• Edição 135
  • 17 de julho de 2008

Por uma boa causa

Amazônia sustentável: como aliar crescimento e conservação?



Priscila Biancovilli

Uma das questões centrais relativas ao desenvolvimento econômico brasileiro reside na boa administração da Amazônia. Maior floresta tropical do planeta, de inestimável valor sócio-ambiental, a região sofre há décadas com o desmatamento sem controle, a biopirataria e a extração clandestina de madeira, apenas para citar alguns exemplos. No último mês de maio, o Governo Federal lançou oficialmente o Plano Amazônia Sustentável (PAS), em parceria com os governadores dos estados da Região Amazônica (Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins). Sob coordenação do ministro extraordinário do Núcleo de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, o plano visa conciliar a preservação da floresta ao desenvolvimento da região, através de ações estratégicas.

Fim da Amazônia

De acordo com o professor Reinaldo Bozelli, do Laboratório de Limnologia do Instituto de Biologia da UFRJ, o fim da Floresta Amazônica ainda não deve ser encarado como uma realidade plausível. “Hoje temos grandes regiões definidas como áreas de preservação. Porém, sabemos que algumas delas possuem pouco controle e fiscalização, infelizmente. Ainda assim, é alarmista e irreal afirmar que o fim da Amazônia está próximo, pois medidas de controle já foram tomadas”, explica Bozelli.

Entretanto, os dados sobre a devastação da Amazônia continuam alarmantes. Imagens de satélite do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) revelam um aumento de mais de 100% na área desmatada, de abril de 2007 a maio de 2008, comparado aos doze meses anteriores. Numa escala maior, percebeu-se uma tendência decrescente de desmatamento nos últimos anos, que voltou a crescer no período 2007-2008. Observa-se hoje uma média de 2 mil km2 por mês de destruição, o que equivale ao município do Rio de Janeiro. “A situação é bastante grave. Mas a Amazônia é tão gigantesca que, mesmo assim, cerca de 80% da mata ainda se mantém intacta”, argumenta Reinaldo.

Conseqüências da destruição

De acordo com o professor, a devastação completa da Floresta Amazônica colocari em risco a vida humana. “Estamos ligados intrinsecamente aos bens e serviços da natureza. O ar, a água e o alimento de que dependemos não podem ser produzidos de forma artificial. Assim, qualquer prejuízo a este sistema nos afeta, seja a curto ou longo prazo”, alerta.

A recente crise mundial de alimentos levantou a hipótese de se transformarem áreas florestais em espaço de cultivo. Estes espaços, porém, não se mantêm sem a existência de ambientes naturais. “A desestruturação de áreas como a Amazônia causa um impacto forte sobre o ciclo da água, a circulação dos ventos, o padrão climático de chuvas, estiagem, verão e inverno, as relações entre as espécies animais e muitos outros aspectos. Precisamos pensar a Terra como um sistema vivo que guarda relações entre seus componentes. Uma desestruturação pode gerar problemas gravíssimos para a manutenção da vida humana”, alerta o professor.

Crescimento econômico

Entre as prioridades do PAS está o combate ao desmatamento ilegal, a recuperação das áreas já desmatadas, com aumento da produtividade e recuperação florestal, e a reestruturação do sistema energético e de transportes. Uma das críticas feitas ao plano, porém, é o excesso de atenção dedicado às obras de infra-estrutura, sub-valorizando a importância da preservação.

– Este é um ponto conflitante. A história mostra experiências desastrosas de construção de hidrelétricas na Amazônia. Tucuruí é um destes casos. Houve a tentativa de construção de uma usina numa área florestal, que causou uma inundação e graves conseqüências para a floresta e a população que vivia ali. As construções gigantescas, sejam elas estradas, portos ou hidrelétricas, sempre geram impacto. Porém, há formas de lidar com isso, como através da elaboração de estudos de impacto ambiental e a indicação de medidas de mitigação”, explica Reinaldo.

Países desenvolvidos

A expansão demográfica do mundo contemporâneo gerou uma pressão pelo desmatamento. A Europa, centenas de anos atrás, possuía 7% das florestas do planeta. Hoje, este valor não passa de 0,1%. A Ásia guardava quase 25% de florestas, número que hoje não passa de 5%.

– A devastação das florestas européias, ao contrário do que muitos pensam, trouxe um grande prejuízo ambiental. Eles destruíram seus biomas como recurso energético, mas hoje estes recursos podem ser comprados em outras regiões do mundo, com o dinheiro acumulado pelas nações ricas. Os rios perderam suas qualidades e características originais, mas eles podem despoluir, purificar e recuperar os ambientes. Se a água potável se esgota, pode-se dessalinizar a água do mar, tudo isto a um preço que certamente os países subdesenvolvidos não conseguem pagar –, esclarece o professor.

A Floresta Amazônica, apesar do tamanho, é finita. “A questão colocada é que talvez se alcance um patamar de perda do sistema que seja irreversível. Uma destruição de, por exemplo, 70% da mata acarretará um prejuízo enorme para o Brasil e o mundo. Haverá desperdício de recursos farmacêuticos, genéticos e aquáticos, biodiversidade e qualidade de vida, entre outros aspectos”, afirma Reinaldo.

Este problema não deve ser considerado meramente estético. O debate em torno da preservação na Amazônia não leva em conta a beleza das árvores ou dos animais que convivem ali. Este sistema passou por uma evolução biológica de milhares de anos, e ali estão estabelecidas relações entre seres microscópicos, macroscópicos, animais, plantas e fungos que são desordenadas e perdidas. A floresta é resultado de um processo evolutivo. O cuidado não implica em torná-la intocável, implica, sim, em reconhecer seu valor dentro do sistema terrestre e aumentar o poder de decisão da população local sobre o futuro daquela região”, finaliza o professor.