• Edição 127
  • 21 de maio de 2008

Ciência e Vida

Medicamento mais eficaz contra tricomoníase está próximo, revela estudo


Marcello Henrique Corrêa

Novos frutos de anos de trabalho de combate à tricomoníase (doença sexualmente transmissível) podem estar surgindo. A doença, causada pelo parasita Trichomonas vaginalis, faz cerca de 200 milhões de vítimas por ano no mundo todo, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Contudo, passos importantes para mudar essa realidade foram dados, a partir de um estudo feito em parceria da UFRJ e da Fundação Oswaldo Cruz. Pela UFRJ, contribuem o Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCFF) e o Instituto de Química; na Fiocruz, o trabalho é desenvolvido no Instituto Oswaldo Cruz.

A pesquisa, coordenada por José Batista de Jesus (que passou pela UFRJ, Manguinhos e hoje é professor da Universidade Federal de São João del Rei, em Minas Gerais), mapeou o proteoma do protozoário, feito inédito que gera dados para uma análise mais precisa do parasita, garantindo diagnósticos e tratamentos mais eficazes. A partir desse mapeamento, viu-se que a presença do ferro é um importante diferencial na expressão de características mais agressivas do parasita, conforme explica Fernando Costa e Silva Filho, professor do IBCFF e integrante do grupo de pesquisa.

— Nossas discussões apontavam que a doença se manifestava com maior ou menor intensidade dependendo da quantidade de ferro na secreção vaginal —, conta o pesquisador. Segundo ele, o grupo observou que a agressividade do parasita está muito relacionada à presença desse elemento químico, que varia de paciente para paciente.

O objetivo do grupo era entender que características do organismo do protozoário causavam esse comportamento. Para isso, os pesquisadores monitoraram quais são as proteínas que o Trichomonas vaginalis sintetiza. A partir desse levantamento (o proteoma) foi possível identificar em que condições o processo ocorre. Foi estudado o padrão protéico total: do proteoma ao genoma. “Vimos que o protozoário nasce com uma informação no seu genoma. Essa informação vai se expressar ou não, dependendo do que o ambiente instruir”, explica Costa e Silva.

Benefícios da pesquisa

Segundo o professor, os resultados da pesquisa já poderão ser percebidos em curto prazo. Ele explica que há dois aspectos principais que podem mudar efetivamente o processo de tratamento da tricomoníase. O primeiro deles é o diagnóstico. Para o pesquisador, o mapeamento vai garantir um diagnóstico preciso, já que a simples análise visual do parasita pelo microscópio pode falhar, pois o protozoário pode alterar seu formato, também por influência do ferro.

De acordo com Fernando Costa e Silva, o percentual de diagnósticos errados é bastante expressivo. O professor conta que, há algum tempo, o grupo trabalhou na tese de uma pesquisadora do Instituto de Ginecologia, a respeito da tricomoníase. Os pesquisadores do laboratório fizeram uma revisão de 72 casos suspeitos, em que a chance de tricomoníase foi descartada. Desses, 48 revelaram-se positivos.

— Isso significa que o tratamento usado para essas pacientes não foi direcionado para matar um protozoário, mas para matar um vírus ou uma bactéria —, explica Costa e Silva. “Uma das pacientes que acompanhamos permaneceu com secreção vaginal por três anos e dois meses, tendo até sangue no corrimento vaginal, apresentando já um quadro de ulceração no útero, por conta desse protozoário”, acrescenta o especialista, apontando o estágio de gravidade que o problema pode alcançar.

O segundo aspecto importante na aplicação prática dessa pesquisa é no campo dos medicamentos. Atualmente, a medicação padrão para a tricomoníase é o metronidazol. Contudo, a droga pode causar efeitos nocivos ao organismo humano. “O metronidazol não é específico contra uma molécula em particular do parasita. Na verdade, ele atua com o objetivo de interromper sua respiração. Entretanto, reações semelhantes que o parasita utiliza para respirar são usadas também por células do paciente”, explica o professor.

No caso de uma droga produzida a partir das informações coletadas pelo estudo, esse problema seria resolvido. “Quando conseguimos identificar as moléculas específicas do parasita – aquelas que não são encontradas no ser humano – há a possibilidade de se estabelecer um alvo para se produzir uma droga nociva ao o protozoário”, esclarece o professor, lembrando nenhum medicamento é totalmente seguro e que os resultados podem variar de pessoa para pessoa.

Próximos passos

Agora, as metas do grupo são relacionadas à análise in vivo do protozoário. Segundo o professor, os resultados alcançados pelo grupo se referem ao comportamento do parasita em ambientes de duas dimensões, como lâminas de microscópio e tubos de ensaio, o que não corresponde ao ambiente do corpo humano.

— Os protozoários interagem com o tecido humano em três dimensões. Estamos construindo esse ambiente, a partir de pequenas moléculas agregadas em três dimensões, onde colocamos o parasita para observar se ele se comporta da mesma forma que vimos em duas dimensões —, explica o professor. “Para os próximos passos, precisamos observar se as expressões dessas moléculas podem ocorrer de fato em tecido humano e não só em condições de laboratório”, completa.