• Edição 116
  • 06 de março de 2008

Argumento

30 Anos da Alma Ata: a Situação da Saúde no Brasil

Seiji Nomura

Em setembro de 1978, foi realizada a Conferência sobre Cuidados Primários com a Saúde, na cidade de Alma-Ata, situada no Cazaquistão, na época vinculado à União Soviética. O encontro, promovido pela OMS (Organização Mundial de Saúde) e pelo UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), reuniu líderes do mundo todo em torno da meta de saúde para todos, através da declaração de Alma-Ata.

O documento completa 30 anos no próximo dia 20 de setembro, o que marca uma oportunidade para uma reflexão mais ampla acerca das mudanças na área da saúde nesse período. “O mundo, durante o século XX, denominado por alguns estudiosos de longo e por outros de curto, visto sob diferentes enfoques pela riqueza das transformações estruturais que ocorreram no processo de globalização e pela imensa produção desenvolvida, com poder de inclusão e também de exclusão social, vivenciou novos padrões de saúde-doença.  Ganhamos muito no tratamento de doenças, com o advento das vacinas dos medicamentos, da tecnologia médica em geral. As pessoas, mesmo aquelas dos países em desenvolvimento,  vivem, com uma freqüência cada vez maior, 85 e mesmo 95 anos. Logicamente o segmento das incluídas”, destaca Letícia Legay, diretora do IESC (Instituto de Estudos de Saúde Coletiva da UFRJ).

— Ocorre, portanto, uma polarização. Diferentemente dos desenvolvidos, que tiveram um ganho muito consistente, nós tivemos refluxos, muitas vezes ligados a crises econômicas. Quando se fala de chegar aos objetivos da declaração, ainda existem a exclusão social e as diferenças entre os países periféricos e centrais, por exemplo —, afirma a médica. De acordo com ela, há regiões brasileiras com padrões semelhantes aos países desenvolvidos, nas quais as principais preocupações são as doenças cardiovasculares, as neoplasias, a obesidade e os transtornos mentais. Enquanto em outras regiões, a maior causa de mortes são doenças infecto-parasitárias - que eram mais presentes no começo do século XX.

A professora ressalta que, mesmo nas regiões em que já se controla melhor as doenças infecto-parasitárias, algumas vezes há surtos desses males. “O caso da dengue é um bom exemplo disso. Já se fala também na volta da febre amarela. Lidamos com doenças de massa, tradicionalmente conhecidas como doenças da pobreza e com as doenças crônicas, da longevidade, além das doenças ocupacionais e ambientais, aquelas produzidas pelo homem, ou melhor através do processo produtivo e desenvolvimentista”, declara.

A especialista também lembra que a saúde, na Alma Ata, não é apenas estar livres de doenças físicas, mas também apresentar bem-estar mental e social. “As pessoas estão estressadas – a depressão é uma das questões mais graves hoje. A carga global de doenças, um dos principais indicadores da OMS para verificar a incidência das enfermidades, a tem como uma das enfermidades mais presentes”, afirma.

— Hoje se trabalha em um mundo muito competitivo. Se cobra muito das pessoas e isso causou um aumento desses transtornos, evidenciado também pelo aumento das diversas formas de violência. Um dos exemplos mais marcantes é a elevação do número de suicídios, principalmente entre os jovens —, explica Legay. Por outro lado, entre estes grupos também,  o “glamour” exigido socialmente, relativo aos aspectos da aparência, vem  determinando mortes por anorexia entre jovens de forma expressiva, assim como o “fast food” causando obesidade e doenças cardiovasculares.

A professora cobrou melhores condições para o sistema de saúde público e uma atuação mais forte do governo. “Em alguns municípios, o SUS pode até funcionar bem, mas tem muitos problemas em diversos outros. O processo de implantação das políticas e programas não é similar em todo o país”, declara.

E temos casos como o da sífilis, cujo tratamento é muito barato e a detecção simples, mas que continua tendo uma incidência significativa”, declara.

—A política atual é tímida em relação às necessidades da população brasileira. Temos casos de sucesso, mas muitas vezes interesses particulares não permitem a continuidade de programas implantados. Por outro lado, a política de fiscalização e regulamentação do ministério da saúde vem se adequando melhor aos verdadeiros problemas, embora careça de maior agressividade. Não podemos esquecer os avanços, mas progredimos pouco em algumas questões básicas, por exemplo, a vigilância epidemiológica funciona bem, cumprindo todas suas metas em muito poucos municípios brasileiros —, finalizou a médica.