• Edição 131
  • 19 de junho de 2008

Notícias da Semana

Moacyr Scliar ministra palestra sobre História da Medicina

Seiji Nomura - AgN/PV

O ano da chegada da família Real portuguesa ao Brasil também marcou a criação das Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia. Como parte dos eventos que comemoram os 200 anos da ocasião histórica, a Faculdade de Medicina da UFRJ promoveu em conjunto com a Associação Brasileira de Educação Médica o “Congresso de Educação Médica Regional RJ−ES”.

Um dos destaques dessa edição é o foco na importância do ensino da história da medicina, assunto tratado na palestra dessa quinta-feira, 19 de junho, por Moacyr Scliar, escritor membro da Academia Brasileira de Letras e médico. “Os estudantes de medicina geralmente não gostam de estudar a história de sua área. Mas esse saber pode proporcionar visões mais amplas sobre o tratamento de saúde”, declarou o estudioso, ao iniciar a sua exposição.

O imortal apresentou imagens de diversas esculturas, pinturas e gravuras que ilustram como as práticas médicas foram se alterando com o tempo. Para ele, as fases dessa história não são sucessivas e excludentes, de forma que até hoje, práticas com características de outros momentos ainda se perpetuam. Muito do que hoje se chama de medicina alternativa, de acordo com o palestrante, faz juz à fase da medicina mágico-religiosa, por exemplo.

Ao apresentar a foto de uma estátua da deusa asteca da fertilidade, Scliar destaca que na época desse povo, o parto corria quase sempre sem assistência e muitas vezes a mulher estava trabalhando e interrompia o que estava fazendo para dar a luz e depois continuava o serviço. “A figura, além de ser um ícone protetor, também mostra a posição que a grávida deve tomar para um melhor seguimento do parto sem assistência, de cócoras. A aparente irracionalidade desses costumes esconde também racionalidades”, apontou, ressaltando o valor da fase mágico-religiosa.

Scliar mostrou também outros exemplos, como a tripanação ritual realizada por feiticeiros como possível cura rudimentar da época para certos males como derrames cerebrais, levantados pelo professor como uma das possíveis principais causas de morte na época. Quando o profissional da saúde simplesmente ignora essa cultura, ele pode acabar causando conflitos. “O maior exemplo desse tipo de engano foi a Revolta da Vacina, no Rio de Janeiro. Uma das causas do conflito foi que os funcionários simplesmente forçavam a aplicação do método, usando inclusive o exército”, explicou.

De Hipócrates à Pasteur

O que marca a transição da medicina mágico-religiosa para a empírica é, em grande parte, a obra de Hipócrates, considerado o pai da medicina. “Embora não se saiba ao certo quanto dos estudos hipocráticos foi realizado por ele ou por seus alunos, a importância do grego é gigantesca. Ele teve a coragem de afirmar serem terrenas doenças que eram consideradas de fonte divina. Por menos, Sócrates fora obrigado a tomar arsênico”, lembrou o palestrante. De acordo com ele, o médico grego também lançou as bases da epidemiologia, ao escrever que é preciso olhar para o ambiente à volta das pessoas para entender as doenças e ao afirmar que esse meio as condiciona.

Ainda assim, os estudos do grego não seguem os ditames da ciência atual. “Hipócrates se baseava em observações empíricas, mas sem realizar pesquisas mais elaboradas”, explicou.

O palestrante também alegou que Idade Média não foi uma era de grandes avanços no campo médico. “Uma das instituições que se iniciou nesse período foi o hospital, mas este ainda era um local onde as pessoas passavam por cuidados religiosos enquanto aguardavam a morte”, continuou.

Quando a tela exibiu uma imagem de um homem trajando longas vestes e uma máscara com um bico que se assemelha ao de uma ave e carregando uma comprida varinha, Scliar esclareceu, “A peste negra matou cerca de um terço da população européia nos tempos medievais. Os médicos andavam pela rua para identificar as pessoas que estavam mortas para serem enterradas e a máscara servia para protegê-los do cheiro que emana dos corpos em decomposição. A vara era para cutucar quem estava jogado pelo chão e verificar se estavam realmente mortos e evitar que enterrassem alguém vivo. Como a Medicina melhorou!”, brincou por fim.

