• Edição 141
  • 28 de agosto de 2008

Faces e Interfaces

A revolução do Wii fit

Heryka Cilaberry

Chegou ao Brasil faz pouco tempo, mas como constuma acontecer, por onde quer que passe, gerou polêmica. Entre as muitas questões referentes à sua ainda curta existência, uma parece ser constante: é possível que exercícios físicos virtuais substituam exercícios reais?

Ao menos essa é a proposta do Wii fit, o grande lançamento do momento nas academias de ginástica. O jogo é um investimento pesado em um produto que, ao contrário da longa tradição de games, se distancia do sedentarismo e da preguiça. Basta que o jogador suba na Balance Board, a balança sem fio, e escolha uma entre as quatro categorias oferecidas (yoga, força muscular, aeróbica e equilíbrio) para que um personal trainer ou mesmo um adversário surja na tela. Assim, cada movimento executado no mundo real é reproduzido fielmente no virtual, levando o usuário a intensos alongamentos, partidas disputadas de tênis ou relaxantes aulas de yoga.

E para analisar as conseqüências dessa inovação tecnológica no corpo e no imaginário do jogador expondo as vantagens e desvantagens do game ouvimos dois especialistas, das áreas de Educação Física e de Neurologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Marco Py

Neurologista do Instituto de Neurologia Deolindo Couto (INDC) e vice-presidente da Associação de Neurologia do Estado do Rio de Janeiro (ANERJ)

“Quando se realiza atividade motora, uma área do córtex cerebral chamada motora primária é ativada. Desse local, partem os impulsos nervosos, que seguem seu trajeto comum pelos axônios até os músculos e efetuam o movimento. Próxima a essa área motora primária, existe a área motora suplementar, que funciona com o planejamento do movimento. Qualquer movimento voluntário, por mais rápido que seja, precisa desse planejamento, desde simplesmente pegar um copo aos complexos movimentos da ginástica artística, onde atletas executam atividades motoras extremamente complexas, com séries de mortais simples, carpados e piruetas. No solo chegam a fazer três a quatro passagens. Pode-se reparar que antes das séries eles se concentram, alguns fecham os olhos e uns ainda balbuciam os próximos passos. Esse planejamento mental ativa as áreas motoras suplementares, elas ajudam para que, na hora da execução, o movimento saia correto, já que durante a movimentação não há tempo de pensar nos próximos passos.

Quando se faz uso de um simulador tradicional de movimento, são efetuados alguns movimentos básicos de mão, através do uso do volante ou do manche do jogo, mas na imaginação, o movimento é muito mais complexo do que acontece no real. O que pode ser demonstrado através de alguns exames, como a ressonância magnética funcional, exame de ressonância magnética que possui um software especial capaz de captar a ativação de áreas do córtex cerebral. Assim, consegue-se detectar a ativação da área motora suplementar a partir da imaginação. Em animais, isso também já foi demonstrado, ao colocar um macaco para jogar um videogame simples, a área motora primária será ativada devido aos movimentos manuais feitos com o joystick. Mas se mantiver a tela do computador em que é realizado o mesmo movimento na frente do animal, e prender sua mão, apenas olhando para a situação, terá a área motora suplementar ativada.

Mais do que isso, já existem experimentos que colocam um estimulador a área motora suplementar do macaco ligada a um robô, e mais uma vez colocando uma tela de computador em frente ao animal, simulando um movimento como o de jogar o videogame, os impulsos cerebrais do macaco com a mão parada fazem com que o braço do robô jogue o videogame. Um experimento atual e interessante que foi apresentado no Congresso Brasileiro de Neurologia desse ano, que é o macaco só pensando, sem se mover, fazer o braço do robô jogar o game. O primeiro passo para perceber a importância dessa área cortical, até imaginar aplicação futura para isso, por exemplo, um paraplégico poder com seu próprio impulso neurológico fazer um membro mexer através de um aparato tecnológico.

Especificamente, em relação a esse simulador de movimento, com certeza consegue-se ativar essas áreas neuronais, mas em termos de desgaste físico, não consigo imaginar que uma atividade física virtual seja o mesmo que realizar um exercício real. Claro, que usar um simulador que promova a prática de exercícios, é melhor que o sedentarismo, mas a atividade física real ainda é superior.

O exercício físico é importante no trabalho de grupos musculares, no aumento de massa, mas também na prevenção de doenças cardiovasculares. Na medida em que a pessoa fazendo atividades regulares, consegue manter a pressão arterial mais baixa, freqüência cardíaca, glicose e colesterol regulados, prevenindo doenças cardiovasculares e muitas vezes até neurológicas, como o acidente vascular cerebral. Além disso, é recomendado para pessoas ansiosas, depressivas, ou mesmo para a prevenção de algumas demências, principalmente o Alzheimer.

