• Edição 153
  • 19 de novembro de 2008

Ciência e Vida

Estudo de bactéria reforça hipótese de vida extraterrestre

 

Marcello Henrique Corrêa

Pode ser de Marte um dos mais novos objetos de estudo da UFRJ. No Laboratório Nacional de Luz Síncroton, no Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCFF), o doutorando Ivan Lima trabalha para comprovar a hipótese da existência, atual ou anterior, de formas de vida em outros planetas. Para isso, ele analisa, desde 2006, a instigante bactéria Deinococcus radiodurans que, de acordo com as evidências encontradas por Ivan e sua orientadora, Cláudia Lage, é um organismo que pode ter origem no planeta vermelho.

De acordo com os pesquisadores, o primeiro passo do estudo foi submeter a bactéria a condições extremas, semelhantes às encontradas no espaço sideral. “O ponto de partida dessa idéia foi colocar a radiodurans em um ambiente que simulasse condições hostis: completamente seca, no vácuo e sofrendo radiação. A bactéria sobreviveu durante 17 horas. Uma pequena parte da população morreu e o resto conseguiu sobreviver”, relata a orientadora.

Radiodurans na queda

A bactéria foi descrita há mais de 50 anos e já era conhecida por sua resistência acima da média. A descoberta ocorreu quando um grupo de pesquisa norte-americano tentou esterilizar frutas, por meio de radiação. Para a surpresa de A. W. Anderson, responsável pela primeira descrição do organismo, mesmo após ser submetida a altas doses de radiação gama, uma colônia persistia sobre a superfície das frutas. Em 1956, o mundo conheceu a radiodurans e, junto com ela, o conceito de extremofilia, isto é, a facilidade de se adaptar a ambientes muito hostis.

Essa característica move as esperanças de Ivan Lima. Poeira cósmica cai todo momento sobre a Terra e uma bactéria com características de resistência tão fortes poderia ter feito o trajeto no passado e se instalado no planeta. “Essa é mais uma evidência que vem a somar o que já tem sido apresentado na literatura, favorecendo a hipótese da panspermia, segundo a qual, a vida teria se originado em nosso planeta através de organismos vindos de outras partes do Universo”, destaca Ivan.

Para Cláudia Lage, o argumento ganha força quando a situação é analisada sob a ótica da evolução das espécies. De acordo com a análise da bióloga, é muito provável que a radiodurans não tenha se desenvolvido por aqui. “Imaginamos que os seres vivos que compõem a Terra hoje foram gerados num processo de evolução. Não houve, contudo, radiação na Terra, nem ausência de umidade. Não se encontraram, portanto, fatores que justificassem a existência desse organismo na Terra”, explica a professora.

Os pesquisadores lembram que o estudo é pioneiro. De acordo com a orientadora, nenhuma outra pesquisa se deteve a analisar o que poderia ocorrer nessa provável viagem. “Já se fala sobre a possibilidade de bactérias se formarem em outros lugares do Universo e de surgirem aqui. O meio desse caminho, contudo, nunca foi estudado, e essa é a tese do Ivan”, ressalta Cláudia.

Parcerias com astrônomos

Os próximos passos do trabalho contarão com parcerias consideradas importantes por Ivan e Cláudia. A idéia é inserir o projeto nos estudos em Astronomia. Para isso, o grupo se associou a engenheiros da Universidade de São Paulo (USP), que serão responsáveis por construir modelos de simulação mais semelhantes às condições espaciais. A câmara construída poderá simular situações de vácuo ou atmosfera fraca, além de ambientes de baixa pressão e temperaturas muito frias.

Destaque também para a parceria com o projeto Convection Rotation and planetary Transits (o Corot), conhecido pelo surpreendente sucesso na missão de encontrar planetas rochosos que orbitam estrelas diferentes do Sol. Com o auxílio do poderoso telescópio, o grupo poderá coletar mais dados sobre outros ambientes. “Vamos realizar um exercício teórico, em que tentaremos coletar os dados dos planetas rochosos que tenham uma massa sólida e fazer a inferência de dados de temperatura, composição química, iluminação e fotoperíodo, para tentar imaginar que organismos extremófilos poderiam habitar planetas como esse”, explica Cláudia Lage.