• Edição 130
  • 12 de junho de 2008

Por uma boa causa

Estupro: o perverso prazer de violar

Marcello Henrique Corrêa

Tentar explicar o que a sociedade não admite é a tarefa da editoria Por uma boa causa desse mês. Durante o mês de junho, o Olhar Vital trata das parafilias, as chamadas perversões sexuais, condenáveis ou não pela justiça. Na semana passada, o leitor entendeu os detalhes da pedofilia e do crime que esse tipo de perversão configura. Nessa edição, outro crime entra em foco: a violência sexual. A psicologia do estuprador será analisada, ajudando a entender os detalhes desse tipo de comportamento.

O crime de estupro é caracterizado, de acordo com o artigo 213 do Código Penal Brasileiro, por constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça. As estatísticas mobilizam diversas ONGs e instituições de defesa da mulher. Só no Rio de Janeiro, foi divulgado um aumento de 7% de casos do tipo entre 2006 e 2007. A média é de cerca de quatro mulheres violentadas por dia, de acordo com o Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro.

Do ponto de vista psicológico, quem faz a análise é Marta Rezende, professora adjunta do Instituto de Psicologia da UFRJ, do Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica e departamento de Psicologia Clínica. Segundo ela, a sensação de poder sobre a vítima é ponto fundamental do comportamento do criminoso. “Na situação perversa de estupro, situação de transgressão, a relação é regulada pelo exercício de um poder aniquilador sobre o outro”, explica a professora.

Transgressão e domínio

O conceito de transgressão chama a atenção da análise da psicóloga. De acordo com Marta Rezende, a idéia de uma transgressão pulsional ajuda na análise do assunto. “Como metáfora de um atravessamento pulsional no território egóico, a expressão vem invocar a noção de fronteira, de limite, noção das mais importantes em Psicanálise”, expõe. “O domínio do outro e a transgressão de seus limites, como resposta psíquica extrema, arcaica, estão sempre presente na vida psíquica, já que dela é constitutiva”, completa a professora.

Negação da passividade

Para Marta, o estuprador nega uma suposta posição de passividade, o que resulta no comportamento violento. “Assim como outras respostas de caráter perverso, o estupro envolve, dentre vários outros aspectos, a ‘transformação no contrário’ de um estado de passividade absoluta diante do outro, cena traumática a ser repetida de forma compulsiva”, explica. “O caráter onipotente que o estuprador assume junto às suas vítimas dá mostras da ação desse mecanismo psíquico elementar, baseado na reversibilidade de posições”, esclarece a psicóloga.

Segundo a professora, a experiência do estupro está ligada, ainda, com o comportamento narcísico, ou seja, a anulação da vontade do outro: a vítima. “Quando a vítima se torna prisioneira da sedução perversa, sedução de tipo imaginário, ela se vê negada em sua alteridade, ou seja, na singularidade de seu desejo”, explica. “Se não há, neste caso, uma verdadeira abolição do outro, trata-se, no entanto de um outro sem existência própria, já que só existe confundido com a fantasia do próprio perverso”, complementa.

Compulsão

Para a psicóloga, é difícil que um estupro seja um ato isolado, episódico. Segundo ela, é comum que a compulsão pelo ato venha como conseqüência do comportamento. “Há a insistência ‘demoníaca’ do excesso de energia sexual, manifesto na própria repetição compulsiva do ato perverso, em suas múltiplas modalidades”, detalha a professora. Para ela, é impossível controlar a força pulsional, ponto fundamental no desenvolvimento do comportamento violento. “Há apenas atuação dessa força, o sujeito passando, portanto, a ativo, mas sem dela poder se apropriar, sem poder ligá-la, ou recalcá-la”, finaliza Marta.