• Edição 143
  • 11 de setembro de 2008

Faces e Interfaces

Gene pode ser culpado pela infidelidade masculina?

Heryka Cilaberry e Marcello Henrique Corrêa

Os cinco anos de pesquisa no Instituto Karolinska, na Suécia, podem trazer para a discussão sobre a infidelidade masculina mais um fator: a genética. Trata-se do alelo 334, gene que, em homens, estaria relacionado, segundo o estudo, com o comportamento infiel. A conclusão veio depois da pesquisa com cerca de mil casais heterossexuais, e segundo a qual os homens portadores do gene (40% dos pesquisados) afirmaram ter vínculos menos fortes com suas parceiras.

Segundo os cientistas suecos, a pesquisa representa um avanço, já que essa é a primeira vez que um estudo relaciona um perfil genético com traços do comportamento humano em relacionamentos. De acordo com os responsáveis pelo estudo, os dados da pesquisa podem ajudar a entender, futuramente, patologias como fobia social e autismo. Para os homens infiéis, a descoberta vem como valiosa justificativa para a dolorosa hora de pedir desculpas depois da traição. Culpar o alelo pode ser uma boa saída.

Afinal, qual é o papel da genética para entender a infidelidade? Que mudanças o novo estudo traz para o debate sobre relacionamentos? Quem responde a essas e outras perguntas é o geneticista Franklin Rumjanek e a antropóloga Mirian Goldenberg, especialista em infidelidade, convidados de Faces e Interfaces dessa semana.

Mirian Goldenberg

Professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da UFRJ e autora do livro “Infiel: notas de uma antropóloga

“Os dados do Datafolha anteriormente comprovam o que tenho encontrado em minhas pesquisas qualitativas e quantitativas realizadas nos últimos vinte anos: a fidelidade é um valor fundamental para os casais contemporâneos. Nos mais diferentes tipos de arranjos conjugais, inclusive na relação entre o homem casado e a sua amante ou em casais praticantes de swing (troca de casais), a fidelidade é um valor básico. Ao analisar os dados da pesquisa, a Folha revela a idealização da fidelidade que encontrei entre os meus pesquisados, em meu trabalho.

Nas minhas pesquisas, encontrei nos depoimentos masculinos a idéia de que os homens traídos 'preferem fazer vista grossa', ao contrário das mulheres. Criei, então, a partir da observação deste tipo de comportamento – uma espécie de cegueira voluntária, consciente e deliberada – a idéia de ‘(in)fidelidade paradoxal’.

Em primeiro lugar, o valor da fidelidade existe, mesmo quando os indivíduos são efetivamente infiéis. Pode-se pensar que é justamente porque os indivíduos são, em grande parte, infiéis que a fidelidade é um valor. Em segundo lugar, a fidelidade pode ser vista como uma ilusão. Mesmo sabendo que é muito provável que o parceiro seja ou tenha sido infiel, deseja-se acreditar que ele é fiel. Os pesquisados parecem querer a ilusão da fidelidade muito mais do que a própria fidelidade. Dessa forma, percebo que o importante é acreditar na fidelidade, muito mais do que ser efetivamente fiel. 

Os homens que pesquisei se classificaram em monogâmicos ou poligâmicos. A infidelidade é encarada de maneira bem diferente pelos representantes dos grupos. Para os que se pensam como poligâmicos, a infidelidade é decorrente de uma necessidade interior, de uma natureza masculina, e não está relacionada a nenhum problema do casamento ou da esposa. Para os que se disseram monogâmicos, a infidelidade é percebida como um sintoma de que o casamento está em crise. Para estes, a traição é considerada uma patologia, uma doença, um problema gravíssimo e inaceitável. A crise, apontada por eles como única justificativa para uma traição, pode ser do casamento ou pessoal. De qualquer forma, deve ser superada para o casamento sobreviver ou se dissolver.

É importante assinalar que o fato dos pesquisados se classificarem como monogâmicos não significa que eles tenham sido fiéis às suas esposas. Dos sete entrevistados que se definiram como monogâmicos, apenas dois nunca tiveram relacionamentos extraconjugais. Os monogâmicos infiéis buscam justificar a própria infidelidade por razões que se encontram fora de seu controle. Os motivos apontados por eles são: o intenso assédio das mulheres, crise pessoal, problemas no casamento, necessidade de auto-afirmação, imaturidade, carência, fragilidade.

Nenhum monogâmico apontou o desejo por outra mulher ou a necessidade de aventura como motivo para a infidelidade. Os monogâmicos infiéis disseram que sofreram muito e se arrependeram da traição que, acreditam, não se repetirá no casamento ou em outra relação. A infidelidade não é uma situação desejada, mas um acidente de percurso que deve ser corrigido: com o rompimento ou com a reestruturação do casamento.

