• Edição 146
  • 02 de outubro de 2008

Ciência e Vida

Arbusto pode produzir novo medicamento contra câncer

Marcello Henrique Corrêa

A luta contra o câncer pode ganhar um novo aliado nos próximos anos. Uma pesquisa feita no Laboratório de Imunoparasitologia do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF) trabalha para desenvolver os efeitos do ácido pomólico, substância encontrada no abareju (Chrysobalanus icaco), arbusto encontrado no sudeste do Brasil.

A pesquisa começou em 2003, quando a farmacêutica Rachel Oliveira Castilho, hoje em Minas Gerais, extraiu o ácido do vegetal, durante seu doutorado no Núcleo de Pesquisa em Produtos Naturais (NPPN). Na ocasião, o grupo percebeu um forte potencial terapêutico na descoberta e patenteou a substância já naquele ano. O trabalho de Rachel foi o primeiro passo para um estudo das funções biológicas do ácido pomólico, tema da tese de doutorado de Janaína Fernandes, integrante do grupo de pesquisa. O trabalho foi orientado por Cerli Rocha Gattas, chefe do Laboratório.

A partir da análise in vitro da substância em contato com células tumorais, o grupo de pesquisadoras percebeu sua eficácia em matar as células cancerígenas. Segundo Janaína, porém, o diferencial mais importante do ácido pomólico é a chamada atividade anti-MDR (resistência-multi-drogas, na sigla em inglês). Essa é a atividade capaz de matar as células resistentes. “Qualquer tumor possui células que vão responder à quimioterapia, é o que acontece no início. Depois de um determinado momento, a célula pára de responder, devido a proteínas presentes na membrana, capazes de ‘expulsar’ a droga”, explica a pesquisadora.

No momento, a pesquisa entra em uma nova fase, em que o grupo pretende identificar o alvo intra-celular da droga. Isso é necessário porque em uma célula podem ser encontradas várias proteínas. De acordo com Janaína a idéia é descobrir com qual delas o ácido pomólico interage fisicamente.

Metástase

A novidade, apresentada recentemente por Janaína no II Simpósio de Oncobiologia da UFRJ, é a presença da chamada atividade anti-metastática no ácido pomólico. Isso significa que, além de ser eficaz contra células resistentes, devido ao anti-MDR, a substância também pode evitar a temida metástase, processo em que o câncer se espalha pelo organismo. “Esse efeito é obtido porque o ácido impede que o citoesqueleto da célula cancerígena se deforme, impedindo seu movimento pelos tecidos”, esclarece a bióloga.

Além disso, outros dados apontam um caminho promissor para a pesquisa. Por exemplo, em uma análise de células extraídas de pacientes com leucemia, foi constatada a morte de cerca de 85% das células de leucemia. Já de células extraídas de doadores sadios, a morte foi de 14%, número considerado baixo, que indica efeitos colaterais brandos, comparados aos transtornos causados pela tradicional quimioterapia.

Apesar do clima otimista, Janaína lembra que não é garantido o ácido se comportar da mesma maneira no organismo de camundongos, nem tampouco de humanos. “Queremos que a droga faça in vivo o que ela faz in vitro. Entretanto, dentro do corpo, temos que lidar com sistema imune e outros fatores que não ocorrem na placa de ensaio”, explica.

No momento, o grupo está tentando viabilizar a produção da substância em maior escala, para poder testar os efeitos do ácido em camundongos. Só a partir disso, vai ser possível pensar em testes clínicos, em humanos. Contudo, a possibilidade de que a substância produza um medicamento é real e o grupo já começou a conversar com a indústria farmacêutica, apesar de nada estar definido.