• Edição 118
  • 20 de março de 2008

Argumento

Vergonha de si: a depressão regida pela pós-modernidade

Monique Pereira – AgN/PV

O que difere a sociedade atual da sociedade do século XIX? Além do pensamento mais liberal e dos valores distintos, houve uma mudança radical nas relações interpessoais que pode ser notada com maior evidência nas últimas décadas. Cada vez mais o ser humano se individualiza e acaba por “virtualizar” o contato com outros indivíduos. A sociedade de controle suplantou os dogmas da sociedade disciplinar e o consumo se tornou a grande arma do século XXI. Essas manifestações, típicas da contemporaneidade, podem criar as condições necessárias para a prevalência de certos tipos de patologia mental, que anteriormente não eram constatadas. A própria depressão, comum hoje em dia, pode assumir uma nova causa e, portanto, uma nova identidade como patologia.

Partindo desse pressuposto a pesquisa As depressões contemporâneas e suas relações com a vergonha, o tempo e a imagem de si, de Maria Teresa Pinheiro, pesquisadora do Programa de Pós-graduação em teoria Psicanalítica da UFRJ, foi idealizada, no intuito de abordar outras inteligibilidades possíveis para os quadros clínicos que incluem a depressão inserida na pós-modernidade.

Segundo a especialista, a pesquisa, que ainda está em andamento, trabalha dentro da linha teórico-clínica e teve por base outros estudos que se aproximaram da temática analisada no momento. De acordo com a doutora, durante outra pesquisa, que visava comparar pacientes com Lupus e depressão quanto à questão da imagem de si e do tempo em relação ao indivíduo, notou-se surpreendentemente uma grande relação com a vergonha, principalmente em relação aos jovens. Logo, criou-se o estudo com o objetivo de desvendar o papel e a prevalência dessa vergonha.

A nova pesquisa, também teórico-clínica e comparativa, envolvia jovens que sofriam de fobia social e depressão. Os primeiros apresentavam claramente a vergonha como causa da depressão. Para Teresa Pinheiro, o que aconteceu na contemporaneidade para que houvesse essa espécie de reação foi uma cisão entre as noções de vergonha e honra. “No século XIX, a honra e a vergonha eram intimamente relacionadas”, explica a especialista. Caso o indivíduo se sentisse envergonhado por uma questão de honra, como uma mentira ou uma traição, um pedido de desculpas era o suficiente para se redimir e recuperar a honra perdida. No entanto, a doutora esclarece que agora, quando o indivíduo apresenta vergonha de algo não há necessariamente vinculação com a honra. “Não existe a possibilidade de se perdoar ou ser perdoado por ter uma espinha no nariz, o que pode deprimir o jovem e desenvolver neste uma fobia social”, exemplifica Teresa Pinheiro.

A pretensão da pesquisa é, essencialmente, pautar várias questões sobre a depressão na contemporaneidade, comparando-a com outras formas de depressão, como a melancólica, por exemplo. Nesse caso, a depressão é apreendida como uma ordenação sintomática e não uma categoria diagnóstica da atualidade. O que se tem por depressão contemporânea é que são formas de sofrimento psíquico da atualidade com características bem diversas da depressão histérica, mais recorrente.

O que já pode ser observado na pesquisa é que, basicamente, o melancólico apresenta uma ausência de vergonha, devido ao modo pelo qual se auto-acusa. Já os deprimidos da contemporaneidade sentem uma vergonha extremada, porém sem vinculação com a sexualidade, a moral ou a culpa. A vergonha destes últimos está ligada exclusivamente à imagem de si. Ela aponta para um sentimento de insuficiência por parte do paciente, por este se sentir aquém das exigências estéticas impostas pela sociedade de consumo.

Estabelece-se a dúvida: será que a sociedade de controle chegou ao ponto de adoecer os indivíduos subjugados narcisicamente? A nova modalidade de vergonha indica a superficialidade das preocupações humanas da contemporaneidade. Em contrapartida reforça as gravidade e profundidade desse tipo de manifestação. A frustração conseqüente da depressão da atualidade é mais dificilmente reparável, segundo Teresa Pinheiro, do que a decepção da melancolia tradicional. A questão da vergonha pós-moderna foi, finalmente, levantada.