• Edição 136
  • 24 de julho de 2008

Saúde em Foco

Parasitas numerosos ajudam a manter ambiente saudável, mostra pesquisa



Seres parasitários têm mais peso do que aves ou peixes em ecossistemas do Pacífico.
Criaturas produzem muita biomassa e regulam população de hospedeiros com eficiência.


Reinaldo José Lopes. Do G1, em São Paulo

Chegou a hora de abandonar o uso do termo "parasita" como um xingamento intolerável. OK, eles podem esterilizar você ou fazê-lo sangrar até a morte, mas desempenham um papel ecológico desproporcionalmente grande, afirma um novo estudo. Uma equipe internacional mediu a biomassa (grosso modo, o "peso" dos seres vivos) dos vários grupos de animais e plantas em ambientes do Pacífico e descobriu que, sozinhos, os parasitas são tão ou mais numerosos que peixes, aves e camarões, para citar apenas alguns grupos de "vida livre" (ou seja, não-parasitários).

"Acho que nosso trabalho desfaz a impressão de que os parasitas são componentes pequenos e desimportantes dos ecossistemas. Eles estavam meio invisíveis, e nós estamos fazendo com que eles ficam visíveis. É como tirar uma foto do lado escuro da Lua", afirmou ao G1 Armand M. Kuris, pesquisador da Universidade da Califórnia em Santa Barbara (EUA) e coordenador do estudo, que está na edição desta semana da revista científica "Nature".

Para ser mais exato, os parasitas podem representar até 3% da biomassa total de seus hospedeiros. É muita coisa para criaturas tão pequenas, e às vezes microscópicas, que em tese só seriam capazes de "raptar" parte do organismo de outros seres para seus fins. A conclusão foi tirada com base em medidas da biomassa em três estuários do oceano Pacífico, no estado americano da Califórnia e em Baja California, no México -- Kuris e companhia estudaram 199 espécies de animais de vida livre, 15 espécies de plantas de vida livre e 138 espécies de parasitas. Apesar da amostra relativamente limitada, o pesquisador afirma que os dados provavelmente podem ser generalizados.

"É difícil falar de um ecossistema típico, já que há muita variação. Mas muitos ecossistemas são comparáveis, e os nossos exemplos podem ser considerados um ponto médio. São simples o suficiente para que a análise seja factível -- ia ser muito difícil fazer o mesmo estudo numa floresta tropical ou num recife de coral, onde há uma diversidade gigantesca de espécies e elas estão distribuídas de forma muito desigual. Mas também são relativamente complexos e bem estabelecidos, ao contrário de áreas degradadas ou de duração temporária", argumenta.

Especialmente proeminentes na análise são os trematóides -- vermes aparentados ao causador da esquistossomose, ou barriga d'água, entre humanos. Na região estudada, certos trematóides infectam o caramujo Cerithidea californica (visto sem casca nas fotos acima), transformando o bicho, para todos os efeitos, numa máquina de fazer mais vermes. Para ser mais exato, o caramujo é castrado pelo invasor, de forma que as energias normalmente dirigidas à reprodução do bicho passam a ser sugadas pelo parasita. Em alguns casos, o número de moluscos infectados chega a ultrapassar em muito o de bichos livres.

A potência reprodutiva dos parasitas castradores é tão grande que só a biomassa de cercárias (larvas nadadoras que saem de um caramujo em busca de um novo hospedeiro) chega a ser até dez vezes maior que a das aves marinhas.

Cuidado com o que você deseja

Tudo isso tem um impacto nada negligenciável na maneira como os ambientes funcionam. Os pesquisadores citam, por exemplo, a grande produtividade (capacidade de transformar energia em biomassa) dos parasitas -- como não precisam se preocupar com busca de comida ou fuga de predadores, protegidinhos que estão no interior de seus hospedeiros, eles são quase tão eficientes nesse processo quanto plantas.

Mais importante ainda, é comum que eles manipulem o comportamento de seus hospedeiros para facilitar que eles sejam devorados por outros bichos -- espalhando-os ainda mais por outras espécies. Dessa maneira, é como se eles forjassem a cadeia alimentar com seu comportamento.

Por essas e outras, Kuris diz não ter dúvidas de que os parasitas são importantes para a saúde ecológica da Terra. "É um daqueles clássicos casos de se ter cuidado com o que você deseja. Para os hospedeiros individuais, é claro que os parasitas são ruins. É a mesma coisa com a predação -- se eu for comido por um leão, não vou ganhar nada com isso", compara. "Mas, se tirássemos todos os parasitas dos ecossistemas, situações muito bagunçadas surgiriam. É exatamente o que você vê em ambientes perturbados pela ação humana, onde os parasitas não aparecem."

 

G1, 24 de julho, Editoria Ciência e Saúde

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