• Edição 120
  • 3 de abril de 2008

Ciência e Vida

Queratina em pena de galinha: utilidade vinda do lixo

Priscila Biancovilli

Uma pesquisa do Instituto de Microbiologia da UFRJ apresentou uma nova utilidade a um material até então descartado pela indústria avícola. As penas de galinha, resíduo agro-industrial de baixa importância, agora podem ser aproveitadas sob diversas formas. Levando-se em conta que o Brasil é o maior exportador de frango do mundo, e terceiro maior produtor, pode-se ter uma idéia mais ampla da dimensão de lixo produzido diariamente, e a importância que uma pesquisa desta linha traz para a indústria brasileira e a sociedade como um todo. 

- Essa pesquisa surgiu através da nossa vontade de começar a trabalhar em algo aplicado, de importância para a sociedade e o país. Claro que toda pesquisa básica é importantíssima também, pois dela surgem outras descobertas relevantes. No entanto, já havíamos trabalhado em uma série de pesquisas básicas, estava na hora de inovar -, explica Alane Beatriz Vermelho, professora do Instituto de Microbiologia – Laboratório Proteases de Microrganismos - e coordenadora da pesquisa.

Produção da queratina

O grande trunfo deste trabalho está na descoberta de microrganismos que conseguem “quebrar” a queratina da pena de galinha (num processo chamado cientificamente de hidrólise) e então produzir uma série de derivados a partir dele. A queratina é uma estrutura bastante rígida. Por se tratar de uma proteína de proteção (encontrada nos cabelos, unhas, cascos, escamas, penas), resiste fortemente às enzimas digestivas.

Alguns produtos já são fabricados com pena de galinha, como por exemplo, a farinha que gera uma ração e se torna alimento para as próprias aves. “Entretanto, este material não possui nenhum valor nutritivo significante, pois a queratina é muito difícil de ser digerida. Basicamente, este processo é feito para reciclar as penas, porque se considerarmos os termos nutricionais podemos ver que a contribuição é pequena”, afirma a professora.

- Quando visitei a indústria avícola Rica, recolhi todo o lixo produzido pelas aves (incluindo penas e restos da farinha) e selecionamos alguns microorganismos capazes de degradar a pena -, continua. Esta é uma coleção que cresce a cada dia. Parte dela já está depositada na Fundação Oswaldo Cruz. Estes microorganismos (bactérias e leveduras) possuem uma enzima chamada queratinase, capaz de quebrar a queratina da pena e possibilitar sua absorção pelo organismo.

Benefícios

Este material “quebrado” (ou hidrolisado) possui uma série de aplicações biotecnológicas. “Temos uma aluna que desenvolve uma pesquisa com Biofilmes, um material semelhante ao plástico que pode ser utilizado como curativo, ser moldado para se transformar em utensílios domésticos, entre outras funções. Nos Estados Unidos, os biofilmes são usados até mesmo como filtros de ar condicionado”, enumera Alane. A vantagem deste plástico está sobretudo em seu poder de biodegradação. O plástico derivado do petróleo leva décadas até ser totalmente decomposto pela natureza. Outra vantagem é que, além de ser moldado para a fabricação de utensílios, existe também uma possibilidade de ele ser aplicado na pele para facilitar a absorção de medicamentos. “Queremos fazer um teste com substâncias cicatrizantes envolvidas neste biofilme, para avaliar o que acontece”, explica a professora.

Nos Estados Unidos, um tipo de enzima (queratinase) já é comercializada industrialmente com o propósito de quebrar a queratina da ração de pena de aves e permitir a digestão do alimento pelas aves.

- Outra pesquisa que desenvolvemos também envolve a seleção de microrganismos mutantes, com maior capacidade de queratinase. Através da mutagênese, selecionamos novas estirpes com a capacidade aumentada de degradar as penas -, esclarece Alane.

Além de todos estes trabalhos, existe, também, o estudo da compostagem – produção de adubo. A cama de frango (basicamente, sujeira de galinheiro – penas, aves mortas e excretas) é tóxica, repleta de bactérias patogênicas. Este é um lixo muito problemático na indústria agrícola, e o Brasil vem crescendo vertiginosamente nesta produção. “Atualmente, a compostagem deste material é feita sem microrganismos, de forma química. Leva-se em torno de 100 a 120 dias para que tudo se transforme em adubo. Considerando que hoje há toneladas deste lixo por dia, este tempo com certeza precisa ser diminuído. A compostagem de boa qualidade necessita primordialmente de microrganismos, porém a indústria agrícola não tem muita ligação com a nossa área”, afirma a professora.