• Edição 115
  • 21 de fevereiro de 2008

Argumento

Novo remédio representa avanço no tratamento da AIDS

Priscila Biancovilli

No início da década de 80, uma nova doença começou a ser investigada pela medicina. Misteriosa, atacava o sistema imunológico de forma violenta, abrindo as barreiras do organismo para a proliferação de diversas outras doenças. Nomeada AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, ou SIDA, na tradução para o português), tornou-se em poucos anos uma pandemia instável e dinâmica. Para se ter uma idéia, hoje, pouco mais de vinte anos depois do surgimento da doença, o número de infectados pelo vírus HIV no mundo gira em torno de 40 milhões, e boa parte sem tratamento adequado. Apesar de nem todos terem acesso a um sistema de saúde eficaz, a medicina jamais interrompe sua busca por medicamentos que garantam melhor qualidade de vida aos seus portadores. Ao final da década de 90, os coquetéis anti-AIDS representaram um grande avanço no controle do vírus dentro do organismo, minimizando sinais e sintomas da doença.

Raltegravir

O recente desenvolvimento de um novo remédio promete trazer ainda mais esperanças aos portadores do vírus. Trata-se do Raltegravir, um medicamento que inibe a ação da enzima integrase, impedindo que o material genético do HIV se integre às células humanas e se multiplique. “Esta é uma etapa essencial para o ciclo vital do vírus. Se esta etapa for bloqueada, o vírus não se reproduz”, afirma Mauro Schechter, Professor Titular de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da UFRJ.

Todos os vírus, sem exceção, usam células hospedeiras para se reproduzir. O HIV, no entanto, apresenta algumas peculiaridades que dificultam seu controle. “Este vírus apresenta grande mutabilidade. Fazer remédios contra qualquer vírus já é complicado, pois eles usam mecanismos celulares para a sua replicação, e é difícil encontrar alvos que ataquem o vírus e não afetem o funcionamento celular”, explica o professor.

Pesquisas e tratamento

Não se sabe ainda se este medicamento é mais eficaz em pessoas que estejam no início ou no meio do tratamento. Esta descoberta é derivada de estudos complexos e caros. O processo de desenvolvimento de uma droga custa em média um bilhão de dólares. “Por isso, apenas indústrias farmacêuticas grandes podem desenvolver novos medicamentos. E eles são desenvolvidos para conseguir aprovação o mais rápido possível, especialmente dos órgãos reguladores nos Estados Unidos e Europa – que, juntos, representam 90% do consumo de medicamentos no mundo”, atesta Mauro.

O FDA (Food and Drug Administration, órgão regulador americano) apenas aprova medicamentos que atendam a uma necessidade médica não-preenchida. O que as indústrias buscam, portanto, é encontrar sempre um nicho novo. O Raltegravir representa uma esperança para pacientes cujos medicamentos anti-HIV tradicionais tenham falhado. “O meu chute é que este remédio será melhor utilizado no começo do tratamento. Porém, os dados que existem até agora são apenas com pacientes avançados. Os estudos com indivíduos nos estágios iniciais da infecção ainda estão em andamento”, explica o professor.

A primeira fase do desenvolvimento de uma droga é sempre a avaliação da segurança, e em segundo lugar a eficácia. O que se sabe do Raltegravir, até o momento, é que a freqüência com que efeitos indesejados ocorreram em pessoas tomando este medicamento foram os mesmos que em pessoas tomando placebo. Entretanto, é importante deixar claro que estes estudos ainda estão no início, e não existe medicamento sem efeito colateral. “Ao mesmo tempo, não adianta um remédio atingir seu objetivo, mas matar 10% das pessoas que o consomem”, afirma Mauro.

Cura da AIDS?

À primeira vista, a impressão que as indústrias farmacêuticas podem passar é a de que não buscam a cura definitiva da AIDS, mas apenas uma forma de tratamento perpétua. Este suposto desinteresse na cura poderia ter como causa a ambição das indústrias em manter uma venda constante de seus medicamentos. Para Mauro, isto não passa de uma falácia. “No momento, existem 40 milhões de pessoas infectadas pelo HIV no mundo. O tratamento custa, ao governo brasileiro, mais de mil dólares por ano, por pessoa. Nos Estados Unidos, o mesmo tratamento custa 10 mil dólares por pessoa, ao ano. Digamos que hoje alguém descubra a cura da AIDS. Será que o governo brasileiro pagaria 5 mil dólares por paciente para adquirir este medicamento? Certamente sim. Uma pessoa de classe média do Brasil, Índia ou África do Sul, também gastaria 5 mil dólares, facilmente, para ficar curada. Se pensarmos que, nestes países, existem pelo menos 10 milhões de pessoas de classe média com o vírus, que pagariam este valor, os laboratórios lucrariam 50 bilhões de dólares. Qual laboratório não gostaria de ganhar este dinheiro de uma vez só? Assim, vemos que a cura para a AIDS é, sim, interessante e lucrativa.”, argumenta o professor.

O Raltegravir representa, ao mesmo tempo, um avanço e uma nova opção aos outros medicamentos anti-HIV. Nenhum outro remédio, atualmente, ataca a enzima integrase. Então, por definição, ninguém pode ter um vírus resistente ao Raltegravir. “Neste sentido, trata-se de um avanço enorme. Além disso, ele é um remédio potente (diminui significativamente a carga viral no sangue, quando usado sozinho) e é seguro (a freqüência de efeitos colaterais é semelhante à que ocorre em placebo). Acredito que o Raltegravir represente um divisor de águas na história do tratamento da AIDS.”, comemora o professor.

Entretanto, este medicamento deve ser utilizado em associação com outras drogas, pela grande capacidade de mutação do vírus HIV. A junção de diversos remédios forma uma barreira genética mais difícil de ser transposta. Assim, torna-se mais complicada a formação de uma resistência a todos os medicamentos.

O Raltegravir já está aprovado em vários países, inclusive no Brasil (pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA). Porém, ainda não existe previsão de chegada no Sistema Único de Saúde (SUS).