• Edição 137
  • 31 de julho de 2008

Argumento

Escola de Saúde Mental: qualificação e inserção social

Sofia Moutinho - AgN/PV

Desde o início da década de 1970, o Brasil assiste a um movimento de reforma psiquiátrica baseado na mudança do papel do hospital e do asilo no tratamento de doenças mentais. A reforma do modelo de assistência em saúde mental é caracterizada pela reinserção social do doente através de assistência médica integral. Desde 2001, a internação deve ser, por lei, o último recurso no tratamento de doenças mentais.

O Ministério da Saúde, bem como as secretarias municipais, vem tomando diversas medidas no sentido de transformar as estratégias de assistência a pacientes com transtornos mentais. A mais recente foi a inauguração, dia 18 de julho, da Escola de Saúde Mental do Rio do Janeiro, uma parceria entre a UFRJ, o Instituto Philippe Pinel, a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro e o Ministério da Saúde que pretende qualificar profissionais da rede pública para o atendimento de doentes mentais.

A proposta de criação da escola surgiu da iniciativa conjunta do Pinel e da Coordenação de Saúde Mental do Ministério. Após o apoio e adesão da UFRJ à iniciativa, foi assinado um termo de cooperação que resultou em um convênio entre o Ministério e a Secretaria Municipal de Saúde, assinado em 2006. “O campus da Praia Vermelha é marcado pela história  da psiquiatria brasileira, desde o Hospício Nacional de Alienados, no século XIX. O Instituto de Psiquiatria da UFRJ (IPUB) e o Pinel desenvolvem há décadas projetos em parceria e a integração maior entre as duas instituições é desejável e racional. O  Ministério da Saúde apenas estimulou esta vocação, de associar a assistência e o ensino em saúde mental” disse Pedro Gabriel Delgado, professor da Faculdade de Medicina e do IPUB e coordenador de saúde mental do Ministério da Saúde.

A Escola de Saúde Mental tem por objetivo potencializar a capacidade de formação da UFRJ e de toda a rede de saúde mental do Rio de Janeiro.  Professores e alunos da universidade serão chamados a colaborar com ela e participarão das práticas de assistência. A escola será um pólo de agregação dos programas de formação continuada em saúde e sua grade de atividades será construída de acordo com a demanda da saúde pública. “Vamos realizar ao máximo o objetivo da integração docente-assistencial e da extensão, uma das missões principais da Universidade”, afirmou Pedro Gabriel completando que a escola é uma experiência-piloto integrante da reforma da saúde mental no Sistema Único de Saúde (SUS). Se os resultados forem satisfatórios, serão implantados projetos semelhantes em outros estados do Brasil.

O foco da atenção da escola incidirá sobre os trabalhadores de saúde mental do SUS no estado do Rio: psiquiatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais, enfermeiros, assistentes sociais, auxiliares de enfermagem, cuidadores, agentes comunitários de saúde e profissionais do Programa Saúde da  Família (PSF). Estes profissionais participarão de cursos de especialização (com duração média de 400 horas), de atualização (80 a 120 horas) e capacitação (40 horas), além de seminários e eventos menores. Após a conclusão dos cursos, será feito um acompanhamento de apoio tutorial e supervisão clínico-institucional para que se atinja a formação permanente. “Todos os profissionais que atendem saúde mental no SUS do estado são, potencialmente, alunos da escola e, também potencialmente, professores, porque a integração docente-assistencial será a mais dinâmica possível e a grande experiência de quem trabalha no SUS será usada em proveito da formação de todos”, disse Pedro.

Em agosto deste ano já começam as convocações para os cursos de Atualização em Saúde Mental da Infância e AdolescênciaAtenção Integral em Álcool e Outras Drogas, voltados para os médicos do PSF, e os cursos de Psicopatologia, para usuários dos serviços de saúde mental e seus familiares.

A atenção primária, definida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como o “primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade com o sistema nacional de saúde”,é uma prioridade do programa de formação permanente do SUS e de projetos como o PFS e a Escola da Saúde de Mental. “Começaremos com o curso para médicos do PSF, depois para os agentes comunitários de saúde. Um objetivo importante é formar os profissionais capazes de realizar as tarefas matrizes da atenção básica, isto é, a supervisão contínua das equipes, para o atendimento adequado das pessoas na área da saúde mental” completou o professor.

As unidades

O PFS foi criado, em 1994, como um dos projetos propostos pelo governo federal aos municípios para implementar a atenção primária através de uma estratégia de reorientação do modelo assistencial que funciona em unidades básicas de saúde, compostas por equipes multiprofissionais, responsáveis pelo acompanhamento de um número definido de famílias.

— O tema dos direitos dos usuários e de sua inclusão social é uma das vertentes éticas da Escola — afirmou Pedro Gabriel que, há muito tempo, é um adepto do processo de redução progressiva dos leitos tradicionais dos hospitais psiquiátricos em favor de uma maior atuação dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) e hospitais gerais.

Os CAPs são unidades de atendimento intensivo e diário destinadas aos portadores de doenças mentais. Estes centros constituem uma alternativa ao modelo de internações e permitem que o paciente permaneça no convívio familiar e comunitário. Desde 2002 eles são parte importante do SUS e contribuem para a atual realidade de maior inserção social dos doentes mentais.

Segundo o professor, cerca de 20% da população brasileira, além de usuários de drogas, sofrem com transtornos mentais e em 2006 houve uma considerável inversão na proporção de gastos de saúde mental. Hoje, cerca de 37% dos recursos federais do SUS na área de saúde mental vão para hospitais psiquiátricos e 63% para a rede extra-hospitalar. Uma grande mudança, se comparada com a do ano de 2002, quando 75% dos gastos eram oriundos de hospitais psiquiátricos e apenas 25% eram extra-hospitalares. 

A assistência ambulatorial tornou-se a principal ferramenta para a reforma psiquiátrica do país e vem crescendo juntamente com os CAPs que hoje já são quase 100 no estado, cada um atendendo em média 500 pacientes por mês.

— Queremos apoiar todos os serviços de saúde mental do estado a se tornarem serviços-escola. Desta forma, nos CAPs, queremos sempre estagiários de graduação da UFRJ — contou Pedro, que vê a necessidade de se organizar um bom programa de supervisão em serviço para que os CAPs possam ser “as projeções da Escola na rede de serviços” de modo que a maior parte das atividades de supervisão seja feita nestes centros. “Não concebo o projeto sem uma forte e decisiva participação dos CAPs“, completou o coordenador de saúde mental do Ministério da Saúde.

Em sua opinião, a escola trará benefícios para a sociedade e avanços na área de saúde mental: “Se tudo der certo, a Escola provará que a criatividade e a parceria entre as instituições permitem a ampliação dos programas de formação continuada, contribuindo para consolidar o SUS e ampliar o acesso ao tratamento de qualidade em saúde mental”. Porém, confessou que apesar das melhorias na área, a saúde mental, “que nos últimos 5 anos tornou-se fortemente  comunitária e não mais hospitalar, ainda precisa avançar mais,  em direção à  saúde da família e à atenção primária“, finaliza Pedro Gabriel.