• Edição 123
  • 24 de abril de 2008

Por uma boa causa

Vale (quase) tudo para se proteger da dengue

Marcello Henrique Corrêa

Para continuar a série de reportagens sobre a epidemia de dengue confirmada, na última semana, como a maior da história do Rio de Janeiro, com 92 mortes registradas, o Por uma boa causa aborda alguns dos métodos alternativos usados pela população para se proteger do mosquito e da doença que continua fazendo vítimas no estado.

Os métodos foram submetidos à análise de Mário Alberto Silva Neto, vice-diretor do Instituto de Bioquímica Médica (IBqM-UFRJ). Atualmente o professor realiza experiências com o mosquito Aedes aegypti, transmissor da doença, avaliando o efeito de repelentes como complexo B e a borra de café.

No caso da borra de café, fórmula que vem circulando pela internet há algum tempo, o professor afirma efeito comprovado, dividido em duas consequências principais. Segundo ele, a borra tem um efeito primário, que é manter o potencial local de depósito livre de água. Além desse, há um segundo efeito, no campo da atuação das moléculas na alteração dos processos do organismo do mosquito.

— A molécula de cafeína, em outros sistemas biológicos, aumenta a concentração de cálcio dentro da célula, inibe uma enzima chamada fosfodiesterase e, portanto bloqueia moléculas importantes para que as células sinalizem umas às outras — explica o professor. Segundo ele, nesse caso, se há um mosquito se desenvolvendo naquele ambiente, seu sistema de sinalização será afetado pela cafeína e outras moléculas presentes na borra de café.

Além deste, outro método que ficou conhecido como uma fórmula eficaz contra o mosquito é o uso de complexo B. “Desde a década de 1960, se especula o funcionamento do complexo B. Ele já foi testado para vários mosquitos, principalmente Aedes, e ele não tem qualquer efeito”, garante o especialista. Segundo ele, apesar de suprir carências nutricionais e melhorar o metabolismo, tais substâncias não têm efeito algum contra o mosquito da dengue, seja passando na pele ou ingerido.

O conselho de Mário Silva Neto é de que, caso o cidadão queira lançar mão de repelentes, use o repelente químico. Entretanto, para que seja eficaz, o produto deve ter em sua composição uma substância chamada DEET (sigla para dietiltoluamida). “Esse repelente é consagrado por vários laboratórios por todo o mundo e está presente na maioria dos repelentes químicos presentes no mercado”, avalia o professor. Segundo ele, formulações na faixa de 7% a 20% são as recomendadas – formulações mais baixas para crianças e mais altas para adultos, conforme o grau de exposição.

Vinagre

Para integrar o arsenal de combata à doença, o vinagre surgiu como uma alternativa também viável. A substância já foi utilizada pela prefeitura de Piracicaba. Há alguns anos, os agentes de saúde da cidade orientam moradores a acrescentar 5ml do produto para cada 100ml de água parada.

O professor afirma não ter visto nenhum trabalho científico sobre o uso de vinagre no combate ao vetor da dengue, Mário Silva Neto acredita que o efeito esteja relacionado à alteração do pH da água, que por sua vez afetaria a sobrevivência das larvas.

Citronela

Segundo o especialista, há algo de útil no efeito repelente alcançado a partir do uso do óleo de citronela, mas os resultados são muito inferiores aos dos repelentes tradicionais. “Eu não recomendo o óleo de citronela para uso pessoal”, alerta o professor. Segundo ele, a substância pode ser relativamente útil para o uso em ambientes, mas é só.

Pesquisas no combate ao vetor

Enquanto diversos métodos são considerados, pesquisas nos laboratórios são desenvolvidas, tentando combater o problema da melhor forma possível. No caso do laboratório do professor Mário Silva Neto, a idéia é combater o mosquito no ato da picada. “O ideal seria se nós tivéssemos moléculas que fossem disparadas quando o mosquito fosse infectado, acionando um novo repertório de proteínas, desligando o programa de vida do mosquito. É esse tipo de coisa que estamos estudando no laboratório”, acrescenta o pesquisador.

Apesar de existirem formas variadas de combater o Aedes aegypti, o professor considera, assim como a maioria dos pesquisadores envolvidos com a epidemia de dengue, o combate exclusivo às formas adultas um caminho errado. “Uma estratégia de proteção de uma epidemia urbana não pode passar somente pelo combate às formas adultas. É necessário evitar ao máximo a continuidade do ciclo de vida, antes que os mosquitos cheguem às formas adultas”, aconselha Silva Neto.

Esse esforço em evitar a forma adulta do mosquito é justificado pela dificuldade em se combatê-los, após o ciclo completo. Os principais obstáculos estão relacionados à capacidade de voar do inseto, além da dificuldade de se desenvolver inseticidas eficazes. “A velocidade com que a indústria farmacêutica consegue desenvolver novos inseticidas é muito inferior à capacidade dos mosquitos de desenvolverem resistência”, explica o especialista.

Para o professor, mais importante que achar repelentes poderosos ou inseticidas mais eficazes, a chave do problema está em trabalhar o saneamento público e aumentar o conhecimento da população sobre o assunto.