Um dos pesquisados que se declarou monogâmico disse: 'quero que minha esposa seja a minha Outra'. Com esta frase, ele revelou o desejo de romper com a dualidade: mulher da casa/mulher da rua, mulher das obrigações/mulher do prazer, esposa/prostituta, rotina/aventura, amor/sexo, buscando reunir em uma única mulher características percebidas como antagônicas.

Portanto, a descoberta do gene só reforçará o comportamento daqueles que se dizem poligâmicos por natureza. Os outros, que desejam ser monogâmicos e reunir em uma só mulher a esposa e a amante, mesmo com o gene, serão sempre mais felizes e satisfeitos com o seu relacionamento se conseguirem ser fiéis, e terem em sua esposa a sua Outra”.

Franklin David Rumjanek

Professor titular do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ

“Primeiramente, é preciso compreender o papel dos genes. Eles são seqüências contidas no DNA que codificam peptídeos (polímeros de aminoácidos) ou RNA. Em outras palavras, unidades genéticas que armazenam informação para produção de proteínas ou de RNAs. As qualidade físicas de um ser são expressas por meio das proteínas que em última análise compõem a estrutura dos tecidos do organismo. Desse modo, os ossos, a pele, os cabelos, olhos, etc., são produzidos de acordo com instruções contidas nos genes. Se uma pessoa é alta, tem cabelos negros, possui olhos claros, tem uma constituição óssea determinada, isso tudo é resultado de informações que originalmente estavam contidas nos genes. É preciso levar em conta que o resultado final não depende só dos genes, mas também do meio ambiente. É essa interação meio-indivíduo que determina o fenótipo da pessoa.

Quando se fala da influência dos genes na personalidade e comportamento, a questão se torna mais complexa. Como disse, existem certas características que são ditadas pelo ambiente. Outras são decorrentes de fatores culturais. Desse modo, podem ser adquiridas por forte influência da cultura. Não podemos descartar os genes, mas para que isso fosse provado, seria necessário isolar o indivíduo do meio ambiente, de forma a avaliar somente o componente gênico, o que seria muito difícil.

Existe a possibilidade dos genes tornarem uma pessoa mais propensa à traição, mas isso depende de evidências que não podem ser só correlações, como é o caso do estudo em questão. É muito fácil fazer correlações, mas nem sempre essas podem ser interpretadas como os proponentes querem. Por exemplo, posso fazer uma correlação entre a incidência de câncer de próstata e as marcas de carros dirigidos por homens. Posso fazer uma projeção e afirmar que os donos de carros mais caros terão um índice maior de incidência de câncer de próstata em comparação com as marcas mais econômicas. E isso não quer dizer que os carros mais caros causam o câncer de próstata. Em geral homens mais velhos têm um poder aquisitivo maior e assim conseguem comprar as marcas mais caras. Por serem mais velhos, a incidência de câncer de próstata aumenta. Outro detalhe que precisa ser lembrado é que um comportamento pode depender de vários genes (se o comportamento for de fato derivado dos genes). Um comportamento complexo, como o da traição, provavelmente resultaria da interação de vários genes, caso ficasse comprovada a influência destes.

A respeito do diagnóstico de tendências a doenças, cada vez mais a biologia molecular e a genética de maneira geral fornecem dados que permitem e permitirão previsões. À medida que se conhecer melhor o genoma humano, mais estratégias estarão disponíveis para o controle de doenças como o câncer.  Se o paciente comprovar a existência de tal gene ou genes que aumentam a propensão à traição, possivelmente estes poderiam ser controlados. Já existe tecnologia para tal. Mas a quem interessaria tal 'terapia'? Aos traidores certamente não.

A traição parece ser mais uma convenção social do que um distúrbio, como costuma-se conceber. Há sociedades que são bem mais tolerantes a respeito das relações entre indivíduos. Aliás, essa influência cultural deve ser levada em conta quando os supostos genes da traição forem considerados.

Se há ética em informar a propensão à traição, isso depende da sociedade. É esta que determina o que é aceitável ou não. Hoje, uma sociedade conservadora pode condenar eticamente um comportamento como a traição. Amanhã a mesma sociedade pode se tornar mais liberal e mudar seu código. A traição parece ter muito mais relação com o caráter de uma pessoa do que propriamente a sua constituição genética.

Acredito que o velho adágio popular que afirma que ‘a ocasião faz o ladrão’ traz muito mais verdade em seu bojo do que uma interação entre produtos gênicos. Imagine que duas pessoas insatisfeitas com seus respectivos parceiros se encontrem em uma situação favorável. Se houver atração entre eles e se a ocasião permitir, dificilmente os genes teriam qualquer influência nesse momento”.