• Edição 130
  • 12 de junho de 2008

Faces e Interfaces

Biólogos graduados em curso à distância têm registro profissional vetado


Priscila Biancovilli e Marcello Henrique Corrêa

Em resolução publicada no último dia 3 de junho, o Conselho Federal de Biologia (CFBio) determinou que estudantes graduados em cursos de Ciências Biológicas à distância não podem obter o registro da profissão. Sem o reconhecimento da formação de biólogo, estes profissionais não estarão aptos a exercer atividades relacionadas à área, como trabalho em laboratórios ou pesquisas de campo. No entanto, as atividades de magistério são permitidas, pois não exigem registro do CFBio. A Secretaria de Educação à distância do MEC já manifestou sua discordância à determinação do Conselho, e tomará as medidas cabíveis para reverter a situação.

A questão surgiu após o interesse dos alunos recém-formados em buscar o registro profissional nos conselhos regionais de todo o Brasil. Esta polêmica suscita algumas questões: os estudantes formados nos cursos à distância possuem a mesma qualificação profissional daqueles que completaram os cursos presenciais? Como proceder caso este registro não seja cedido? Para esclarecer estas questões, convidamos Irene Garay, vice-diretora do Instituto de Biologia da UFRJ, e Ricardo Iglesias, coordenador do curso de licenciatura em Ciências Biológicas à distância e professor do Instituto de Biologia da UFRJ.

Irene Garay

Vice-diretora do Instituto de Biologia da UFRJ

“Gostaria de, em primeiro lugar, situar o problema da educação à distância. Na realidade, se trata de cursos que são de caráter semi-presencial, que adota metodologias pedagógicas novas. Pensar um curso como esse implica uma tecnologia avançada que podemos dizer que, no futuro, podem ser aplicadas em cursos presenciais.

Esses cursos têm, por exemplo, vestibular e a relação candidato/vaga é da ordem de dez para um. Isso quer dizer que há uma demanda que está reprimida, no caso do curso de Biologia. É importante ressaltar que somos uma Universidade pública, responsáveis pelos pólos que se encontram inseridos dentro de um sistema de descentralização. No caso, os pólos se situam no interior do Rio de Janeiro. Esses pólos existem sob responsabilidade de professores tutores, bolsistas, formadas em terceiro ciclo, selecionados por meio de concurso público, e não de qualquer maneira. Esses tutores, por outro lado, são coordenados por professores de nossa Universidade, com doutorado. Além disso, existe um material didático necessário, elaborado por professores e coordenadores da UFRJ.

Creio que não faz nenhum sentido esse tipo de decisão. Acredito que, em geral, as associações de classes e os sistemas educativos tendem a ser conservadores. Igualmente, isso significa também uma proteção frente a mudanças que nem sempre lhes são convenientes. Nesse caso, creio que parte de uma grande incompreensão. O Ensino à Distância (EAD) não é, na verdade, um ensino a distância como poderíamos conceber há 20 ou 40 anos. Trata-se de um sistema pedagógico totalmente novo. Penso que a decisão do Conselho Federal de Biologia (CFBio) parte de um desconhecimento dos procedimentos que são implementados nos chamados cursos à distância.

É necessário dizer que alunos dos cursos semi-presenciais às vezes também são nossos estagiários na Iniciação Científica. Ou seja, é um caminho em construção que obedece a uma demanda do País. É necessário situar em um contexto político o problema do Ensino Superior. Temos, no Brasil, apenas 2% dos jovens que conseguem ingressar e, em geral, essa pequena parcela são jovens que moram nas grandes cidades.

O que quero ressaltar é que há um sistema de exclusão terrível da pessoa que habita o interior do estado. Há uma distância também muito grande entre Ensino Médio e o ensino universitário de excelência. Nesse caso, o objetivo de cursos semi-presenciais, a partir do ponto de vista de uma política pública, é abrir a universidade para jovens excluídos e que, na maioria dos casos, já estão no mercado de trabalho (professores adjuntos da rede pública). Então, se trata de pagar uma espécie de dívida de caráter social com respeito ao interior do Rio de Janeiro.

Nesse sentido, não sei se é válido comparar necessariamente quantas horas de trabalho prático são realizadas. O que me parece válido é analisar se esses cursos semi-presenciais são cursos de excelência. Avaliar se estamos, em uma universidade pública, garantindo a melhor formação possível.

