• Edição 132
  • 26 de junho de 2008

Ciência e Vida

Pesquisa busca novas formas de desenvolver biocombustíveis


Priscila Biancovilli

Com o encarecimento dos combustíveis derivados do petróleo, torna-se de fundamental importância para a sociedade o desenvolvimento de fontes alternativas de produção de energia. O Brasil é hoje o maior produtor mundial de etanol a partir da cana-de-açúcar, fator que impulsiona de maneira decisiva a economia nacional. Entretanto, o percentual de aproveitamento deste vegetal ainda pode ser aumentado, e muito. Pesquisadores do Laboratório de Ecologia Molecular, do Instituto de Microbiologia da UFRJ, estudam formas de melhorar a eficiência da produção destes biocombustíveis.

– Atualmente, quando extraímos o caldo da cana, utilizado pelas leveduras para produzir o etanol, aproveitamos somente um terço da planta. Os outros dois terços, correspondentes ao bagaço, são descartados ou sub-aproveitados. Porém, este material é bastante rico em celulose, e estamos estudando a possibilidade de utilizá-lo também. Os sistemas de obtenção de celulose hoje em dia não funcionam muito bem, pela falta de conhecimento científico na área. Esse aproveitamento trará diversas vantagens, como o barateamento da produção, aumento da eficiência do plantio e, conseqüentemente, aumento também da competitividade no mercado externo. Praticamente 100% da cana poderá ser transformada em bioetanol –, explica Alexandre Rosado, professor do Instituto e coordenador do laboratório.

Este trabalho é parte da tese de mestrado do aluno André Castro, orientado pelos professores Alexandre Rosado, Rosalie Coelho (do Instituto de Microbiologia) e Elba Bon (do Instituto de Química).

Intestino de peixes

Há dois anos, o grupo liderado por Alexandre começou a estudar a diversidade microbiana do intestino de peixes da família dos cascudos. Foram selecionadas espécies presentes no estado do Rio de Janeiro, em rios da Mata Atlântica. Esses animais se alimentam basicamente de matéria orgânica vegetal. Os pesquisadores se interessaram em estudar bactérias do intestino desses peixes capazes de quebrar a celulose, uma molécula longa e dura, e um dos principais constituintes das plantas.

Para degradar a celulose, os peixes necessitam manter uma associação simbiótica com bactérias que vivem em seu intestino. “Graças a estes microrganismos, chamados celulolíticos, eles são capazes de viver à base desta matéria orgânica vegetal. Essa relação de simbiose não existe apenas nos peixes. Os cupins, por exemplo, só conseguem “comer” a madeira porque possuem microrganismos capazes de quebrar a celulose. Se estas bactérias fossem removidas, o cupim morreria de fome”, destaca o professor.

A idéia dos pesquisadores, então, foi buscar um arsenal de bactérias novas e não estudadas. Hoje em dia, somente de 1% a 10% dos microrganismos são conhecidos, e isto limita bastante as possibilidades de desenvolvimento científico. “Sempre devemos buscar coisas novas, enzimas melhores ou combinações mais eficientes, algo que estamos tentando desenvolver agora”, frisa Alexandre.

O grupo já separou para estudo duas espécies de bactérias. Elas foram selecionadas por produzir muita celulase, enzima que quebra as partículas de celulose em partes menores. A próxima etapa é caracterizar bioquimicamente os diferentes tipos de celulase, avaliando formas de combiná-los para aumentar a eficiência da quebra da celulose.

Bromélias

Outra pesquisa desenvolvida no laboratório estuda os microrganismos presentes na água de bromélias. A aluna Flávia Lima desenvolveu uma dissertação de mestrado neste tema, em parceria com o professor Fábio Araújo, da UERJ. “Trabalhamos com duas espécies da plantas, uma delas existente apenas no estado do Rio de Janeiro, na Serra da Tiririca. As bromélias formam um pequeno ‘copinho’ em seu interior. Dentro dela, existe uma concentração muito grande de microrganismos do entorno, que ainda não foram devidamente estudados. É importante ressaltar que, nesta análise, usamos as técnicas da biologia molecular e também da microbiologia, como por exemplo, amplificação de seqüências de DNA específicas, DGGE e seqüenciamento de DNA , que permite a identificação de diferentes microrganismos em uma amostra”, explica Alexandre.

Tanto nas bromélias quanto no intestino dos peixes, foram descobertas grandes quantidades de novos microrganismos. Existe, portanto, um potencial imenso nesta área.

– No momento atual, não tenho a menor dúvida de que o grande diferencial na obtenção do bioetanol mais barato virá da microbiologia. Essa busca de microrganismos que produzam enzimas celulases trará inúmeras possibilidades para o desenvolvimento de novos combustíveis. Será possível, no futuro, fazer combinações de diferentes celulases para aumentar a eficiência do processo de produção do etanol –, finaliza o professor.