• Edição 139
  • 14 de agosto de 2008

Microscópio

João Ferreira: transformador da Assistência Psiquiátrica

Sofia Moutinho - AgN/PV

— O professor João Ferreira não era um personagem comum, longe disso. Era impossível ficar indiferente à pessoa. Durão ao mesmo tempo que extremamente generoso, deixou marcas em todos os que conviveram com ele, alunos, funcionários e colegas. As manifestações recebidas após sua morte precoce, vindas de todas as partes do Brasil e do mundo, demonstram o quanto ele influenciou toda uma geração de psiquiatras e profissionais do campo da saúde mental —  declara Maria Tavares Cavalcanti, diretora adjunta de assistência do Instituto de Psiquiatria (IPUB) da UFRJ e coordenadora da Homenagem ao Professor João Ferreira, que acontece no próximo dia 22 de agosto no anfiteatro Leme Lopes do IPUB com início às 8h30. Na ocasião haverá participação de docentes, funcionários e alunos do instituto, além de convidados para as homenagens ao professor e ex-decano do Centro de Ciências de Saúde (CCS) como o lançamento de um livro e a inauguração de uma biblioteca com seu nome.

João Ferreira da Silva Filho foi diretor do IPUB de 1994 a 2002 e desde que era aluno de pós-graduação em Psiquiatria, Psicanálise e Saúde Mental na UFRJ, na década de 1970, lutava pela Reforma Psiquiátrica. Foi membro da direção da União Nacional dos Estudantes (UNE), quando sofreu três detenções políticas. Pesquisador das áreas de saúde mental, ensino em saúde e políticas públicas, foi autor de muitos livros, dentre eles, o último, lançado ainda este ano, intitulado 1968 e a Saúde Mental, uma coletânea de textos de diversos autores que estavam presentes na mesa-redonda Saúde Mental e 68, realizada no Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ em maio, mês de seu falecimento.

Como diretor do IPUB, João Ferreira dedicou grande empenho às transformações na assistência psiquiátrica em todo o país e particularmente no Rio de Janeiro, apoiou a mudança da assistência basicamente hospitalar e ambulatorial (com intervalos geralmente longos entre as consultas) para uma assistência mais intensiva aos pacientes através da atenção diária. Suas iniciativas promoveram, na época, um aumento do número de leitos para internação do IPUB, o que permitiu à Coordenação de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde o encerramento das internações em instituições de menor qualidade.

— O professor João Ferreira encontrou um Instituto de Psiquiatria praticamente desativado quando assumiu a direção em 1994. As enfermarias estavam esvaziadas, o hospital-dia atendia uns poucos pacientes. Em oito anos construiu um novo prédio para o hospital-dia de adultos, criou um centro de psicogeriatria, inclusive um prédio próprio; uma nova biblioteca, um prédio para a administração, novos anfiteatros, novas salas de aula e de atendimento. Incentivou a assistência e a pesquisa, bem como o Ensino. Enfim, o IPUB renasceu e floresceu na sua gestão — contou Maria Tavares.

João Ferreira foi pioneiro na criação de serviços residenciais terapêuticos — moradias inseridas na comunidade destinadas a cuidar dos portadores de transtornos mentais sem laços familiares — criando um projeto de moradia assistida vinculado ao IPUB antes mesmo da criação da Portaria do Ministério da Saúde que regulamenta esses serviços. Enquanto diretor do IPUB e decano, favoreceu a criação de inúmeras oficinas terapêuticas e projetos de geração de renda que posteriormente tiveram seu modelo incorporado à reforma psiquiátrica em todo o país. Um exemplo de projeto para geração de renda que foi um desdobramento das ações de João Ferreira, é a Cooperativa da Praia Vermelha, parceria entre o Instituto Municipal Philipe Pinel e a da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Engenharia (COPPE). A cooperativa promove, desde 1997, uma forma alternativa de tratamento para doentes com transtornos psíquicos: a produção e venda de alimentos, tais como bombons, biscoitos, bolos e pães.

Em sua trajetória esteve envolvido com diversas ações que promoveram a reforma psiquiátrica, como o Censo dos Hospitais Psiquiátricos do Rio de Janeiro, realizado em 1996 para identificar os principais locais onde residiam os portadores de sofrimento psíquico  e a implantação das residências multiprofissionais e do Núcleo de Políticas Públicas em Saúde Mental (NUPPSAM) da UFRJ. Também criou e coordenou, desde 1988, o laboratório de pesquisa Organização do Trabalho e Saúde Mental (OTSAM) do IPUB, núcleo de produção de conhecimento e práticas psiquiátricas voltadas para a assistência ao trabalhador; origem do Programa de Atenção à Saúde Mental dos Trabalhadores, coordenado pela professora de psicopatologia do trabalho, Silvia Jardim.

Os amigos íntimos e companheiros de trabalho freqüentemente o descrevem como um homem ao mesmo tempo conservador e revolucionário. “João Ferreira era um homem de idéias próprias. Não se deixava levar por modismos e tinha uma sólida formação em medicina geral, psicopatologia, psicofarmacologia e psiquiatria clínica, além de ser um humanista, com uma visão ampla a respeito do ser humano, incluindo saberes como filosofia, antropologia, sociologia e etc. Ele tinha uma clara noção que apenas uma boa psiquiatria teria condições de integrar o paciente psiquiátrico e realmente respeitá-lo como um ser humano integral, com suas particularidades e especificidades, e não como um ser atrasado em relação ao mundo e aos outros seres humanos” contou a colega Maria Tavares.

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