• Edição 154
  • 27 de novembro de 2008

Microscópio

III Seminário História das Doenças: debate e reflexão

Cília Monteiro

Com o objetivo de promover um debate acerca das doenças e como a sociedade em diferentes épocas lidou com diversos casos, está sendo organizado o III Seminário História das Doenças, que acontece entre os dias 3 e 5 de dezembro. “Trata-se de uma interface complexa entre as produções da historiografia, de uma epidemiologia histórica e da medicina”, explica Diana Maul, coordenadora de Extensão do Centro de Ciências da Saúde (CCS) e organizadora do evento.

Segundo Diana, existem questões fundamentais e interessantes a um público amplo: os grupos populacionais específicos e a doença, que interagem em uma relação complexa. “A introdução de uma série de doenças nas Américas era atribuída à migração dos escravos. Hoje, sabemos que muitas destas doenças pré-existiam ou não possuem relação exatamente com estes movimentos”, relata a professora.

Para Diana, também é importante a caracterização do que é esta inserção complexa na sociedade, como é estatuto da escravidão e o que representa em termos de riscos para a saúde. “Quando discutimos isto não estamos tratando apenas da escravidão, mas também de questões da inserção nos processos de trabalho e na sociedade. A partir de soluções para estes problemas, podemos pensar em um contexto mais atual, como, por exemplo, em migrantes, refugiados e grupos que se deslocam no território internacionalmente”, aponta a professora.

Diana Maul acredita que outro aspecto pertinente são as doenças emergentes e reemergentes. Ela citou um caso bastante atual na cidade do Rio de Janeiro: a dengue. “A toda hora se diz que a dengue voltou. No entanto, não temos de fato registros de que tenham ocorrido casos antes dos anos 80, no século XX, na cidade”, observa a professora. De acordo com ela, por trás do discurso da volta de uma doença específica está uma série de questões relacionadas à sua existência, como um desenvolvimento da pobreza e da falta de recursos. “Dizer que uma doença voltou é um sinal de que a situação está muito precária”, indica Diana.

As descrições das primeiras epidemias maiores de dengue, no século XX, são da década de 50, na Ásia. No Brasil, a primeira descrição é a de 1982, em Boa Vista. “Ela realmente não está voltando de lugar algum, não no Rio de Janeiro. Existem relatos de uma possível ocorrência no início do século XX, em Niterói. No entanto, é algo tão pequeno e mal registrado que certamente não serve para alimentar a idéia de um possível retorno. Então este discurso da doença na verdade fala sobre outras questões na sociedade”, conclui a professora.

Tuberculose e hanseníase

 Temos de entender como é o processo de lidar com a doença. Para isto, os estudos de História da Doença buscam um esclarecimento sobre a produção das doenças pela sociedade. Acho que o mais interessante é discutir por que e como a população constrói determinada visão – argumenta Diana. Ela ainda constatou que as visões mudam ao longo do tempo em relação às doenças. Citou dois exemplos emblemáticos do século XX: a tuberculose e a hanseníase.

- A tuberculose ea apavorante no início do século XX, havia vários processos de controle e, posteriormente, depois da década de 50, com tratamento específico e mudanças da sociedade, se tornou um problema menor. Hoje ela, novamente, é tida como grave, pois temos tuberculose resistente e um aumento da incidência em vários lugares – informa Diana. Para ela, o discurso de relevância está sendo adquirido porque as circunstâncias de ocorrência da doença na sociedade mudaram.

– A hanseníase era uma doença estigmatizante, evocava imagem de pedaços caindo, que se tornaram relíquias do passado. Hoje tem tratamento e a maioria esmagadora dos pacientes quase não possui sinal ou sintoma nenhum, certamente não há nada de tão visível. É uma enfermidade que ainda assusta um pouco, mas perdeu grande parte do estigma que tinha – constata Diana Maul.

Atuais problemas

A professora considera que atualmente existem problemas sérios com a saúde, mas não tanto com doenças especificamente. Em sua opinião, o grande desafio do momento é fazer com que a lei funcione. “Temos a Constituição Federal de 1988 e a Lei de Saúde 8080. São 20 anos do estabelecimento de um sistema único de saúde, que ainda não existe e está longe de proporcionar o que está escrito na Constituição, que coloca a saúde como direito de todos e dever do Estado”, expõe Diana.

Ela acredita que isto não ocorre apenas por falha do Estado, mas também pelo fato da sociedade ser desigual e a distribuição de renda tornar impossível uma visão igualitária. “Acho que o momento da crise econômica seria bom para enfrentar essa questão, sendo a redistribuição de renda uma das alternativas. Não acho que vá ser necessariamente o caminho, mas seria apropriado. Parece que não, mas considero que o problema de saúde que temos hoje é este, é econômico”, avalia Diana.

O evento

Quanto ao III Seminário História das doenças, trata-se de um evento bienal que surgiu a partir de um intercâmbio entre duas linhas de pesquisa: História das Doenças, do Laboratório de História, Saúde e Sociedade da Faculdade de Medicina da UFRJ, e a pesquisa de mesmo tema coordenada por Dilene Raimundo do Nascimento, da Fundação Oswaldo Cruz. Nestas linhas são abordadas representações sociais, história do ensino médico e da saúde.

– Desde o primeiro seminário convidamos profissionais relevantes na área, de diversas instituições e até do exterior – aponta Diana. Para a conferência de abertura desta edição, ocorre uma palestra de Mariza Soares, professora de História da UFF, que trabalha o tema Fluxo de escravos e transatlântico, entre espaços africanos e Brasil, relacionando doença e escravidão. O evento ainda conta com apresentação de trabalhos e mesas redondas. Acontece no auditório Rodolpho Paulo Rocco, no bloco K do Centro de Ciências da Saúde (CCS), Cidade Universitária.