• Edição 146
  • 02 de outubro de 2008

Faces e Interfaces

Soja em excesso pode causar infertilidade

Heryka Cilaberry

Sempre ressaltada por suas propriedades benéficas ao organismo, a soja hoje faz parte do que milhares de brasileiros consideram um cardápio natural e saudável. Entretanto, um estudo realizado por pesquisadores do hospital Royal Victoria, em Belfast, na Irlanda do Norte pode apresentar uma faceta até então desconhecida da leguminosa.

De acordo com esses cientistas, a soja estaria estritamente relacionada à infertilidade. O consumo excessivo do alimento acarretaria uma diminuição na qualidade dos espermatozóides e, portanto, deveria ser evitado por meninos em fase de crescimento.

Desvendar o poder da leguminosa é a tarefa dos convidados de Faces e Interfaces dessa semana.

Maria Adelaide Moreira

Nutricionista do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF)

“A soja é uma leguminosa que, na pirâmide alimentar, está no grupo das carnes, ovos, aves, peixes e feijões, juntamente com as oleaginosas: nozes, castanhas e amêndoas. Como um alimento funcional, ela garante alguns benefícios à saúde, entre eles, a redução nos riscos de alguns tipos de câncer, doenças cardiovasculares, osteoporose, diabetes, mal de Alzheimer e sintomas do climatério na menopausa.

O alimento começou a fazer parte do cardápio brasileiro com o início de sua produção nacional, na década de 70, no sul do Brasil, por uma opção às lavouras de trigo. Avançou nas décadas de 80 e 90 e, a partir de 2000, já era processada em diversas indústrias.

Com o atual aumento da produção do grão em todo o país, há também o aumento do uso pela indústria alimentícia, tanto para produtos de consumo humano quanto em para rações animais. Estes fatos são observados com o crescente interesse para o chamado alimento à base de soja, seja o ‘leite’ ou a soja texturizada, ambas fontes de proteína de origem vegetal. Uma observação interessante que demonstra bem a maior utilização da soja é a listagem organizada pelo Greenpeace das indústrias que não usavam a soja transgênica na formulação de seus produtos.

No Brasil, além do consumo de alimentos à base de soja, sejam eles, sólidos ou líquidos, quase toda a população consome a leguminosa embutida em algum produto processado pela indústria alimentícia através de carnes, chocolates ou mesmo barrinhas de cereais. Isso porque ela é usada como espessante; para tanto, a lecitina de soja tornou-se principal ingrediente de alguns produtos. Sua ingestão em maior grau, entretanto, acontece entre mulheres, por pessoas que fazem dieta vegetariana e por alérgicos à proteína de origem animal, como o leite de vaca.

A escolha da soja, em detrimento da carne, na dieta é conseqüência de suas conhecidas propriedades como alimento funcional, mas também é resultado da filosofia de vida de algumas pessoas. A substituição é saudável, já que 29 a 54% da composição da leguminosa é de proteína, havendo apenas diferença entre o valor biológico dessas proteínas, já que a de origem vegetal têm cômputo químico de utilização menor que a animal. Assim, o indivíduo pode optar por esse alimento para suprir os 15% de proteína diária que a dieta balanceada deve conter.

Apesar das suas múltiplas qualidades, a soja também pode trazer prejuízos à saúde. A presença de ácido fítico em sua composição, por exemplo, reduz a absorção de cálcio no organismo. Outro efeito negativo é causado pela presença de fitoestrógenos, que possuem ação anti-tiroidiana. Segundo pesquisas recentes, como a do grupo irlandês, a leguminosa também poderia atuar na concentração de esperma, mas não há evidência significativa para a população mundial.

De acordo com esse estudo, o fitoestrogênio, hormônio feminino que faz parte dos flavonóides da soja, estaria causando a infertilidade. Porém, antes que os homens em idade fértil e os meninos fiquem assustados com todo esse poder, acho que o assunto deveria ser mais estudado, antes que uma atitude drástica seja tomada. Eu, sinceramente, não acredito que a leguminosa sozinha pudesse levar a isso.

Há algumas pessoas, entretanto que devem realmente evitar soja, indivíduos que fazem uso de suplemento de cálcio (por conseqüência da redução do mineral que a soja provoca), indivíduos alérgicos a alguma isoflavona (hormônio) ou mesmo indivíduos com desconforto abdominal por flatos.”

