• Edição 126
  • 15 de maio de 2008

Faces e Interfaces

Espinafre pode acelerar crescimento muscular

Jefferson Carrasco e Marcello Corrêa

Há muito se sabe, uma dieta rica em folhas é bastante saudável. Entretanto, um estudo da Universidade de Rutgers, de Nova Jersey, nos EUA, apontou uma possível relação dos esteróides presentes na verdura e o aumento da velocidade de crescimento muscular. Segundo o estudo, quando os esteróides têm contato com tecido muscular humano, o processo é acelerado em até 20%. Além disso, o grupo atestou o aumento da força, por meio de avaliações em camundongos.

Apesar da inevitável associação com a infalível fórmula do marinheiro Popeye, especialistas alertam que não se trata de uma solução milagrosa e imediata. Além disso, a substância encontrada no espinafre também está presente em outros vegetais.

De qualquer forma, uma dieta rica em proteínas e atividades físicas ainda é o caminho mais recomendado para alcançar a boa forma física. É o que afirmam as especialistas ouvidas pelo Olhar Vital, para esclarecer essa e outras dúvidas sobre o assunto.

Lenita Zajdenverg

Professora adjunta do Serviço de Nutrologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho

“Sobre as propriedades de alimentos no fortalecimento muscular; antes de falar dos fito-esteróides, precisamos considerar que o fator principal para o desenvolvimento da musculatura é o consumo de proteínas. Elas podem ser encontradas em frango, carne e peixe. Esse tipo de proteína que tem os aminoácidos essenciais é a responsável por esse efeito. É por isso que uma pessoa desnutrida, de privação protéica, terá perda muscular como primeiro reflexo. Não há como falar em ganho muscular sem falar em proteínas.

É evidente que qualquer alimento que possa fornecer, mesmo de forma alternativa, um potencial saudável, seja no desenvolvimento de músculos, seja na prevenção de doenças, será muito bem-vindo. É interessante ressaltar alguns pontos relevantes dessa pesquisa, para entendê-la melhor. Primeiro, a pesquisa foi feita em ratos e não em humanos. Talvez o perfil de absorção desses esteróides seja diferente em seres humanos. Eles foram bem claros, falta extrapolar em humanos. A quantidade percentual de gramas inseridas no organismo do rato, se for comparada ao perfil humano, corresponderia a quantidades imensas para ingestão. Não seria correto dizer: ‘o espinafre leva a ganhos musculares’. A quantidade estimada de um quilograma por dia pode também ser variável, devido a essa diferença de potencial de absorção entre os animais.

Mesmo considerando que a substância foi posta em contato com tecido humano, não significaria concluir que o efeito em humanos foi comprovado. Quando falamos de pesquisas em alimentos, é muito complicado chegar a qualquer conclusão imediata. Por exemplo, a ingestão de espinafre associada à arroz e feijão é diferente da cozida em forma de suflê. A absorção pode ser modificada, pois a forma como o alimento é manipulado interfere bastante nesses resultados. Independente disso o espinafre é um excelente alimento, uma das melhores fontes de ferro.

Contudo, é importante ressaltar que há pessoas que têm restrição à verdura. Uma pessoa com insuficiência renal crônica, terá perda de massa muscular. Entretanto, se esse indivíduo comer espinafre em excesso, pode sofrer algumas consciências, piorando seu quadro, por conta da quantidade de potássio contida no espinafre. Mesmo que a pessoa não tenha essa restrição específica, há alguns casos que merecem atenção. Se o consumo de espinafre for associado a um alimento rico em cálcio, a absorção de cálcio pode ser comprometida, por conta da competição entre os nutrientes. Portanto, a pessoa pode até comer muito espinafre, mas não junto com derivados do leite. Além disso, se for consumido em grande quantidade, por ter muita fibra pode causar diarréia. Nada em excesso é bom.

Não temos como predizer se um possível tratamento com essa substância acarretará efeito colateral. O fato de ser proveniente da natureza não garante nulidade de efeito adverso. Qualquer suplemento alimentar, antes de ser usado, precisa passar por uma avaliação de segurança. O fato de ser planta não quer dizer que não seja tóxico em quantidades excessivas. Se o esterol é retirado da planta e colocado em quantidades muito grandes em cápsulas, por exemplo, torna-se um produto completamente diferente do que se pode comer na alimentação diária. Ainda não é possível dizer o que pode ser feito com essas substâncias.

