• Edição 116
  • 06 de março de 2008

Faces e Interfaces

Adolescentes rebeldes: o que determina este comportamento?

Clarissa Lima e Monique Pereira – AgN/PV

A adolescência é um período de grandes transformações na vida das pessoas. É normal que haja mudanças profundas de comportamento e opinião, fato que muitas vezes assusta a família do adolescente. A rebeldia é uma das faces desta fase da vida do jovem. Entretanto, cientistas afirmam que o caráter rebelde pode não ser uma opção, mas sim da natureza do adolescente que tem como característica a amídala cerebral grande.

Pesquisadores australianos da Universidade de Melbourne realizaram exames de ressonância magnética em adolescentes cuja faixa etária variava entre 11 e 14 e observaram seu comportamento em família. Ao comparar suas atitudes domésticas com os resultados dos exames, os cientistas perceberam que os adolescentes mais rebeldes tinham amídalas maiores que as dos adolescentes mais calmos.

Será, então, que o comportamento pode ser regido somente por esta mera característica cerebral? Qual é a importância da família e do ambiente para formar o caráter de uma pessoa? Para comentar sobre estas e outras questões, o Olhar Vital apresenta as opiniões de dois especialistas no assunto.

 

Cristiana Carneiro

Psicanalista e Doutora em Psicologia pela UFRJ

“Qualquer ser humano só o é pelo fato de existir corporalmente. Habitamos um corpo e este é o marco espaço-temporal que nos situa na comunidade humana. Não existe sujeito sem corpo, mas podemos atestar a existência de corpos sem sujeito como aqueles em vida vegetativa, por exemplo. Então, de que corpo se trata? Se existe necessariamente um substrato biológico, não é o corpo físico que define nossa humanidade. Há muito, Freud (1905) nos mostrou que nosso corpo é erógeno, dizendo com isto que ele é marcado, mapeado e definido através dos investimentos afetivos do outro. Desde o momento que o feto é nomeado pela mãe e interpretado ele passa a ser um bebê, ganha um corpo muito além do biológico, o simbólico.

O que dizer então sobre a pesquisa australiana que relaciona tamanho da amígdala cerebral e rebeldia em adolescentes? Como pesquisa científica é relevante, a partir do momento que busca estabelecer uma autêntica relação causal entre duas variáveis. Cada campo do saber define seu objeto e, portanto, teremos vários objetos definindo diferentes campos. Esta multiplicidade enriquece o patrimônio do conhecimento. No entanto, quando ela é negada em prol de uma unidade, naturalizando um só ângulo, corremos o perigoso risco do reducionismo. Nesse sentido, a afirmação apressada e simplista de que a dimensão de uma estrutura cerebral gera rebeldia, reduz o sujeito a um pedaço de carne nega e a complexidade que nos constitui.

Se nos pretendemos pensantes e críticos, devemos imediatamente nos perguntar que conseqüências esse reducionismo nos traria. Pais aliviados por que não têm participação nenhuma na rebeldia de seus filhos? Filhos que não devem refletir sobre sua rebeldia, já que não têm nada a ver com ela? Escolas aflitas atrás dos novos medicamentos cerebrais? Incisões cirúrgicas? Talvez seja mais tranqüilizador acreditar em algo simples e distante de nossa participação. Porém, se assim o fizermos, estaremos neutralizando a verdade do sujeito. A rebeldia é uma forma de linguagem, uma denúncia muitas vezes essencial e decisiva na vida de um adolescente. Não levá-la a sério, apesar de seu incômodo é, no mínimo, desacreditar em nossa humanidade.”

Jorge Moll

Pesquisador colaborador da UFRJ e coordenador da Unidade de Neurociência Cognitiva e Comportamental da Rede LABS-D'Or Hospitais

“A amígdala cerebral é uma estrutura sub-cortical intimamente envolvida com a consolidação da memória e o impacto emocional da mesma. Algumas pesquisas afirmam que ela está diretamente relacionada à experiência de medo, no entanto, estudos recentes comprovam que a amígdala cerebral não possui relação estrita com o medo, e funciona sim como uma espécie de ‘alarme’ cerebral devido à saliência emocional.

Há inúmeras pesquisas que fazem o paralelo entre o volume das estruturas cerebrais e as tendências comportamentais. Certos estudos relacionam a expansão da amígdala cerebral à depressão. Portanto, uma amígdala de maiores dimensões não significa necessariamente um comportamento agressivo ou rebelde, como afirma a pesquisa australiana publicada no portal G1. A robustez dessa estrutura está relacionada a reações intensas, porém não a um único tipo.

Entretanto, é óbvio que o volume da amígdala cerebral não é o único fator de alteração do humor. Certamente a questão sócio-ambiental interage com a biologia. Existem várias estruturas cerebrais relacionadas a comportamento, não somente a amígdala. Inclusive, há evidências que se opõem à rebeldia mencionada na matéria como, por exemplo, a pesquisa com crianças que tinham distúrbio de conduta, porém que possuíam uma amígdala cerebral reduzida, o que contradiz a relação com a agressividade.

As pesquisas quanto à influência dessa estrutura no comportamento ainda são inconclusivas, porém já se sabe que a emoção é o ponto forte da amígdala cerebral e que esta não está relacionada apenas a uma natureza comportamental única.”