• Edição 149
  • 23 de outubro de 2008

Argumento

Associação entre telefone celular e câncer não é clara

Marcello Henrique Corrêa

O Congresso dos EUA ouviu um alerta, no mínimo, inusitado, há duas semanas. Durante sessão da Subcomissão da Câmara sobre Política Interna, foi cogitada a relação entre uso de telefone celular e surgimento de tumor cerebral. O aviso foi feito pelos pesquisadores David Carpenter, diretor do Instituto de Saúde e Meio Ambiente na Universidade de Albany e Ronald Herberman, diretor do Instituto do Câncer na Universidade de Pittsburgh, que pediram mais atenção ao assunto, apesar de não terem dados que comprovem o perigo oferecido pelo aparelho.

De acordo com os cientistas, não se pode permitir que a sociedade feche os olhos para essa possibilidade. Carpenter lembrou que passaram-se cerca de 50 anos até a relação entre tabaco e câncer pulmonar ser reconhecida e, só a partir daí o alerta foi feito à sociedade. Os cientistas temem que o mesmo ocorra com os aparelhos celulares e sugerem medidas mais veementes sobre a questão.

Apesar do aviso de Carpenter e Herberman, a comunidade científica precisa de estudos mais profundos antes de confirmar qualquer hipótese. É o que afirma Eloá Brabo, chefe do Serviço de Oncologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF). De acordo com ela, é muito difícil fazer esse tipo de associação, já que se trata de um aparelho de uso constante entre a maioria da população. “Esse é um estudo difícil de ser feito, porque hoje em dia, o uso é indiscriminado – basta ver o número de telefones celulares em relação ao número de habitantes do Brasil, por exemplo. Os dados acabam não levando a uma conclusão concreta”, explica a oncologista.

O maior estudo sobre o assunto foi feito na Dinamarca, com cerca de 420 mil pessoas. De acordo com os especialistas, o aparelho não oferece riscos significativos. Segundo a pesquisa, a incidência de câncer no grupo analisado ficou na média da população dinamarquesa. Entretanto, o resultado, obtido em 2006 pelo Danish Institute of Cancer, ainda não representa conclusões concretas sobre o assunto.

Trabalho em grupo

Para Eloá Brabo, o indicado para definir as chances reais de surgimento de tumor cerebral é a chamada meta-análise. Trata-se de um tipo de estudo que reúne dados de diversas outras pesquisas, aumentando o campo de ação dos trabalhos em uma grande pesquisa. Segundo a professora, duas meta-análises sobre o assunto foram publicadas, só este ano. Enquanto uma negava o risco de tumor cerebral pelo uso do aparelho, outra admitia a relação, para alguns tipos específicos de tumor cerebral.

Os estudos feitos até então, contudo, baseiam-se em fundamentos epidemiológicos, o que impossibilita definições mais claras. Para Eloá, a pesquisa básica sobre o assunto poderia ajudar a encontrar respostas mais satisfatórias. “Para explicar profundamente os possíveis efeitos da radiação emitida pelo celular, seria preciso primeiro provar que esse tipo de onda causa dano celular”, afirma a especialista. “O segundo passo seria provar que esse dano é potencialmente oncogênico, isto é, capaz de levar a célula a ter uma vantagem de crescimento, de fazer com que o câncer se desenvolva”, completa.

Para a cientista, os dados não exigem medidas drásticas, como mensagens de advertência nos telefones celulares, semelhantes às encontradas em maços de cigarro, sugestão de Carpenter e Herberman. “A gente não tem nada conclusivo para impedir que pessoas, adultos ou crianças, usem o telefone celular. Obviamente, não dá pra deixar crianças ficarem o dia inteiro falando ao celular; já que existe uma dúvida, é bom fazer com que o uso seja dentro dos limites do necessário”, sugere a professora.