• Edição 124
  • 30 de abril de 2008

Faces e Interfaces

Água em excesso faz mal?

Priscila Biancovilli

Beber água faz bem à saúde. Esta frase, incontestavelmente correta e mencionada dia após dia por pais, avós, tios, médicos e professores, corresponde a uma das máximas mais comuns na rotina de muitas pessoas. Um estudo conduzido recentemente por pesquisadores da Universidade da Pensilvânia (Estados Unidos) soou como uma bomba aos defensores do bom e velho copinho d’água a cada dez minutos. Os estudiosos alegam que a substância não constitui uma versão realista do elixir da vida, como muitos acreditam, e que sua ingestão em excesso pode até mesmo causar prejuízos à saúde.

Os médicos Dan Negoianu e Stanley Goldfarb atestaram, por exemplo, que o consumo suplementar de água – quando não se tem sede – não causa nenhum benefício ao organismo. Além disso, a ingestão exagerada do líquido provocaria danos nos rins, já que o órgão teria de trabalhar mais intensamente. Para avaliar esta polêmica, convidamos os professores Sueli Carneiro, vice-chefe do serviço de Dermatologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, e Egivaldo Fontes, chefe do setor de Diálise do Serviço de Nefrologia do mesmo hospital.

Sueli Coelho da Silva Carneiro

Vice-chefe do serviço de Dermatologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho

“Como todos sabemos, a ingestão regular de água é fundamental para a saúde do organismo, o que obviamente inclui a pele - maior órgão do corpo humano. A quantidade necessária depende da temperatura do ambiente, evaporação (suor), massa corporal, sexo e idade do indivíduo. A falta de água no organismo pode levar à desidratação da pele, com aumento do pregueamento cutâneo e, em situações extremas, palidez e necrose (morte de uma parte do tecido da pele). As conseqüências do excesso da ingestão de água não estão muito claras para mim. O limite pode variar de acordo com o exposto na pesquisa.

Outros prejuízos da falta de hidratação na pele são o surgimento de rugas precocemente, mais profundas e em maior quantidade, bem como manchas diversas. Apesar de muitas pessoas creditarem o aparecimento de espinhas (etiopatogenia da acne) ao excesso de ingestão de gorduras e à falta de água, não existe uma relação clara entre estes fatores. A pele saudável depende da saúde geral do indivíduo, da alimentação e dos hábitos de vida. Tomar sol nos horários adequados, manter uma alimentação balanceada, praticar atividades ao ar livre, controlar o estresse e beber líquidos regularmente são ações que colaboram para a saúde como um todo, e isto se reflete na aparência da pele. A pele é o reflexo do estado do organismo.

A eliminação de toxinas prejudiciais ao organismo, que podem danificar a pele, acontece de diversas formas. Os metabólitos, produtos tóxicos gerados pelo metabolismo (transformação) de diversas substâncias nos organismos vivos, podem ser excretados pelos rins e eliminados pela urina, ou metabolizados pelo fígado e transformados em metabólitos não tóxicos, ou excretados pelo tubo digestivo após metabolizados, ou ainda podem ser eliminados pelo aparelho respiratório, saliva e suor. A engrenagem do organismo humano, como vemos, é bastante complexa, e sua saúde depende da hidratação permanente. A eliminação dos metabólitos pela urina, por exemplo, acontece devido à ingestão de água, bem como a excreção pelo tubo digestivo.”

Egivaldo Fontes

Chefe do setor de Diálise do Serviço de Nefrologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho

“Assim como o planeta Terra, em que a água ocupa três quartos de sua superfície, por coincidência ou não, ela ocupa cerca de 70 a 75% do nosso corpo, distribuída em todas as células e tecidos, principalmente em nossos pulmões (86%), fígado (86%), sangue (81%), coração, músculos, cérebros e outros órgãos com aproximadamente 70 a 75% de água. À medida em que envelhecemos, o conteúdo de água se reduz, até que após os 60 anos, temos cerca de 50% de água em nosso corpo. Não é à toa que a água é um elemento essencial a todas as células, para o adequado funcionamento no nosso organismo, sem a qual a vida não seria possível.

Há um equilíbrio estreito entre a ingestão de água diariamente e os osmoreceptores (células nervosas especializadas, no hipotálamo do cérebro), que atuam regulando o ganho ou a perda de água pelo corpo, principalmente pelos rins, na urina, através da ação de um hormônio chamado antidiurético (ADH). Ela também é regulada pela pele, na transpiração, pulmões, pela respiração, e fezes. Quando nosso organismo acusa pouca água, como acontece em casos de desidratação, sentimos sede a nossa urina sai concentrada e em menor quantidade. Quando há muita água em nosso corpo, a sede diminui e ocorre um aumento da urina para ajustar o conteúdo de água. Desta forma, a água é mais do que importante, ela é o nosso próprio corpo.

Beber água regularmente varia entre os indivíduos e sofre influência de vários fatores como tipo de alimentação, ambiente frio ou quente, entre outros. A água que ganhamos diariamente tem que ser perdida pela pele, pulmões, fezes e principalmente pelos rins. Em geral uma pessoa adulta deve ingerir cerca de 30 a 40ml/kg de água por dia, para manter o equilíbrio, mas esta quantidade pode variar caso a caso. Uma boa ingestão de líquidos por dia (água pura e outros líquidos) gira em torno de 1.500 a 2.000 ml. Há casos em que necessitamos mais, em época de calor, ou menos, quando no frio.

A ingestão de água é regulada pela nossa sede e osmoreceptores, portanto o organismo acusa a sua falta ou excesso. Esta regulação pode sofrer interferência em casos de doenças, pessoas idosas, acamadas, sem acesso aos líquidos, quando dependem de terceiros. Qualquer indivíduo deve ingerir água à medida que seu próprio organismo solicita, entretanto há casos em que, por orientação médica, deve-se ingerir mais água que a quantidade habitual, como acontece em pessoas com cálculos ou desidratadas. Entretanto, nem todas as pessoas podem ingerir líquidos livremente, em grande quantidade, principalmente aqueles que têm doenças como insuficiência cardíaca ou disfunção renal, em que a quantidade de líquidos do corpo é eliminada com mais dificuldade, às vezes com edemas (inchação).  Nestes casos, a ingestão excessiva de líquidos é prejudicial à saúde, podendo levar a complicações como piora da função cardíaca, hipertensão arterial, falta de ar e edemas em graus variados. Caso ocorram estas situações, deve-se buscar ajuda médica de urgência para correção do problema”.