• Edição 112
  • 20 de dezembro de 2007

Por uma boa causa

Quando o conflito psicológico prejudica a saúde do corpo

Stéphanie Garcia Pires – AGN/Praia Vermelha

Normalmente, médicos e familiares precisam lidar com mudanças de humor e de comportamento causados por alguma doença física em um paciente.  O desafio maior, porém, está em decifrar distorções psicológicas e emocionais que trazem como efeito sintomas corporais. É o caso dos distúrbios somatoformes (ou comportamentos doentios anormais). Por isso, na hora de definir o diagnóstico, campos da Medicina vêm ampliando sua atenção para além dos resultados adquiridos com os exames e olham também para questões mais subjetivas na vida do enfermo. Por uma boa causa fecha o mês - acompanhando o tema de doenças que simulam outras - buscando explicações e as características da Conversão, um dos distúrbios somatoformes.

Marco Antônio Brasil, neurologista associado ao Instituto de Neurologia Deolindo Couto da Universidade Federal do Rio de Janeiro (INDC/UFRJ), explica que tais distúrbios são multifatoriais, ou seja, recebem a influência tanto de características biológicas, como sociais e psíquicas. “Pode-se dizer que há uma convergência de fatores. Mas é claro que deve existir uma pré-disposição na pessoa para que um sentimento ou um problema que ela esteja enfrentando se converta em um quadro mais grave de sintomas físicos”, enfatiza.

O fenômeno da conversão, especificamente, caracteriza-se pela manifestação de conflitos psicológicos em respostas corporais graves, como a paralisia e a cegueira. Ocorre mais comumente em adolescentes e jovens adultos, principalmente do sexo feminino. Segundo Marco, há muitas teorias, embora nenhuma possa ser plenamente comprovada, sobre a razão da conversão ser mais freqüente em mulheres. Provavelmente, está associada ao modo de vida e às reações tipicamente femininas diante dos elementos sociais que as cercam, combinados com a composição genética e hormonal em seus corpos. Dados também indicam a assiduidade da doença em pessoas de classes sociais menos favorecidas. “Talvez isso se deva ao fato de elas expressarem suas emoções mais corporalmente, enquanto as classes mais altas tendem a psicologização dos acontecimentos. Os primeiros se queixam de cansaço e da falta de disposição. Os últimos reclamam de depressão”. Marco argumenta ainda que tal realidade seja fruto do sistema público de saúde. “Esses pacientes sabem que não serão levados muito a sério se aparecerem com queixas puramente psíquicas. Por isso, inconscientemente, seus conflitos mentais são traduzidos em seus corpos, e eles irão para a consulta médica com reclamações concretas.”

Vale ressaltar que a conversão é inconsciente. De forma alguma os efeitos sofridos, a exemplo da paralisia, são forjados. Para o paciente, é real a ponto de ele ser incapaz de diagnosticar que sofre de um distúrbio. “É bem diferente da simulação e da síndrome de Münschausen, nas quais o indivíduo está plenamente ciente de seu ato quando finge uma doença. Neste último, o ganho buscado é simplesmente a atenção maior que a pessoa receberá por estar debilitada. Na simulação, ela o faz para um ganho secundário – como uma criança que reclama de dor de garganta para não ir à aula”, explica o neurologista. Os três devem ser tratados psicoterapeuticamente, auxiliado por medicamentos apenas em episódios mais extremos. O importante, revela Marco, é não desmascarar o paciente de forma brusca. Aqueles que sofrem de conversão, em especial, precisam descobrir aos poucos que não têm nenhuma patologia grave. Assim, conforme se dedicam ao tratamento psicológico, irão desvendando os problemas que, guardados na mente, causaram neles debilidades físicas.