• Edição 114
  • 31 de janeiro de 2008

Microscópio

Informar-se é preciso

Marcello Henrique Corrêa

Está dentro de seu próprio ouvido e ninguém mais pode ouvir. Assim é o zumbido. Discreto, esse sintoma pode gerar transtornos como depressão e desânimo ao paciente desavisado. Pensando nisso, uma iniciativa da professora Tanit Ganz Sanchez, de São Paulo, deu origem ao Grupo de Apoio a Pessoas com Zumbido – o GAPZ.

O projeto, existente desde 1999, consiste em reuniões públicas, com o objetivo de esclarecer e tirar as dúvidas sobre o assunto. Nesse ano, as reuniões ocorrem no Rio de Janeiro, no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF-UFRJ). Além dos encontros no Rio, o GAPZ está presente em São Paulo, Campinas, Curitiba, Brasília, Salvador e São José do Rio Preto.

Em entrevista ao Olhar Vital, Patrícia Ciminelli, representante do grupo no Rio de Janeiro e otorrinolaringologista do HUCFF, ressaltou a falta de informação sobre a doença, mais comum do que se pensa. “Na verdade, o zumbido já é conhecido há muitos anos. É descrito em papiros de antes de Cristo, do tipo ‘quando os espíritos estão presentes meus ouvidos apitam’ ou ainda ‘ouvido enfeitiçado’”, conta a médica.

Apesar desses registros, o zumbido muitas vezes não é tratado ou notificado, por ser um sintoma muito subjetivo. 80% dos casos são doenças do próprio aparelho auditivo que geram uma hiperatividade, produzindo o chamado zumbido subjetivo, que só o portador é capaz de ouvir. Os 20% restantes são classificados como objetivos. “Nesses casos, os zumbidos podem ser de origem muscular ou vascular. Há uma fasciculação do músculo que emite um som ou há alterações vasculares, nas artérias ou veias”, explica Ciminelli.

Desinformação e mitos

Para a especialista, o alto grau de subjetividade do zumbido tende a desencorajar os pacientes a falar sobre o sintoma. No entanto, o relato é fundamental para que o médico identifique o problema. “Apesar de ser um barulho, é uma doença silenciosa, pois não temos como mensurar ou evidenciar sua presença. Não existe um exame que detecte o zumbido no ouvido do paciente”, afirma a médica.

O silêncio do paciente, nesses casos, pode estar relacionado a diferentes situações. “Apesar de raros, notamos casos em que o sintoma se manifesta na infância, é comum que a pessoa cresça e conviva normalmente com o zumbido”, conta Patrícia. Há ainda os casos em que o paciente simplesmente não gosta de falar sobre o problema, com medo de preconceitos. “A partir disso, começam os mitos do tipo ‘será que estou ouvindo coisas que ninguém mais escuta?’ ou ‘eu vou falar e vão achar que estou enlouquecendo’”, comenta a especialista.

Outra causa de inibição é o hábito do paciente de se considerar o único com o problema, a despeito do expressivo número de 17% da população mundial, que sobe para cerca de 30% da população de idosos (em virtude dos problemas auditivos decorrentes do envelhecimento). “A ocorrência é muito grande, superando doenças como asma ou a gota”, informa a médica. No Brasil, os portadores já somam cerca de 28 milhões.

Em geral, o zumbido não é caracterizado como uma doença grave, suas principais causas são fatores corriqueiros, como envelhecimento e exposição a ruído excessivo – ambos relacionados à perda da audição. Entretanto, há muitos mitos que povoam o imaginário das pessoas com o sintoma. “É comum, por exemplo, que as pessoas associem o zumbido a tumores na cabeça, aneurismas ou doenças psiquiátricas”, afirma Patrícia, lembrando que, apesar de serem possíveis, tais casos são raríssimos. “Apesar disso, a primeira associação da pessoa é com o pior”, completa.

Esclarecimento

É nesse contexto que surge o Grupo de Apoio a Pessoas com Zumbido. “Esclarecimento é fundamental. O GAPZ surgiu da necessidade de fornecer informações verdadeiras e atualizadas sobre o problema aos portadores, para que as pessoas não façam associações equivocadas”, conta Ciminelli.