Com o advento da anatomia e da microbiologia, as práticas da saúde foram se aproximando das que conhecemos hoje. A passagem para a medicina científica se desenvolveu também com a criação das primeiras escolas médicas, no final da Idade Média para o início da Era Moderna. O palestrante apontou pontos também importantes, como a invenção do microscópio pelo cortineiro Van Leeuwenholk (embora não tivesse ainda uso médico) e o surgimento da primeira vacina, antes do conhecimento microbiológico. “Isso aconteceu porque, em um surto de varíola, se percebeu que certas pessoas apresentavam uma resistência muito maior à doença. Elas contraíam varíola da vaca e produziam anticorpos. Philippes testou a substância em um menino, em seguida o inoculando com a varíola humana (em um procedimento que seria extremamente repudiado hoje) e comprovou sua hipótese”, nos contou.

Para Scliar, um dos grandes marcos da medicina científica foi o médico francês Louis Pasteur, inventor da pasteurização e um dos maiores disseminadores da idéia de que formas microscópicas de vida eram responsáveis pelas enfermidades.

No Brasil, um dos maiores seguidores de Pasteur fora Oswaldo Cruz. “Ele foi tanto um dos maiores responsáveis pela melhora na saúde pública quanto um tirano que não respeitava a cultura popular. Ele ajudou muito o país ao promover projetos que diminuíram os focos de febre amarela e as populações de ratos urbanos, assim como estruturou partes do sistema de vacinação. Mas o seu autoritarismo e o dos outros sanitaristas foi uma das principais causas para a Revolta da Vacina”, afirmou o professor.

— Dessa quase guerra civil, ficou a lição de que a saúde pública não é só vacina. A história da medicina e as diferentes culturas devem ser levadas em consideração quando se tenta instituir certas práticas. Considero que o ensino da História da Medicina seria uma adição importantíssima que poderia ser aplicada no Brasil —, concluiu Moacyr Scliar.

As discussões sobre este e outros assuntos continuam até o dia 21de junho, compondo as diversas atividades do II Congresso de Educação Médica da Regional RJ/ES. A programação completa pode ser conferida no site.


Fórum de Residência Médica Regional

Cinthia Pascueto - AgN/PV

O II Congresso de Educação Médica da Regional Rio de Janeiro−Espírito Santo, está sendo realizado na UFRJ, teve início nessa quarta-feira, dia 18, e conta com uma vasta programação científica, como pré-congressos, painéis, oficinas e conferências ao longo dos quatro dias do evento. No primeiro, o II Fórum Estadual de Residência Médica do Rio de Janeiro integrou as atividades de abertura.

Segundo Rosane Goldwasser, da Coordenação de Atividades Educacionais (CAE) e coordenadora da residência médica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), durante o Fórum será discutido com toda a comunidade que coordena a residência médica no estado do Rio de Janeiro, uma resolução da comissão da residência médica, instituído em 2002, caracterizando algumas especialidades que requerem pré-requisito para poder cumprir o programa de residência. “Vamos então fazer uma análise sobre os reflexos dessa resolução nos últimos cinco anos” diz a professora, que destaca também a importância dessa discussão para a UFRJ.

− Dentro da Faculdade de Medicina da UFRJ, temos diversas áreas hospitalares, a maior delas é o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho. Apenas lá, temos por volta de 300 residentes em treinamento. São médicos que se formaram e estão fazendo uma pós-graduação de 60 horas semanais, treinados por nossos preceptores, médicos e professores para ingressar no mercado de trabalho. Esses novos profissionais formados pela UFRJ estão, portanto, sob a ordem de resoluções como as discutidas nesse Fórum −, aponta Rosane.

O Fórum Estadual de Residência Médica, organizado pela Comissão Estadual de Residência Médica (CEREME/RJ), sob o apoio do congresso da Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM), abre a discussão com o homenageado do evento, José Carlos Souza Lima, psiquiatra e recém nomeado secretário executivo da Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), por seu trabalho junto aos programas de residência médica.

O especialista inicia sua fala lembrando que o Fórum coincide com diversas comemorações importantes, como os 200 anos do Ensino médico no Brasil, os 30 anos de promulgação da Alma Ata, realizada na então União Soviética, estabelecendo os cuidados primários de saúde, e os 60 anos da residência médica no Brasil e sua regulamentação na década de 70 pelo Ministério da Educação, com a criação da Comissão Nacional de Residência Médica, que regula toda a disciplina no país. “A residência é a principal forma de especialização do profissional de medicina, a mais completa e a melhor estruturada, de acordo com conceitos em diversos outros países, não apenas no Brasil”, alega o professor.

