• Edição 116
  • 06 de março de 2008

Ciência e Vida

“A Criança, A Escola e Eu”

Marcello Henrique Corrêa

Há oito anos, os alunos de três escolas do Rio de Janeiro passaram a encontrar muito mais do que Português e Matemática nas salas de aula. Saúde é o tema que a equipe do projeto coordenado pelo professor e médico Eduardo Fonseca Lucas está levando a alunos de 6 a 12 anos. Trata-se de dois projetos que funcionam de maneira integrada com o Programa Curricular Interdepartamental I (PCI-I): A Criança, A Escola e Eu, da Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN), atuante desde 1978. Um avalia a incidência de verminoses nas crianças e outro analisa o risco cardiovascular nos alunos. Atualmente, duas instituições públicas participam do trabalho, além de uma escola particular.

Pública ou privada, para o enfermeiro e médico Eduardo Fonseca, professor do departamento de Enfermagem Materno Infantil da EEAN, a presença do profissional de saúde na escola é fundamental. “Essa relação da saúde dentro da escola é uma coisa muito interessante e importante. Existe uma variedade de problemas da saúde do escolar que precisa ser abordada pelo profissional da área, como problemas de pele e a obesidade”, exemplifica o professor.

Controle de verminoses

Com início em novembro de 2003, o projeto “A Problemática das Verminoses na Idade Escolar: Uma Proposta de (Inter) Ação Profissional da Saúde e Comunidade” surge com a proposta de prevenir e detectar precocemente enteroparasitoses em alunos do Ensino Fundamental. O grupo atua nas escolas periodicamente. Nesses encontros, a equipe de monitores e alunos verifica as medidas antropométricas (peso e estatura) dos estudantes e aplica um questionário de avaliação clínica. Além disso, são providenciadas análises parasitológicas, através de exames de fezes.

Após a avaliação do estado de saúde, a equipe promove ações educativas para as crianças. Eduardo conta que o processo é caracterizado por uma troca de conhecimentos entre profissionais de saúde e crianças. Dessa forma, as crianças participam das atividades. “Os próprios alunos fazem teatros e atividades lúdicas sobre os temas. Quando falamos em ações educativas em saúde ainda se tem aquele conceito de reunir algumas pessoas num auditório e despejar uma série de informações”, afirma o enfermeiro.

Risco cardiovascular

De maneira integrada ao primeiro, a equipe coordenada por Eduardo Fonseca realiza um segundo trabalho, mais relacionado com levantamento de dados de pesquisa, que tem como foco a avaliação de risco cardiovascular em crianças. Apesar de esse tipo de complicação ser mais comum em faixas etárias mais avançadas, o professor considera o número de crianças com problemas cardiovasculares significativo. “Encontramos 7% de crianças com hipertensão arterial e um número significativo de crianças com dislipidemia (colesterol alto)”, afirma.

Para ele, a presença de cantinas é um fator determinante nesses resultados. O enfermeiro lembra que há uma lei no Rio de Janeiro e em outros estados que proíbe a venda de alimentos não-saudáveis na rede de ensino e, por isso, problemas como obesidade e hipertensão arterial são bem mais recorrentes em escolas privadas. “Isso resulta em 45% das crianças das escolas particulares estudadas com obesidade”, informa o pesquisador. Segundo dados da pesquisa, 66% das crianças do ensino público estão em seu peso ideal. Na escola particular, por outro lado, o índice cai para 49%.

No que diz respeito às parasitoses, a situação se inverte. Segundo o enfermeiro, esses resultados estão relacionados com o perfil sócio-econômico em questão. Na escola privada avaliada, das crianças que realizaram o exame parasitológico, 7% apresentavam verminoses. O número sobe para mais do que o dobro nas escolas públicas: 16% dos alunos avaliados apresentavam o problema.

Segundo o professor, a escola, a família e a criança são bastante receptivas. No caso das áreas mais carentes, o atendimento é muitas vezes urgente, com casos graves de escabiose (sarna), por exemplo. Apesar da receptividade, a equipe encontra em alguns fatores barreiras para a continuidade do trabalho. A ausência dos pais é um deles. “Isso é um desafio. Se marcarmos uma reunião prevendo 300 pais, 15 comparecem. É um problema recorrente”, afirma Eduardo. Para o pesquisador, a carência de tempo é o principal motivo para a falta de aderência.

Promoção de saúde

Segundo o pesquisador, o projeto tem muito a ver com o conceito de promoção de saúde. Ele considera que é necessário sensibilizar os pais acerca da importância de trabalhos desse tipo. “A escola tem que ser vista como um ambiente de formação do cidadão. Dentro desse contexto, é necessário entender que a saúde faz parte. O problema é que o conceito de saúde e doença está ainda muito ligado a incapacidade. Para se considerar doente, a pessoa precisa estar de cama e com febre”, avalia o professor.

Eduardo Fonseca explica melhor: “Uma coisa é promover a saúde e outra é prevenir doenças. Se eu digo: ‘Coma legumes e verduras. Evite frituras’, estaremos promovendo a saúde. Por outro lado, se eu oriento ao paciente que verifique sua pressão arterial periodicamente, estamos falando sobre prevenção de doenças.”, exemplifica. “É preciso entender a escola como um ambiente em que se possa falar sobre promoção de saúde”, complementa.

Áreas carentes

O professor lembra que, apesar do esforço por parte da equipe, há certos casos em que a ação é limitada. É o caso de lugares onde não há estruturas mínimas para a manutenção do saneamento. “Uma vez orientei uma criança para que sempre lavasse as mãos antes de comer. Ele me respondeu que, no lugar onde morava, não havia água encanada”, recorda o enfermeiro. Segundo ele, nesses casos apenas a entrada do poder público pode solucionar o problema.

O médico afirma que a relação com os postos médicos é boa e fundamental. Quando há a necessidade de encaminhamento, o retorno é suficiente. As crianças que precisam de intervenção clínica são encaminhadas para o Hospital Escola São Francisco de Assis. Para o especialista, não há a necessidade de levar as ações educativas para o posto, mas sim de fazer o caminho inverso. “A nossa proposta não é de o projeto ir ao posto de saúde, mas sim de que a saúde esteja na comunidade escolar. Eu não quero que a criança vá ao posto de saúde e encontre o projeto, mas sim que o posto de saúde vá à escola”, esclarece.

Atualmente, tanto o projeto de extensão quanto o de pesquisa estão sem financiamento. O primeiro (problemática das verminoses) contou com apoio da Pro-reitoria de Extensão da UFRJ, com a concessão de quatro bolsas de extensão no período de
novembro de 2005 a dezembro de 2007. O de pesquisa (avaliação de risco cardiovascular) foi financiado pela FAPERJ, mediante a concessão de duas bolsas de
iniciação científica no período de julho de 2005 a agosto de 2007.

O professor informa que, sem os bolsistas, a equipe fica reduzida a dois monitores, apenas. “Eles estão sobrecarregados, mas ainda continuaremos com o trabalho”, conclui.