Maria do Carmo Borges

Professorado departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina e chefe do Setor de Reprodução Humana do Instituto de Ginecologia

“A questão da infertilidade, da dificuldade de gerar filhos, é tão antiga quanto a própria história da humanidade. Conhecemos muitos deuses ou divindades em várias culturas, todos celebrando a vida, a perpetuação das espécies, as colheitas. Em nenhum momento se celebra a infertilidade, em nenhum momento se valoriza o oposto.

No Brasil, o primeiro ambulatório criado para pesquisar e tratar questões relativas a esta dificuldade estava aqui, na nossa UFRJ, em 1944. Corresponde a época em que, no mundo inteiro, começava-se a pensar na assistência diferenciada que merecia este tipo de queixa. Foi a professora Clarice do Amaral Ferreira que, retornando de um estágio na Argentina, iniciou este tipo de assistência e, para homenageá-la, hoje, nosso setor de Reprodução Humana do instituto de Ginecologia tem seu nome.

A infertilidade é hoje reconhecida pela Organização Mundial da Saúde como um problema de saúde pública, uma doença, que merece ser acolhida diretamente pelo sistema de saúde. As causas se dividem em fatores masculinos (cerca de 40%) e femininos (outros 40%) associados em cerca de 20%. É muito interessante ressaltar que, hoje, uma queixa de infertilidade pressupõe diretamente a avaliação dos parceiros; situação muito diferente nos tempos iniciais, em que os homens acreditavam que ‘o problema era sempre da mulher’ ou que havia muita recusa em realizar um espermograma, que fosse. Atualmente, as consultas são do casal e se estimula ao máximo a participação do casal.

No nosso país, hoje, além da Febrasgo a associação brasileira que reúne os ginecologistas e obstetras este desenvolvimento das questões reprodutivas levou ao surgimento de várias outras associações médicas mais específicas e diretamente relacionadas, como a Sociedade Brasileira de Reprodução Humana (SBRH), a Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA), a Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) - com um capítulo que cuida dos problemas da fertilidade masculina -, o Pronúcleo (Associação dos biólogos que trabalham em reprodução assistida) e por aí vai.

Mesmo assim, a pesquisa realizada por esses grupos não vão movimentar o estudo da infertilidade e, sim, o contrário, ou seja, a busca incessante dos determinismos da fertilidade é que movimenta a ciência nas questões reprodutivas. Cada vez mais trabalhamos em conjunto, desde a área básica até o envolvimento de equipes multidisciplinares, educativas, clínicas e laboratoriais, de cunho de assistência social e psicológica, todos com o mesmo empenho de buscar o conceito maior da integração entre saúde e assistência (e pesquisa, porque somos Universidade). A otimização dos recursos científicos, tecnológicos e humanos torna sempre mais amplos os objetivos esperados, ao mesmo tempo conformando a proposta de uma ciência que se volta para a qualidade de vida, vinculada a um compromisso com a cidadania, posto que se preocupa com a apropriação social do conhecimento científico.

Do ponto de vista da Biologia, gosto de dizer que ao estudar a vida, observando a evolução como um jogo, o objetivo maior é permanecer neste jogo. Se por um lado temos problemas referentes à superpopulação, por outro somos mais uma das espécies deste planeta que, como as outras, também está sujeita à extinção. É importante a interação entre as diferentes estratégias das várias disciplinas que estudam a nossa presença neste planeta. Se o ‘bem estar’ propriamente não existe, mas é importante como uma utopia, devemos seguir trabalhando na linha da promoção da saúde e compreendendo a definição de saúde como possibilidade de contínua luta por melhor qualidade de vida. Em outubro de 1998, o Conselho Executivo da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO), revendo avanços nacionais e internacionais nos Direitos Sexuais e Reprodutivos das Mulheres, estabeleceu prioridades em três fases de atividades: educar obstetras, ginecologistas e demais profissionais de saúde sobre os direitos relacionados a saúde sexual e reprodutiva; ajudá-los a proteger e promover estes direitos em suas próprias práticas clínicas, assim como promover estes direitos e protegê-los de forma mais geral.”