• Edição 139
  • 14 de agosto de 2008

Por uma boa causa

O perigo mora em casa

Heryka Cilaberry

Embalagens de colorido vibrante e plantas perfumadas enfeitando o jardim são elementos que podem ser encontrados em quase todas as residências. Mas será que esses simples objetos do cotidiano oferecem algum risco à saúde da criança? Para desvendar essa questão e esclarecer as freqüentes dúvidas dos familiares, o Por uma boa causa dessa semana dá continuidade a série de reportagens “Medicina infantil: quando levar ao pronto-socorro?” com o tema intoxicação.

Quando o assunto é criança, sempre há uma preocupação extra. Mais frágeis e dependentes, necessitam sempre dos olhos atentos dos pais em seu encalço. Entretanto todo esse zelo pode ultrapassar a medida certa e vir a ser prejudicial à saúde dos pequeninos, como explica Susan Pereira, médica do serviço de emergência do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG) da UFRJ. 

– Nas crianças mais novinhas, até um ano de idade, a intoxicação mais frequentemente é causada por medicamentos. Algumas vezes os pais administram remédio para o filho por acreditar estar tratando a mesma doença que acometeu um vizinho, se o medicamento não for adequado, pode provocar uma intoxicação. Outras vezes, na ansiedade de resolver o problema de saúde, ou pelo cansaço, os familiares administram remédios sem dar a devida atenção ao nome, dose e intervalo de administração recomendados pelo médico e, então, ocorre o acidente. Daí a importância da administração somente por indicação médica e da máxima atenção quando forem administrados à criança – explica Susan.

Conforme as crianças vão crescendo as preocupações tornam-se outras e os agentes intoxicantes também. “Na faixa etária de 1 a 5 anos, a criança já anda, é muito curiosa e  imita os adultos. Infelizmente, cerca de 80% doas casos de intoxicação acontecem no ambiente em que a criança vive. É muito importante que a residência tenha barreiras de proteção, impedindo o acesso dela a cozinha, banheiro e área de serviço. Nessas áreas, a criança pode ter contato com  produtos de higiene e  limpeza e  plantas tóxicas, bem como está exposta a outros acidentes como queimaduras, quedas e afogamento.  Já na idade escolar e adolescência, as causas de intoxicações incluem o abuso de drogas lícitas e ilícitas, como o álcool, os “energéticos”, a cola de sapateiro etc.

Apesar de toda a atenção remetida aos pequenos pelos familiares ou mesmo educadores, às vezes, eles buscam aventuras. Sem que os responsáveis percebam, a criança já ganhou distância e, em poucos minutos tem um leque de perigos à frente. Como saber se em uma dessas empreitadas não houve envenenamento?  

– A criança menor de cinco anos que está bem, é saudável e subitamente adoece, pode ter sido vítima de intoxicação. Em geral, o envenenamento não envolve apenas uma parte do corpo, mas todo (multisistêmico). É um quadro súbito, geralmente catastrófico, que atinge mais crianças entre um e cinco anos. Dependendo do tipo de intoxicação pode apresentar sintomas mais aparentes como é o caso de inalação de substâncias tóxicas, em que a criança apresenta dificuldade respiratória. A ingestão de algum veneno pode acarretar diarréia ou vômito – aponta a médica. 

Se os familiares constatarem ou suspeitarem de intoxicação, é recomendado levar a criança imediatamente ao médico. “Induzir a vômito pode piorar o quadro. Se a criança tiver menos que um ano ou não estiver consciente, pode ocorrer o que chamamos de broncoaspiração – situação em que o vômito é aspirado pelo pulmão, podendo causar o óbito da criança por afogamento na própria secreção. A família pode tomar medidas de suporte, se a criança estiver vomitando deve elevar sua cabeceira. Afastá-la do objeto que pode ter tocado a pele e ocasionado a intoxicação. Se foi encontrada  sem consciência ou sonolenta retirá-la imediatamente do local, pois nem sempre a substância que ocasionou a intoxicação é visível ou possui cheiro, então o simples fato colocá-la em outro lugar é o bastante para afastá-lo de um perigo maior. O mito de tomar leite também é comum, mas em alguns casos a ingestão agrava o caso”, sinaliza a médica. 

Recomenda-se levar ao hospital mais próximo, procurando sempre não provocar mais acidentes. Lembrando que a criança deve ser transportada no banco traseiro do automóvel, em cadeira apropriada, nunca no colo, sempre protegida  com o cinto de segurança, caso contrário ela poderá ser vítima de dois acidentes: um com o tóxico e outro de trânsito, o que piora muito a situação.

É importante que a família relate ao médico o ambiente em que a criança estava inserida, em que momento foram observados os sintomas de intoxicação e sempre que  possível leve ao hospital o produto tóxico e sua embalagem: seja medicamentos, produtos de higiene e limpeza ou mesmo partes de  uma planta. Essa comunicação entre médico e paciente pode ser vital na agilização dos procedimentos, evitando maiores transtornos.

Para os médicos, o sistema nervoso será o centro das atenções, o objetivo é evitar uma lesão cerebral, uma das mais graves conseqüências das intoxicações.  “A gente trabalha com o ABC da vida, o coração tem que fazer o sangue circular, os pulmões têm que funcionar e o cérebro tem que receber oxigênio”, completa a médica. 

Para evitar conseqüências desagradáveis como essa, é importante ter em mente que uma revolução nos hábitos e lares é necessária. As crianças têm o direito de ter casa e escola seguros, seus familiares e responsáveis têm o dever de oferecer esse ambiente  de proteção. Transformar a casa e a escola em um lugar seguro é uma forma de evitar problemas futuros, como recomenda Susan Pereira. 

– É importante manter os medicamentos guardados em local seguro e não ter no jardim plantas tóxicas. Dessas, temos a comigo-ninguém-pode como a grande vilã, quando na verdade há outras plantas também muito problemáticas como a espirradeira, encontrada em pracinhas e parques de diversão. O copo-de-leite, o trevo-de-quatro-folhas e a azaléia, cultivados em muitas residências também são tóxicos. Os dormissanitários, que são produtos de limpeza e higiene doméstica, devem ser guardados em local fechado e fora do alcance das crianças. Os produtos vendidos ou guardados em embalagens não-apropriadas, como garrafas pet, também devem ser evitados, porque a criança associa a  embalagem ao refrigerante, como também se sente atraída pelas cores chamativas. Há grande volume de produto nesses recipientes e eles entornam facilmente. Outro agravante é o produto não possuir rótulo com sua composição.”

Para a especialista, a postura dos pais perante os remédios é de grande importância: os familiares e educadores devem evitar falar para a criança que a medicação é gostosa, é uma “balinha”. Deve-se dizer à criança que o remédio faz com que ela fique boa, não que é gostoso. Os medicamentos têm cada vez mais aspecto e sabor agradável,  a criança pode querer  experimentar sempre e, na ausência de um adulto, ingerir quantidade  maior e ocasionar uma intoxicação. “Entre o remédio e o veneno, por vezes, a única diferença é a quantidade”, alerta a especialista 

Tomar todas as precauções e medidas de segurança é uma maneira de evitar casos de intoxicação infantil. Uma boa dica é ter sempre à mão e  divulgar o telefone do centro de atendimento toxicológico (CIAT) a todos os conhecidos. O centro funciona 24 horas por dia e conta com profissionais de plantão, sempre prontos para dar apoio a quem necessita. Então, logo abaixo do número da polícia e do bombeiro na agendinha de telefones deve estar anotado: 0800 283 9904. Prevenção e saúde para todos!