• Edição 124
  • 30 de abril de 2008

Ciência e Vida

Pesquisa na área de mielopatia ganha fôlego com financiamento


Tatiane Leal

Pesquisa desenvolvida pela pesquisadora Juliana Echevarria investiga o comportamento de uma proteína em pacientes infectados pelo vírus HTLV, que entre outras doenças, pode gerar a mielopatia. “Uma parte desses pacientes desenvolve uma doença inflamatória crônica, a mielopatia associada ao HTLV. O indivíduo tem uma inflamação crônica na região da medula espinhal. Isso faz com que ele vá perdendo gradualmente a capacidade motora e vá para a cadeira de rodas”, explica a professora adjunta do departamento de Imunologia do Instituto de Microbiologia Paulo de Góes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IMPPG/UFRJ).

Essa pesquisa recebeu, recentemente, a aprovação de um financiamento de 10 mil dólares da TWAS (Third World Academy of Sciences, ou Academia de Ciências dos Países em Desenvolvimento), uma sociedade científica internacional de estímulo à pesquisa em países em desenvolvimento. “A mielopatia acomete os países tropicais, como o Brasil e toda a América Latina. Há uma falta muito grande de pesquisa nessa área. Uma doença infecciosa de países pobres tem muita carência de estudos. Acredito que isso também tenha sido uma motivação para que eu conseguisse esse financiamento”, aponta Juliana Echevarria, que realizou mestrado e doutorado no Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF) da UFRJ.

- Durante o meu pós-doutorado, eu comecei a pesquisar uma proteína que tem bastante importância nas respostas inflamatórias da doença. O objetivo do trabalho era estudar essa proteína em linfócitos TCD4 e TCD8, que são as células de defesa que são infectadas pelo HTLV e que vão promover a lesão da medula espinhal –, explica a bióloga, que realizou o pós-doutorado na Fundação Oswaldo Cruz – “Então, eu queria ver se existia uma diferença na expressão dessa proteína em indivíduos infectados pelo HTLV e nos não infectados. E, tentar relacionar isso com a quantidade de vírus existente nas células desses pacientes”.

Os resultados mostraram que os indivíduos infectados pelo HTLV apresentam uma diminuição da expressão dessa proteína. Agora, o desafio de Juliana é entender a relação dessa proteína com o aparecimento da doença. Dos infectados pelo HTLV, apenas 5% desenvolvem a mielopatia. Os outros pacientes são assintomáticos. Com isso, podem estar transmitindo o vírus sem saber, o que ocorre por relação sexual, transfusão de sangue, compartilhamento de seringas e de mãe para filho, por meio da amamentação.

A pesquisadora esclarece que os dados epidemiológicos que existem sobre essa infecção são apenas os provenientes de bancos de sangue, já que a análise de infecção do HTLV é obrigatória para a doação. “Se a pessoa nunca doou sangue e nunca teve que fazer um exame desse tipo, ela não sabe se está infectada. Em geral, os assintomáticos descobrem a doença porque foram doar sangue ou porque têm algum parente infectado que apresentou sintomas. Na Fiocruz, é feita uma análise das famílias, para tentar reconhecer qual foi o tipo de transmissão. Há filhos, que tiveram o vírus transmitido pela mãe, que são acompanhados desde bebês”, ressalta a bióloga.

Nessa pesquisa atual, a proteína vem sendo estudada em outros contextos. “Quero estudar a participação dessa proteína na diferenciação de células dendríticas obtidas desses pacientes, ou seja, que apresentam os antígenos para as células de defesa, os linfócitos. Eles, que vão promover o desenvolvimento dessa doença, precisam reconhecer esses antígenos. É necessário descobrir o que os leva a migrarem pra medula espinhal e, assim, desenvolverem a patologia. Pretendo relacionar esses resultados com as outras células que já estudei, além de tentar entender porque existe a diminuição da expressão dessa proteína em infectados e em que isso favorece ao vírus”, analisa a pesquisadora.

Entender as relações da proteína com a mielopatia, pode ajudar na compreensão da doença. Quanto ao desenvolvimento de um tratamento a partir das descobertas, ainda é muito cedo para fazer uma previsão precisa, sendo possível apenas o levantamento de questões. “Essa proteína transporta elementos de dentro da célula para fora. Então, pode-se descobrir que se um desses produtos que ela está transportando ou deixando de transportar é importante. Com isso, poderia haver um tratamento alvoterapêutico não da proteína em si, mas com foco em algum produto que ela esteja transportando”, pensa Juliana, que emenda que talvez leve alguns anos até o alcance de uma conclusão desse tipo.

Atualmente, o tratamento que existe para a mielopatia é imunosupressor, ou seja, de redução da atividade dessas células de defesa, os linfócitos. Mas, Juliana Echevarria afirma que, por ser feito a base de corticóides, nem todos os pacientes respondem eficientemente ao tratamento. Já para os assintomáticos, não há um tratamento, já que imunosuprimir um paciente que está bem de saúde torna-o vulnerável a doenças oportunistas. O que é feito é um acompanhamento desses pacientes, para que caso desenvolvam algum sintoma, sejam medicados rapidamente e possam até mesmo evitar o desenvolvimento da doença até um patamar extremo.

A pesquisadora afirma que o tempo de diagnóstico da doença é importante para o tratamento. “Existem dois grupos de pacientes. Há os de evolução típica, que demoram vários anos até chegar à cadeira de rodas e os de evolução mais aguda, que em pouco tempo tornam-se ‘cadeirantes’. Geralmente, quando os indivíduos descobrem que está acontecendo alguma coisa de errado eles já estão com dores nas pernas, a lesão já está acontecendo. Se um paciente está infectado e apresentando os sintomas há muito tempo, provavelmente a lesão dele é maior e tem mais facilidade de evoluir rapidamente”, explica.