• Edição 138
  • 7 de agosto de 2008

Ciência e Vida

Linhaça pode prevenir danos neurológicos em prematuros

Marcello Henrique Corrêa

Conhecido e importante fator no combate a problemas cardiovasculares e até contra alguns tipos de câncer, a pequena semente de linhaça pode ganhar mais um atributo positivo. Recentemente, um grupo formado por pesquisadores da UFRJ e da UFF começou a avaliar os efeitos dos componentes do alimento no sistema neurológico. O trabalho é desenvolvido sob responsabilidade da professora Maria das Graças Tavares e sua equipe, no Laboratório de Bioquímica Nutricional, do Instituto de Nutrição Josué de Castro (INJC).

A nutricionista Flávia Spreafico Fernandes, uma das colaboradoras da equipe concluiu seu mestrado na UFF e continua a pesquisa no doutorado pelo INJC, sobre os efeitos do ômega 3 – abundante na semente – no desenvolvimento cognitivo de ratos. O trabalho agora deve focar na análise dos recém-nascidos afetados pelos efeitos da baixa oxigenação, que costuma acometer os prematuros. “O que chamou a atenção foram os 57% de ômega 3 presentes na linhaça. Esse ácido graxo é fundamental na formação do cérebro e da retina, que sabemos que acontece no período perinatal (a partir do primeiro terço da gestação e durante a lactação)”, explica Flávia.

Se o estudo tiver bons resultados, a linhaça deve se tornar a fonte preferida de ômega 3, tirando o lugar do peixe, mas nada é certo ainda. “Até hoje a maioria dos estudos feitos com ômega 3 são a partir do óleo de peixe, que forma o ácido graxo docosahexaenóico (DHA), que é incorporado ao cérebro. Quando se consome peixe, o DHA já é pré-formado. A linhaça, por outro lado, forma o ácido alfalinoléico que por sua vez gera o DHA. Portanto, talvez seja uma fonte com uma conversão não muito eficiente”, pondera Flávia.

Os resultados anteriores, contudo, são promissores. Nos experimentos para o trabalho de mestrado da nutricionista, os ratos responderam bem aos experimentos. “Vimos que, em ratos, o ômega 3 teve uma boa conversão para o cérebro; os animais alimentados com a linhaça tiveram uma boa incorporação do DHA cerebral e, nos testes cognitivos, eles apresentaram um desempenho melhor do que os animais do grupo controle, cuja fonte de ácidos graxos era o óleo de soja”, relata a doutoranda.

O efeito na chamada bainha de mielina (tecido que envolve parte do neurônio) também foi considerado muito eficiente pelo grupo. Chamado de mielinização, a formação desse envoltório, composto principalmente por ômega 3, é importante para o bom funcionamento do neurônio. “A formação dessa bainha é fundamental na condução dos impulsos nervosos e da integridade do neurônio. Quanto mais estável a bainha de mielina, mais resistente é o neurônio”, esclarece Flavia.

Experimentos

Esses resultados são dos testes realizados durante o mestrado de Flávia Fernandes. Agora, o grupo que se formou se prepara para trabalhar mais diretamente com os recém-nascidos. “O que vamos conduzir agora é um experimento sob duas formas: vamos alimentar as mães durante a gestação e lactação com a semente de linhaça, comparando com o óleo de peixe e com a dieta tradicional. Além disso, vamos acompanhar outro grupo já afetado, ofertando a semente de linhaça para observar uma possível recuperação”, anuncia a pesquisadora.

Outra preocupação do grupo é avaliar qual será a melhor forma de oferecer o alimento para obter os resultados desejados. “Como a linhaça tem diversos componentes além do ômega 3, vamos fazer experimentos com a semente inteira e com o óleo, porque precisamos saber o que está de fato interferindo no resultado”, explica Flávia. A nutricionista considera a substituição do óleo de peixe pela linhaça favorável para todos. Segundo ela, o processo de obtenção de ômega 3 a partir do óleo de peixe é muito trabalhoso e o custo do produto acaba subindo, ao contrário da linhaça.

Efeitos adversos

Como quase tudo, o consumo em excesso de linhaça pode trazer alguns problemas e isso também é um dos pontos que a pesquisa pretende detalhar. O maior desafio é alcançar o equilíbrio entre os dois principais ácidos graxos: ômega 3 e ômega 6. Enquanto o primeiro é fundamental para as funções cerebral e visual, o segundo está relacionado com o crescimento. “Nos experimentos do meu trabalho de mestrado, os animais tiveram crescimento cerebral maior, desempenho cognitivo melhor, mas foram menores, cresceram menos. Além disso, as fêmeas tinham uma taxa de fertilidade menor e produziam menor número de filhotes”, relata Fernandes.

Essa segunda característica pode estar relacionada à presença de fitoestrógenos, hormônios semelhantes ao estrogênio humano. O efeito está sendo avaliado mais de perto por outros grupos de pesquisa. Por isso, Flávia recomenda cuidado e moderação na ingestão de linhaça para quem quer engravidar, porém acredita que o desequilíbrio entre os ácidos não é tão preocupante, já que a dieta humana pode se valer de outras fontes para equilibrar o consumo das duas substâncias.

A pesquisa ainda precisa alcançar um nível de segurança maior, trabalhando com modelos animais, para partir para modelos humanos em voluntários. Vale lembrar que a linhaça já é comprovadamente eficaz diante de uma série de problemas, como a redução de LDL, o chamado ‘colesterol mau’ e atuação no sistema cardiovascular.