• Edição 135
  • 17 de julho de 2008

Faces e Interfaces

Qual o limite da ciência?

Heryka Cilaberry e Rodrigo Lois

No último dia 7, na Índia, uma senhora de 70 anos deu à luz um casal de gêmeos, graças à fertilização in vitro. Os pais têm aproximadamente a mesma idade. Os bebês nasceram prematuros e com pouco peso, apenas 1,2 kg.

Novamente, a ciência proporciona novas possibilidades, como a gravidez em idade avançada. As pesquisas científicas, aparentemente, não encontram barreiras. Porém, será que essa experiência considerou questões éticas? Como será o futuro dessas crianças? Quais serão as conseqüências de um parto para um corpo já debilitado pela idade? Como fica a família na história?

Para responder a esses e outros questionamentos o Olhar Vital convidou o obstetra Ivo Basílio, coordenador do Comitê de Ética em Pesquisa da Maternidade Escola da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Lenita Panaro, médica do Serviço de Ginecologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, também da UFRJ.

Ivo Basílio

Coordenador do Comitê de Ética em Pesquisa da Maternidade Escola

“A ciência evoluiu nos últimos cem anos mais do que em dois mil anos. Essa evolução foi exponencial e continua a cada dia que passa. Para quem observa de fora, parece que não há limites, na realidade eles existem e são de dois tipos. O primeiro vem de dentro da própria ciência e é conseqüência da tecnologia que sempre andou mais devagar do que a imaginação humana. O segundo e principal limite é o que vem de fora da ciência, é imposto pela sociedade. Ela sabiamente refuta a ciência ou o cientista que extrapolou os limites da ética.

Primeiro, a natureza foi bem sábia ao encerrar a vida reprodutora da mulher por volta dos 45-50 anos, com a menopausa. Se pensarmos bem, a mulher tem, em média, 30 anos de vida fértil, pois concebendo dentro desse período, ainda terá saúde e forças para criar seus filhos. Há uma outra coisa mais importante e que não foi citada pela reportagem.

Como essa mulher tem 70 anos, seus ovários já entraram em falência, ela não tem óvulos viáveis, embora seu marido, mesmo aos 75 anos ainda possa produzir espermatozóides. Certamente essa gravidez é fruto de uma doação de óvulos de uma mulher mais nova. Logo, geneticamente, não são filhos da parturiente e sim do seu marido com a doadora dos óvulos. Acontece que o útero e todo o organismo ainda são de uma mulher de 70 anos, mantido à base de hormônios para sustentar a gravidez. Esse é um dos motivos dos filhos terem nascidos prematuros, além da própria gemelidade. Sendo assim nos perguntamos: não era mais fácil, seguro e ético esse casal ter adotado um filho?

Não resta dúvida que os avanços tecnológicos devem ser aproveitados, mas este aproveitamento deve estar sempre voltado para o bem estar social. Lembro que as pesquisas hoje em dia só são aprovadas do ponto de vista ético quando há um retorno social, que possa trazer reais benefícios à população. Servir-se da ciência para satisfazer um capricho pessoal é uma questão ética controversa e que passa obrigatoriamente por valores sociais, morais e religiosos. A ciência deve pautar-se sempre pelo social e coletivo em detrimento do individual.

Quando uma mulher, aos 70 anos, deseja engravidar novamente, mesmo que por razões culturais, já nos soa eticamente reprovável. Ainda mais reprovável é quando homens da ciência resolvem apoiar e realizar uma reprodução assistida. Pergunto-me qual o objetivo disso tudo: a fama? Satisfação do ego? Uma amostra de que nada escapa à ciência?

Estas são as principais questões: a reprodução numa idade muito avançada, incompatível com a construção de uma família saudável; e a concordância dos cientistas em realizar tal procedimento, sabendo dos riscos extremos a que esta mãe e seus bebês serão expostos.