Em relação à possível carga horária abaixo do mínimo desejado, vale ressaltar que é importante uma adequação atual entre a lei de diretrizes e bases educacionais e todos os cursos das universidades. Isso não toca somente o ensino à distância. Com respeito a esse tipo de ensino, ele cumpre plenamente com as exigências da lei, já que oferece 3300 horas. O curso é concluído entre oito e dez semestres. Portanto, do ponto de vista normativo, não existe problema. Na verdade, diria que alguns cursos de biologia nas universidades públicas que ainda não se adequaram e que estão em processo de adequação à lei. Estamos vivendo esse processo. Por exemplo, a extensão, que deveria ter 10% da carga horária, é raramente incorporada no curso. E nós sabemos que a universidade pública tem uma vocação tripla, que é o ensino, pesquisa e extensão.

Visto todo esse contexto, creio que é um equívoco considerar que os profissionais egressos da EAD não estão habilitados. Os diplomas têm o respaldo da UFRJ, que passou por toda essa análise da nossa Universidade. Os alunos passam por provas teóricas, provas práticas e participam de discussões na Internet. O que acontece é que o avanço tecnológico possibilitou que tivéssemos sistemas de controle educacionais diferentes dos tradicionais, sem uma prova escrita em sala, por exemplo. Independente disso, o material é de excelência, feito pelos melhores professores de nossa Universidade. Não há razão para considerar que os formados pelo EAD não estão suficientemente capacitados. Admitir isso seria questionar todo nosso sistema educativo, nossos diplomas e os professores do Instituto de Biologia e de outros institutos, lembrando que se trata de um consórcio de seis universidades do Rio de Janeiro. Isso me parece muito grave”.

Ricardo Iglesias

Professor do Instituto de Biologia e Coordenador do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas à Distância da UFRJ

“Na minha opinião, há um profundo desconhecimento do Conselho Regional de Biologia sobre o que é de fato o sistema de ensino à distância. Quando se fala sobre isso, a primeira impressão das pessoas costuma ser a de que se trata de um curso por correspondência. Antes de mais nada, o curso é semi-presencial. Este sistema propicia ao aluno a experiência em laboratórios e trabalhos de campo. A grande diferença é que as aulas teóricas não são ministradas no sistema tradicional.

Este curso existe em dezessete pólos no Estado do Rio de Janeiro. Cada um deles possui laboratórios de física, química e biologia, completamente equipados, e onde se realizam as aulas práticas. Os trabalhos de campo são feitos em grupo, geralmente aos sábados e domingos. Além disso, cada disciplina conta com um professor que fica no pólo, e os estudantes podem esclarecer dúvidas e receber aulas. Portanto, este sistema não é 100% à distância. Hoje até mesmo alunos do curso presencial podem fazer matérias dentro desta modalidade.

Algo que devo destacar é que concluir este curso é muito mais difícil para os alunos. Aqueles que conseguem finalizar este curso estão muito mais maduros e auto-didatas que os alunos do curso presencial. Eu gostaria muito que todos os estudantes do Brasil pudessem ter acesso aos cursos tradicionais, mas esta não é a nossa realidade, infelizmente.

A tecnologia à distância aproveita muito as potencialidades da web. Uma das novidades mais recentes são as conferências. Os alunos se reúnem no pólo, e o professor ministra uma palestra à distância. Ao final, pode-se fazer perguntas e tirar dúvidas. Além disso, existem os tutores de cada disciplina, em geral alunos dos cursos de doutorado, que tiram dúvidas através de um telefone 0800.

O aluno à distância tem a plataforma completa para adquirir o conhecimento necessário de cada disciplina. Fora isso, exige-se um tempo de estágio em escolas, para os alunos da licenciatura.

Dizer que este aluno não pode ter o registro de biólogo é, antes de mais nada, um desconhecimento do que é o curso à distância, o que abre margem para o preconceito. O MEC (Ministério da Educação) reconhece nosso curso de licenciatura. O sujeito sai apto a ser professor e fazer concurso. Dos mais de duzentos estudantes que começaram a primeira turma do curso, formamos apenas vinte e três. Muita gente ainda não conseguiu concluir.

Na hora em que demonstrarmos para o Conselho Federal de Educação como funciona o curso, não tenho a menor dúvida de que este problema será solucionado”.