• Edição 117
  • 13 de março de 2008

Faces e Interfaces

Placebo e antidepressivos: eficácia questionada

Tatiane Leal e Aline Pollilo – AgN/PV

Um estudo britânico publicado na revista “PloS Medicine” questionou a eficácia dos medicamentos utilizados no tratamento da depressão. Os pesquisadores da Universidade de Hull analisaram os efeitos de antidepressivos como Prozac, Seroxat e Efexor. Concluíram que os efeitos nos pacientes com depressão profunda foram relativamente pequenos. Além disso, esses efeitos foram considerados semelhantes aos do placebo, que ocorre quando o paciente melhora somente por acreditar no potencial curativo de seu tratamento. Com isso, os pacientes poderiam melhorar sem a utilização desses remédios.

Os antidepressivos analisados atuam inibindo a recaptação da serotonina, um neurotransmissor que realiza a comunicação entre as células nervosas e, assim, garantindo sua maior disponibilidade. A ação da serotonina é altamente ligada à ocorrência de depressão, já que pacientes que sofrem do problema costumam apresentar baixos níveis dessa substância. Essa classe de remédios estudada é largamente aplicada no tratamento da depressão.

Para esclarecer os efeitos desses medicamentos no organismo dos pacientes, o Olhar Vital convidou dois especialistas no assunto.

 

Carlos Alberto Manssour Fraga

Professor da Faculdade de Farmácia da UFRJ

“O Prozac, o Efexor e o Seroxat são medicamentos muito populares e bastante utilizados. Os dois primeiros estão entre os fármacos mais vendidos em todo o mundo. Fico muito preocupado com essas divulgações que são feitas como sendo revolucionárias, mas se baseiam em um único estudo. Porque elas tentam, talvez sem o cuidado científico adequado, derrubar anos de conhecimento. Toda a terapia das crises depressivas feitas com base nesses antidepressivos, na maior parte, inibidores da recaptação de serotonina, tem embasamento teórico para sua gênese e para seu emprego terapêutico. Eu não gosto muito de acreditar em estudos únicos. Para ser mais decisivo com relação a esse tipo de aspecto, eu gostaria de ver mais pessoas de lugares e grupos diferentes chegando à mesma conclusão.

Como farmacêutico, eu posso dizer que acredito na eficácia dos fármacos que estão sendo utilizados, porque há uma base racional para que eles funcionem. Hoje em dia, se sabe que a serotonina é, sem dúvida nenhuma, a amina biogênica mais importante para o controle da depressão. Desde 50 anos atrás, já se sabe que as aminas biogênicas como um todo (serotonina, noradrenalina e dopamina entre outras), têm papel na gênese e no controle da depressão. Só que, com o passar do tempo, foi se verificando que quanto mais seletivos os tratamentos sobre uma dessas aminas biogênicas ou sobre receptores da biofase que envolvam, que modulem uma dessas aminas, você pode ter uma maior seletividade no tratamento dos pacientes que apresentam esse tipo de distúrbio.

O sistema nervoso central (SNC) é extremamente intrincado, então todos os circuitos se comunicam. Não há um ‘dois mais dois’ óbvio que permita dizer: essa substância age como inibidor desse receptor, então ela vai ter esse tipo de perfil. Não é bem assim. No SNC há uma série de iso-receptores. No caso da serotonina, por exemplo, se conhece pelo menos, seis a sete subtipos de receptores diferentes, que podem modular respostas diferentes em regiões do SNC em que estejam localizados.

É muito importante que haja fármacos capazes de atuar seletivamente sobre esses receptores para minimizar os efeitos colaterais. Qualquer tipo de terapia que envolva modulação de algo no SNC tem potencial toxicidade, em função da dificuldade de controlar a ação seletiva num receptor específico.

Nesse ponto, se a gente considera as classes terapêuticas em uso, os inibidores seletivos de recaptação de serotonina, como é o caso do Prozac e do Efexor, e outros fármacos que atuam mais especificamente ao nível dos receptores de serotonina e não inibindo a sua recaptação, se essas classes terapêuticas têm o grau de seletividade e o grau de inocuidade desejáveis para qualquer fármaco, eu acredito que eles desempenham um papel importante no tratamento das crises depressivas.

Algumas pessoas acreditam que depressão não é doença. Elas acreditam que haja uma componente do indivíduo. Pensam em preguiça, em falta de querer lutar por algo. Mas, está muito bem caracterizado que depressão é doença. Ela precisa ser auxiliada com terapia. Talvez, não só através de um tratamento com fármaco, mas o auxílio é necessário. Existem vários tipos de terapias acessórias à terapia com medicamentos. Mas, é inquestionável que a terapia com medicamentos tem, hoje, um papel decisivo para o tratamento da depressão.

Estudos mostram, dentre as patologias que vão provocar o maior impacto no mundo em 2020, a depressão vai estar no segundo lugar. Isso em função do mundo que a gente vive hoje, do estresse, dos problemas que estão associados ao ser humano. Então, desenvolver terapias cada vez mais efetivas, mais seguras, que consigam mediar, modular alvos terapêuticos pontualmente sem provocar danos acessórios ao indivíduo é extremamente desejável.”

Jerson Laks

Psiquiatra e coordenador do Centro para Alzheimer do Instituto de Psiquiatria UFRJ

“Os neurônios que produzem serotonina liberam essa substância no espaço entre eles e um outro neurônio (durante as sinapses) para permitir que haja a passagem de corrente e de informações entre os grupos de neurônios. Durante o processo depressivo, alguns desses neurotransmissores apresentam problemas, dentre eles a serotonina. Ao inibir a recaptura de serotonina pelo mesmo neurônio que havia liberado a substância no espaço sináptico, esses medicamentos propiciam a volta do sistema ao normal que foi desorganizado durante a depressão.

Quadros depressivos leves por vezes podem ser tratados com medidas de psicoterapia e tentativas de diminuir o estresse. No entanto, quadros moderados a graves necessitam também de medicamentos, já que há um claro componente hereditário familiar em tipos de depressão.

Todos os medicamentos e mesmo as psicoterapias podem ter efeitos colaterais e indesejáveis. Eles são amplamente conhecidos e em geral os medicamentos hoje são bem tolerados. Alguns dos efeitos mais importantes sobre o comportamento são uma diminuição da libido e, por vezes, ganho de peso.

Não creio que se trate de assumir posicão a favor ou contra estes medicamentos. Uma vez feito o diagnóstico correto do tipo de depressão e sabidas as evidências científicas da eficácia desses medicamentos, o médico só é correto quando trata o seu paciente de modo a melhorar o problema e a sua qualidade de vida. Com relação a este estudo, não creio que ele influencie tratamentos futuros.”