontrole alimentar, mas a implementação de hábitos de vida saudáveis como a atividade física regular, refeições regulares a cada 3 horas (cerca de 5 a 6 por dia) e a preferência por alimentos que estimulem a saciedade como grãos, fibras e proteína, diminuem o risco da ocorrência do distúrbio. “Como as causas do TCAP são variadas, profissionais como endocrinologistas, nutricionistas, psiquiatras e psicólogos podem ser importantes para intervir nas diferentes faces do problema”, recomenda Papelbaum. O tratamento multidisciplinar propicia não só uma avaliação médica da saúde e do peso do paciente, como também psicológica, além de promover a reeducação alimentar através de uma dieta equilibrada e com refeições freqüentes.