Especialidade

Na discussão sobre os impasses e avanços relacionados à resolução que define alguns pré-requisitos para especialidades médicas, o  Fórum contou com Evandro Guimarães de Souza, assessor da CNRM, que explicou esses pré-requisitos: abrangem desde disciplinas obrigatórias e freqüência mínima a obrigatoriedade da clínica médica. No que concerne à clínica médica, havia o problema da falta de residentes para o segundo ano e, em muitos casos, o tempo de um ano era insuficiente, o que levou à obrigatoriedade de dois anos. Isso, no entanto, passou a prejudicar algumas especialidades, que começaram a ser menos procuradas. “Muitas especialidades podem ser aprofundadas num período menor de tempo. A obrigatoriedade do período de dois anos para a clínica médica, retarda a entrada do médico recém-formado no mercado de trabalho, o que pode levá-lo a optar por uma especialização latu sensu, em lugar da residência, ou até mesmo a outra especialidade, se as vantagens de determinada área não alcançarem suas expectativas, tanto em oportunidades quanto em renda”, explica o especialista.

− Estudos realizados nos Estados Unidos comprovam que quanto maior o rendimento possibilitado por determinada especialidade médica, maior a sua procura. No Brasil não é diferente. O mercado de trabalho influencia. É necessário ampliar as vagas e os incentivos, como bolsa auxílio, para as especialidades em residências pouco procuradas – aponta Evandro, ao que José Carlos completa: “é necessária a criação de programas fechados, com base em questões da sociedade, estabelecendo diretrizes de acordo com cada especialidade, relacionada, e otimizando, o que é necessário aprender ainda na graduação”, disse o psiquiatra.

Como exemplo de uma especialidade de baixa procura na residência médica, Marcos Eduardo Machado Paschoal, pneumologista do HUCFF, aponta as dificuldades encontradas no preenchimento de vagas em seu setor. “A pneumologia já apresentava um declínio anterior à legislação, que se acentuou. O tempo de duração é conflitante e, ao mesmo tempo, apresenta uma área de atuação restrita”, lembrando que, no caso da dita competição entre residência e cursos de especialização, o diploma do Ministério da Educação (MEC) dado a residentes apresenta o “padrão ouro”, segundo a legislação de 1981. “Apesar do peso maior dado até pouco tempo às especializações, não se pode esquecer que a residência apresenta uma carga horária anual de 2.880 horas de seus estudantes”, defende o professor.


Novas perspectivas na educação médica

Kareen Arnhold - AgN/PV

Personalidades da área médica do Rio de Janeiro se reuniram no Palácio Universitário da Praia Vermelha nesta quarta-feira, dia 18, para dar início ao II Congresso de Educação Médica da Regional RJ−ES. Com o tema central “200 anos de Educação Médica no Rio de Janeiro”, o evento comemora o bicentenário da Faculdade de Medicina (FM) da UFRJ. A vice-reitora da universidade, professora Sílvia Vargas, presidiu a mesa de abertura.

Fazendo um balanço de dois séculos sobre as escolas de medicina do Brasil − que passaram de duas, em 1808, para 175, em 2008 −, o presidente da Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM), Milton Arruda Martins, destacou a influência que a FM, a segunda criada no país, exerce ainda hoje. Com ele, concordou o vice-reitor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), Pedro Jutuca.

– O contato da UniRio com a UFRJ vem de longe, porque temos muito a aprender em medicina com a antiga Universidade do Brasil. Por isso, cultivamos uma troca constante, inclusive com professores em comum.

Após lembrar a criação de escolas médicas no país – possível com a vinda de D. João VI à colônia –, o decano do Centro de Ciência da Saúde (CCS), Almir Fraga Valadares, observou a permanência de um aspecto comum depois de tanto tempo passado:

– Com todo o avanço tecnológico, que nos permite hoje ter os instrumentos complementares e fundamentais para a transmissão de conhecimento, continua insubstituível a relação médico-paciente, médico-estudante, professor-estudante. Permanece o lado afetivo, emocional, pessoal.

Em tom diferente dos demais membros da mesa, o presidente da regional Sudeste da ABEM, Francisco Barbosa, reconheceu a importância das grandes conquistas na área de ensino médico, mas lembrou das dificuldades que ainda existem, colocando aos demais o objetivo central do congresso:

– Não é raro se ouvir dizer que o Brasil é um país que não tem memória. No momento atual da educação médica, o desconhecimento se explica, em grande parte, pela ausência de uma disciplina: a história da medicina. No entanto, esse congresso precisa ser mais que história; precisa ser reflexão sobre os rumos da educação médica.

Além das pessoas citadas, compuseram a mesa de abertura do II Congresso de Educação Médica da Regional RJ−ES o sub-secretário de Saúde do município, Valmir Pessanha; o diretor do Instituto de Psicologia (IP), Marcos Jardim; o coordenador discente da ABEM, Henrico Stut, a representante da Secretaria de Estado de Saúde, Sueli Pinto; e o diretor da Faculdade de Medicina da UFRJ, Antônio Ledo.