Do ponto vista ético, o fim neste caso não pode justificar o meio. A reprodução assistida não é técnica nova, já que o primeiro bebê de proveta foi a menina Louise Joy Brown, nascida em 25 de julho de 1978, em Oldham, Manchester, Inglaterra, portanto há exatos 30 anos. Sendo assim, esse casal teve tempo de sobra para tentar uma gravidez por fertilização in vitro. Não se pode justificar agora, no fim da vida, algo que poderia ter sido tentado bem antes.”

Lenita Panaro

Serviço de Ginecologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho

“Nesse procedimento, o óvulo de uma mulher jovem cuja identidade não pode ser revelada foi colhido e unido ao espermatozóide do marido. Após ser fecundado laboratorialmente, o embrião foi implantado na idosa. Geneticamente, o filho concebido não é totalmente do casal, metade dos genes é da doadora e a outra metade é do marido.

Essa fertilização foi necessária, pois a indiana já passou pela menopausa, que acontece em torno dos 50 anos e gera a falência ovariana em relação às células que seriam fecundadas, os oócitos.

Tem sido discutido, em decorrência desse caso, o risco para uma pessoa de idade avançada conceber uma criança com defeitos genéticos, mas esse é, praticamente, igual ao que corre a população em geral. Porque o óvulo utilizado na fertilização de pessoas idosas é, geneticamente falando, de boa qualidade, já que pertencia a uma mulher jovem. Ainda que o marido da senhora tenha 75 anos, o sistema reprodutor do homem é bastante diferente do feminino, pois fabrica espermatozóides a cada 70 ou 80 dias, então é constantemente renovado. Assim, não há grandes problemas para a formação genética da criança. A antecipação do nascimento dos bebês inclusive pode não estar relacionada à idade da mãe, como vem se atribuindo. Muito frequentemente, nos casos de gravidez gemelar, as crianças não chegam ao fim da gestação e nascem prematuras.

O papel da ciência em relação à ética é difícil de ser analisado, pois o médico não pode decidir com rigidez o desejo das pessoas. Muito provavelmente, quando essa paciente procurou a clínica de fertilização, foram explicadas todas as situações e riscos possíveis desta gravidez. Passado esse período, não se pode mais interferir, já que, hoje em dia, a longevidade vem aumentando. Já há quem atinja os 100 anos. Então, nós médicos, não podemos fazer uma avaliação, determinando a idade que essa pessoa vai falecer e por isso, negando-lhe a possibilidade de gerar um filho. Se a pessoa mais idosa recorre à fertilização in vitro, podem ser discutidos os problemas para a paciente, mas se ela persistir com a idéia, não existe um problema ético. Devemos ser coerentes com as nossas posições, seria desaconselhável uma pessoa com essa idade ter filhos, mas se não conseguimos dissuadir, há resultados positivos como o da indiana, pois ela e os bebês passam bem.

No caso da gravidez, é preciso ter em mente que a gestação castiga o corpo de qualquer mulher. Principalmente a função renal, já muito exigida, para uma pessoa de 70 anos o efeito é ainda maior, pois ela normalmente já tem suas funções fisiológicas alteradas. Não houve muitas referências à saúde dessa senhora, se ela sofria de diabetes ou hipertensão, enfim alguma doença degenerativa, que seriam impeditivas para uma gravidez mais tranqüila.

O antiético nesse caso pode advir do fato dela desejar apenas uma criança do sexo masculino, pois já possuía duas filhas e necessitava de um herdeiro. Apesar de haver clínicas de fertilização que permitem a escolha do sexo da criança, esta seleção é proibida. Deve-se implantar e aguardar para ver o resultado. Se as crianças fossem meninas, ela teria que passar por uma nova gravidez e empenhar mais recursos na fertilização.

Quando tratamos de mulheres de etnias diferentes da nossa, é mais difícil a análise de questões éticas. Ela já havia sido mãe, atendeu o instinto materno quando criou as duas filhas. Então, não se sabe até que ponto essa gravidez não é a satisfação de uma vontade somente do marido e de suas crenças.”