Esperamos que as pessoas não encarem essas possibilidades como um modismo ou uma solução milagrosa para seus problemas. Em pesquisa alimentar, é preciso ter muita cautela para avaliar. Quando surgiu o modismo de que berinjela abaixava o colesterol, o que não foi comprovado, havia pessoas que comiam quilos de berinjela à milanesa. É claro que isso não ia ter nenhuma eficácia, pois o alimento nesse caso era preparado com óleo e ovo, entre outros.

O conteúdo de massa muscular é, principalmente, herdado. Portanto, o perfil genético é muito importante nesse caso. Algumas pessoas não vão conseguir ficar com um corpo de herói. É preciso saber o limite de sua própria hereditariedade. Independente disso, se a pessoa quer ser um atleta de alta performance, por exemplo, tem como chegar a esses resultados por meio de atividades físicas, associadas a uma dieta rica em proteína, sempre orientado por um profissional. O ideal é o equilíbrio.”

Martha Sorenson

Professora adjunta do Departamento de Bioquímica Médica do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ

“Os dois compostos usados no trabalho são bastante semelhantes e são, ambos, produzidos nessas plantas. Eles sugerem, os autores do trabalho de pesquisa, que a planta talvez produza esses esteróides para se proteger dos insetos. Isso faz com que ele mude o casco, quando eles precisam crescer. É claro que uma planta que faz isso conseguirá atrapalhar a vida daquele inseto que poderia estar comendo as folhas do vegetal. A produção de tecido pela planta provavelmente é uma defesa contra insetos predadores.

Por acaso, há uma analogia com hormônios anabólicos esteróides humanos. Os vegetais têm algumas substâncias comparáveis às humanas, como o próprio esteróide considerado e a insulina. Dessa forma, quando o músculo é mergulhado nisso, o tecido ‘olha’ para a molécula e acha muito parecido com testosterona. No caso da testosterona, ela interage com um receptor que vai para o núcleo e estimula a síntese de proteína. O grupo de pesquisa, além disso, demonstrou também um aumento de força.

O postulado do grupo coloca que os esteróides agem diretamente no receptor de androgênio; chegaram, também, à conclusão que, de fato, os esteróides provavelmente não vingam nesse receptor, mas agem mais tarde, na continuidade do processo. Viram que não adianta aumentar a concentração do princípio ativo, pois o processo continua retardado. O músculo dispõe de várias vias de sinalização que permitem controlar hipertrofia e atrofia. Dependendo da situação, cada via é ativada. Em exercício, é uma; em doença, pode ser outra. Acontece que os esteróides entram por uma dessas vias, aumentando a síntese protéica, capaz de levar a um crescimento muscular de até 20%. Essa síntese protéica é medida pela quantidade de aminoácidos incorporados.

A pesquisa poderia acabar resultando em uma espécie de anabolizante natural, mas é bem possível que a substância tenha outros efeitos. Como demonstrado, aumentam a síntese protéica; o resultado desse processo é um aumento de diâmetro das fibras musculares. Com isso, o músculo fica mais tonificado. A pesquisa, no caso, conseguiu medir a força em um ratinho, alimentado com o princípio ativo, em extrato.

Não dá para dizer se as pessoas teriam um aumento da força sem a prática de exercícios. O fato de que o rato não foi treinado, mas apenas submetido aos testes, sugere algo do tipo. Contudo, tradicionalmente, esses hormônios todos funcionam muito melhor se o indivíduo está se exercitando ao mesmo tempo em que se alimenta. Talvez os resultados fossem melhores se os ratos estivessem sob treinamento.

Diria que esse trabalho é razoável. Talvez sua parte mais interessante seria o fato de existir uma substância capaz de atrapalhar os insetos. Como a planta elabora suas defesas contra as pragas, talvez seria interessante analisar a possibilidade de usar um desses compostos ativos para atrapalhar o ciclo de vida de pragas, especificamente de pragas e mosquitos, atrapalhando a mudança de caso ou o processo de ovogênese (criação dos ovos). Quanto à questão sugerida pela pesquisa em si, há uma outra: não sou simpatizante do uso de anabolizantes, causam um estrago imenso. Além das características secundárias sexuais, aumentam o coração e podem mudar até a personalidade das pessoas. As quantidades usadas pelas pessoas, muitas vezes, são gigantescas, o que os torna ainda mais perigosos.”