• Edição 136
  • 24 de julho de 2008

Ciência e Vida

Pesquisa estuda interações entre amebas de vida livre e o ser humano



Terapia fotodinâmica pode ser opção para tratar a dermatose

-->

Priscila Biancovilli

De nome bastante familiar aos leigos, as amebas são organismos unicelulares de corpo gelatinoso, que podem assumir formas variáveis. Caracterizam-se por possuírem pseudópodos (ou falsos pés), extensões do corpo formadas a partir de uma projeção do fluido interno da célula, que ajudam na movimentação e busca de alimentos. Podem viver livremente, em especial na água, ou parasitando outros seres vivos. Curiosamente, todos os seres humanos são hospedeiros de amebas, como por exemplo, a Entamoeba coli, que compõe a flora intestinal.

Uma pesquisa do Laboratório de Bioengenharia de Sistemas, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF) da UFRJ, estuda as interações entre amebas de vida livre e o ser humano. Em parceria com a Virginia Commonwealth University, nos Estados Unidos, o estudo já descobriu alguns mecanismos de destruição de células humanas pela ameba, que ainda não haviam sido identificados. Estas amebas, especificamente, são encontradas em ambientes de água doce, como lagos, rios e pequenas poças d’água. “Quando o ser humano entra em contato com esta água, os protozoários passam a se expressar como parasitas, causando diversas doenças”, explica Fernando Costa e Silva Filho, coordenador do laboratório. Caso crianças entrem na água e ingiram estas amebas, podem apresentar um quadro de meningite similar ao causado por bactérias. Esta forma da doença ainda é pouco conhecida no Brasil.

Amebas e lentes de contato

Uma manifestação bastante comum de doenças causadas por estas amebas no Brasil está relacionada ao uso de lentes de contato. “Usuários de lentes podem apresentar pequenas feridas (ulcerações) no globo ocular, muito similares às provocadas por vírus. Nos olhos, as características de infecções por ameba e vírus são bastante parecidas. No entanto, as feridas causadas pelo protozoário podem se interiorizar e causar lesão no sistema nervoso central, especificamente no feixe nervoso que leva à formação de visão”, alerta o professor. 

– Quando este tipo de ameba infecta o ser humano, elas tendem a se prender mais a dois tecidos: o nervoso e o epitélio retiniano (da retina do olho). Daí o risco de uma criança que nade em um lago contaminado, por exemplo, sofrer algum problema no sistema nervoso central –, continua o pesquisador.

Invasivas ou não-invasivas

Em parceria com a universidade nos Estados Unidos, o estudo mostrou que um tipo específico de molécula encontrado pela ameba na membrana basal (conjunto de proteínas a que o protozoário entra em contato após a destruição da célula humana), define se ela será instruída a invadir o organismo humano, atingindo o Sistema Nervoso Central, ou a se manter no epitélio.

– Já criamos testes para dizer se uma ameba isolada é potencialmente invasiva ou não. Por exemplo, caso um paciente entre um contato com determinado tipo de ameba de vida livre e apareçam feridas em seu olho, saberemos se ela se manterá apenas no globo ocular ou provocará conseqüências mais graves, como cegueira –, esclarece Fernando.

O laboratório também trabalha na caracterização de uma molécula que se acredita existir apenas nas amebas invasivas. “Esta molécula já foi isolada, e agora estamos tentando purificá-la. Vamos verificar se ela sozinha exerce o mesmo efeito na célula que a ameba inteira. Caso isso aconteça, usaremos esta função para quem sabe gerar kits de diagnósticos de ameba a serem comercializados”, afirma o professor. O tipo de tratamento para as enfermidades causadas por amebas invasivas e não-invasivas é diferente.

Muitas vezes, mil amebas encontradas em um mesmo ambiente podem ser da mesma espécie, mas possuem subpopulações que se comportam de maneira diferente. “Quando o clínico prescreve o remédio que não traz resultados, ele está na verdade induzindo uma pressão seletiva. Isto significa que o medicamento está facilitando a proliferação dos agentes mais patogênicos, aqueles que sobrevivem ao remédio e se multiplicam”, explica Fernando. Para diminuir o risco deste problema, o clínico deve descobrir o tipo de ameba predominante no paciente e prescrever um tratamento específico.

Além do professor Fernando, participam desta pesquisa Bruno da Rocha Azevedo, aluno de doutorado do laboratório, e Francine Marciano Cabral, do departamento de Microbiologia e Imunologia da Virginia Commonwealth University.