O Grupo desmistifica linhas de pensamento do tipo: “zumbido é barulho, barulho piora a audição, portanto zumbido leva à surdez”. Segundo a médica, o processo é inverso: os problemas auditivos podem causar o zumbido. “O zumbido é uma hiperatividade da via auditiva. É como se o cérebro tentasse estimular um ouvido doente e esse excesso de estímulo gerasse muito sinal dentro da via, causando então um ruído”, esclarece.

Equipe multiprofissional: planos para o futuro

Muitas vezes, apenas a ação de um otorrinolaringologista não basta para solucionar o zumbido, apesar de ser um problema no ouvido. Psicólogos, dentistas e fonoaudiólogos também desempenham importantes papéis nesse cenário. Para Patrícia Ciminelli, o acompanhamento psicológico, por exemplo, é fundamental, já que se trata de um sintoma tão subjetivo. “O paciente se sente incomodado com o zumbido a partir do momento que ele valoriza aquilo. Quando a pessoa valoriza o problema, seu cérebro começa a ativar áreas relacionadas às emoções e às reações e acaba-se gerando um ciclo vicioso, em que quanto mais se pensa no zumbido, mais esse centro do cérebro é ativado”, explica.

A médica deixa claro que o GAPZ não oferece atendimento médico ou psicológico. “O nosso objetivo é apenas realizar reuniões para esclarecimentos em grupo”, ressalta. De qualquer forma, é um desejo do Grupo contar com profissionais de diversas áreas. “Ainda é preciso despertar o interesse das pessoas para o assunto, o que às vezes é complicado. A pessoa não conhece o assunto ou não tem o interesse de se dedicar tanto”, comenta Ciminelli. “Mas a vontade é de ter um grupo fechado composto por otorrino, fonoaudiólogo, psicólogo, psiquiatra, dentista e fisioterapeuta”, declara.

A maneira moderna de interpretar o zumbido

Para a doutora, é importante explicar que tudo depende da forma como o paciente encara o zumbido. Sabe-se que cerca de 80% das pessoas com o sintoma simplesmente não se incomoda. Para descobrir a razão disso, foi feito um estudo para verificar se essa diferença de como portadores de zumbido encaram o problema tem a ver com o zumbido ser mais alto em quem sofre e mais baixo em quem não sofre. Segundo a médica, os resultados mostram que não é bem assim.

— Os trabalhos mostram que o tipo de zumbido, bem como sua intensidade, não interferem na reação do paciente. Eles viram que pessoas com zumbido muito baixo, como de 10 dB (uma voz sussurrada tem 30 dB) ficam tremendamente incomodadas. Enquanto isso, há pessoas que possuem zumbido de 30 dB e o ignoram —, conta Patrícia. “É uma questão de ponto de vista”, afirma, relatando um caso de uma comunidade da Índia, onde quem escuta certo ruído no ouvido está em contato com “a voz de Deus”. Consequentemente, quem tem zumbido nessa população é abençoado, interpretando o sintoma de uma forma positiva. Esse assunto será tema da terceira reunião no HUCFF, dirigida pela doutora, em maio.

Lidar com o problema em casa

Segundo Patrícia Ciminelli, dois fatores são fundamentais para o zumbido se tornar um incômodo. O primeiro é o silêncio. Para o portador que não pode comparecer às reuniões, a recomendação é de que se evite o silêncio absoluto. “Sempre que puder, colocar um som ambiental competidor, que seja capaz de disfarçar o zumbido”, orienta a médica. O outro fator é a atenção. “Quanto mais se presta atenção ao barulho, mais se reforça sua presença no cérebro. É bom tentar se ocupar de forma a pensar o mínimo possível no zumbido”, explica Ciminelli.

As reuniões do GAPZ ocorrem nas primeiras quintas-feiras da cada mês, a partir de março, no HUCFF, das 15h30 às 17h30. A doutora recomenda que o participante confirme a presença pelos telefones (21) 2562-2842, (21) 9578-4590 ou, ainda, pelo e-mail gapzrj@forl.org.br. Patrícia Ciminelli estende o convite a todos que tenham interesse no assunto e não só pacientes que tenham a doença. “Grupo de Apoio está aberto a qualquer pessoa, que não precisa ser necessariamente portador de zumbido. Pode também ser alguém com interesse no assunto, como um médico, por exemplo”, conclui.

O GAPZ fornece uma declaração de presença àqueles que necessitam de justificativa para fins profissionais.