• Edição 140
  • 21 de agosto de 2008

Saúde e Prevenção

Nervosismo na ponta dos dedos

Rodrigo Lois - AgN/PV

Muitas vezes, para amenizar alguma sensação ruim ou inquietante, roemos as unhas. O que muitas pessoas não sabe é que esse simples hábito pode se tornar um vício. Mastigar as unhas e a pele que as envolve provoca uma série de danos para o organismo, seja nas mãos, na área bucal ou na saúde mental. Nos casos mais graves, o viciado só pára quando os dedos sangram. Basta a região cicatrizar para tudo recomeçar.

Esse distúrbio, conhecido como onicofagia, acontece geralmente em situações de nervosismo, tédio, stress, ansiedade e até fome. O comportamento também pode ser uma evidência de desordem mental ou emocional, como a falta de segurança ou timidez. Geralmente inicia-se na infância, por volta dos quatro ou cinco anos de idade. Para se ter uma idéia, esse hábito é comum em mais de 30% das crianças com até 10 anos e é mais freqüente em meninos.

Porém, segundo Cristina Ventura, professora do Instituto de Psiquiatria (IPUB), distúrbios mentais como esse podem acontecer em qualquer faixa etária: “Crianças, adolescentes, adultos, enfim, todos são passíveis de apresentar problemas mentais ou sofrimentos psíquicos variados, em maior ou menor grau, causando até mal-estar”. Mesmo assim, a supervisora clínico-institucional do CAPSi CARIM (Centro de Atenção e Reabilitação da Infância e Mocidade), instituição que presta serviço de atenção diária para crianças e adolescentes portadores de transtornos mentais graves, enfatiza a importância do cuidado com o menor, afim de evitar doenças como a onicofagia: “Pelo fato de ser criança, ela poderá manifestar seu sofrimento de formas mais ou menos específicas, poderá ter prejuízos mais significativos caso não receba o tratamento e cuidado necessários”.

Por que acontece

Determinar as causas do vício de roer unhas não é simples. A maioria das pesquisas afirma que traumas adquiridos na infância potencializam a ocorrência do distúrbio. Todavia, Cristina Ventura faz ressalvas: “A questão do trauma é complexa porque não é possível afirmar com certeza absoluta o que irá de fato se constituir trauma para um dado sujeito. Claro, podemos afirmar que o abandono, a violência, os maus-tratos, e a exclusão trazem conseqüências a uma criança. Entretanto, a condição de superação das adversidades precisa também ser pensada e conta, nesta superação, o fato dela não estar só, de poder ser ouvida em suas necessidades, acolhida e acompanhada”.

Conseqüências

Em longo prazo, destruir as unhas e mordiscar a pele da cutícula causa infecção, inchaço, vermelhidão e aumento da sensibilidade na região afetada. A doença também interfere no formato das unhas e em seu crescimento, porque está debaixo da cutícula a matriz da unha, onde ela é gerada. Outro resultado negativo é o transporte de germes e bactérias de debaixo da unha para a boca. A persistência do hábito também ocasiona o desgaste do esmalte dos dentes incisivos, pode até gerar cáries.

A professora do IPUB também aponta a relação do distúrbio com o futuro do paciente: “Podemos dizer que um transtorno mental infantil poderá trazer conseqüências prejudiciais à vida adulta, particularmente se não cuidado e acompanhado. Grande parte dos transtornos mentais diagnosticados nos adultos têm história patológica presente desde a infância e juventude.”

Tratamento

Algumas medicações têm se mostrado eficazes no combate ao distúrbio, como anti-depressivos e alguns anti-psicóticos. Uma opção mais considerável que vem sendo utilizada é a vitamina B, que reduz a vontade de roer as unhas. Mas o uso de fármacos nem sempre é a solução.

− A questão da medicação em crianças é controversa e extremamente complexa. De forma geral, diria que é preciso tomar a atitude cautelosa de evitar a medicação da infância para que a prescrição, quando de fato necessária, possa ser adequada e efetiva – contestou a professora.

Existem outros tipos de tratamento. Há terapias comportamentais que visam à reversão do hábito, substituindo-o por um mais construtivo, e a terapia por aversão, que desestimula, através de vários mecanismos, a pessoa a roer as unhas. Uma opção pouco estudada é trabalhar os problemas emocionais do paciente, pois muitas vezes a doença está ligada ao campo emocional. Segundo Cristina Ventura, o que importa é que as crianças sejam acompanhadas cuidadosamente em suas trajetórias pelos adultos que são seus responsáveis, atentos a não superestimar nem a subestimar os sinais de que algo não vai bem.