Qualquer tecnologia que você use para melhorar o desempenho do movimento e a atividade física é válida. Não há a menor dúvida quanto a isso, mas ainda é muito cedo para dizer que os Wii fit podem substituir os exercícios reais. Indivíduos com limitação motora, portadores de alguma doença neurológica ou mesmo ortopédica que limita o movimento completo, podem encontrar no simulador um excelente substituto. Uma opção também para quem não tem problema algum, mas ganhará um aporte tecnológico maior, para melhorar o desempenho ou a atividade física.”

Ana Cristina Barreto

Professora auxiliar de Metodologia da Pesquisa do Departamento de Ginástica da Escola de Educação Física e Desportos

“Um game de exercícios como Wii fit acarreta, assim como a prática regular de qualquer esporte, benefícios e prejuízos à saúde. Entre algumas vantagens desses exercícios estão: a melhoria no condicionamento cardiorrespiratório, a lubrificação das articulações, que, por sua vez, previne doenças como artrose e artrite, bons resultados sobre o lado emocional ou psicológico do indivíduo, com a diminuição do stress, que hoje junto com o sedentarismo podem ser consideradas as doenças do século. Encontra-se também entre os pontos favoráveis à prática de esportes, a possibilidade de reduzir o percentual de gordura (ou seja, fazer com que o indivíduo emagreça) e melhorar sua força muscular. A última vantagem é extremamente importante, afinal possuir uma musculatura forte garante, de maneira geral, a redução dos riscos de lesões, ajudando na efetuação de tarefas simples e cotidianas como correr para pegar um ônibus.

Seria mentira dizer que o exercício físico é 100% saúde e não apresenta prejuízo algum ao indivíduo. Não é o que acontece na realidade, ele pode trazer riscos à saúde. Durante a atividade física, há consumo constante de oxigênio. A literatura mostra, entretanto, que 2 a 5% desse oxigênio geram radicais livres, que hoje são comprovadamente responsáveis por aumentar o risco de algumas doenças e acelerar o envelhecimento. Esse é um ponto importante porque justifica a necessidade da interdisciplinaridade, como nesse caso, o indivíduo consumir, através de uma dieta, antioxidantes. Outro desdobramento depende da duração e da intensidade do exercício físico realizado, dependendo desses fatores pode haver o aumento de stress sobre as articulações, o que algumas vezes possibilita risco de lesões. Um exemplo comum disso é o trabalho de alongamento feito antes ou depois da atividade sem uma orientação, o que pode multiplicar as chances de uma lesão, de uma distensão ou de uma luxação. Assim, mesmo com o Wii fit é necessário fazer alongamento e dietas, seguindo sempre orientações de um profissional de educação física.

Quanto ao gasto energético, a análise é muito mais ampla, pois existem vários fatores que influenciam nele, por exemplo, a intensidade do exercício e o nível de condicionamento do indivíduo. É importante saber se foi executada uma atividade de alta ou de baixa intensidade, pois a variação vai influenciar, por exemplo, no substrato energético que o indivíduo está usando. Quanto maior for a intensidade, mais carboidrato e menos gordura serão utilizados. Se eu tenho uma atividade de alta intensidade, levo mais tempo depois da atividade para retornar a homeostasia, o equilíbrio, podendo assim, otimizar o gasto de gordura. Para calcular o gasto energético, não se pode levar em consideração apenas o que é gasto durante o exercício, mas o somatório do gasto durante e após a atividade, até que o organismo volte à homeostasia.

Uma diferença entre exercícios físicos naturais e virtuais, os realizados com o auxílio do programa de computador, são os padrões biomecânicos que não só diferem como também geram efeitos diferentes, por isso a necessidade de um treinamento, de uma orientação, pois se você gera mudanças de padrões biomecânicos, estão sendo gerados efeitos e estímulos diferentes que vão dar respostas diferentes.

O programa, apesar das diferenças, é válido porque pode amenizar o crescimento do sedentarismo que hoje é um dos principais causadores de doenças. Um grande paradoxo contemporâneo é acompanhar, ao mesmo tempo, o avanço da tecnologia produzindo melhorias da qualidade de vida, mas gerando menor gasto energético. Sendo assim, um fator de risco para a obesidade, para doenças do coração, para a dislipidemia (presença de número elevado de lipídios no sangue). O Wii fit segue na contramão dessa idéia, pois mesmo que o indivíduo não esteja praticando atividades físicas comuns, ele está aumentando o gasto energético, de algum jeito ele pode melhorar a freqüência cardíaca e esse simples exercício pode estimulá-lo a fazer outros, saindo da frente da tela da televisão e buscando participar dos esportes longe do mundo virtual. Eu acho o game válido.”