• Edição 107
  • 14 de novembro de 2007

Ciência e Vida

Silenciamento gênico: descobertas e possibilidades

Marcello Henrique Corrêa

Combater as invasões virais é um desafio há muito tempo. Cientistas e pesquisadores se desdobram nas descobertas de novas técnicas, experimentos e tecnologias na luta contra esses problemas. Esse é o caso do chamado silenciamento gênico por RNA, ou RNAi. Estudado a princípio em plantas e insetos, a técnica ganhou destaque há cerca de um ano, quando se descobriu o potencial de eficácia também em animais, como os humanos.

Para ajudar a compreensão desses processos, a professora Maité Vaslin de Freitas Silva, pesquisadora do Departamento de Virologia do Instituto de Microbiologia Professor Paulo de Góes (IMPPG) da UFRJ, explica uma de suas linhas de pesquisa: o estudo de silenciamento gênico pós-transcricional em plantas resistentes ao vírus Andean potato mottle virus.

A pesquisa começou durante o doutorado da professora. Como tese, seu projeto era desenvolver plantas transgênicas resistentes a vírus. “Nessa época utilizei uma estratégia que consiste em tentar colocar pedaços do genoma do vírus em uma planta e, não se sabia explicar o porquê, mas a planta se tornava resistente a esse vírus” relembra Maité.  De qualquer forma, o que se observava era que várias linhagens transgênicas eram resistentes ao vírus, depois de sofrer esse processo.

Fato curioso era a ausência de ácido ribonucléico (RNA) transgênico. Normalmente, na produção de um organismo transgênico, insere-se o DNA desejado, que se comporta como um original, produzindo um RNA mensageiro transgênico que, por sua vez, completa o processo de síntese da proteína. “Para entender essa ausência, fomos investigar quando e onde esse RNA aparecia e era degradado. Os experimentos mostraram que, no núcleo, ele era produzido, mas quando chegava ao citoplasma ele era degradado”, explica a professora.

Esses experimentos, em conjunto com outros trabalhos da época, demonstraram o chamado silenciamento pós-transcricional (pois ocorre após o processo de transcrição). “Como essa seqüência era de um vírus, toda vez que uma seqüência igual entrava em células do vegetal que continha essa informação, ela era degradada, e por isso, o vegetal ficava mais resistente”, esclarece a pesquisadora. “Quando a planta era infectada com vírus, e este expunha seu genoma, como ele era homólogo ao fragmento do transgene, o vírus também era alvo desse mecanismo que estava ativado e era silenciado”, completa.

Sistema imunológico e silenciamento gênico: diferenças

Apesar de semelhantes em alguns pontos, os mecanismos de defesa do sistema imunológico e do silenciamento gênico são bastante diferentes, conforme explica a professora. Segundo ela, as vacinas, que utilizam o primeiro, funcionam a partir da produção de anticorpos. “Esses anticorpos então fazem com que a pessoa se livre do invasor, tendo sintomas da virose até que o organismo tenha uma quantidade de anticorpos suficiente para interromper a replicação viral”, explica.

Já no silenciamento gênico, o processo funciona como uma defesa anti-viral, mas não é um sistema de vacina, pois não tem relação com o sistema imunológico e na produção de anticorpo. “É um sistema que funciona diretamente destruindo RNAs mensageiros, que correspondem a invasores, normalmente”, complementa Maité. “Entrei nesse projeto por causa dos experimentos com a transgenia, mas depois foi visto que o processo ocorre naturalmente e os vírus, inclusive, têm proteínas que desligam isso — as supressoras de silenciamento”, relata a pesquisadora.

— Os mamíferos apresentam, sim, esse sistema. Contudo, ele é apenas mais um dos sistemas anti-virais e não se expressa com tanta relevância quanto o sistema imunológico. — esclarece a professora. Contudo, há algum tempo, descobriu-se que esse sistema era ativado também em células humanas, o que gerou esperanças na comunidade científica de uma nova arma anti-viral.

HIV e silenciamento gênico

Uma dessas especulações é em torno do vírus causador da AIDS – o HIV. Uma pesquisa de Kuan-Teh Jeang, M.D, Ph.D., do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID), parte do National Institutes of Health, colocou em pauta a possibilidade de se silenciar uma parte da estrutura do HIV. Para Maité, isso é viável, in vitro. “Em culturas de células humanas, foi visto que o RNAi funciona contra vírus HIV, para o vírus da dengue, rota vírus, entre outros”, conta. Ela lembra, também, que, desde 2002, vários vírus foram usados e viu-se que dentro dessas culturas de células o sistema de silenciamento funciona muito bem.

Algumas particularidades da possível técnica aumentam ainda mais o otimismo. Se o objetivo é, por exemplo, impedir que o vírus se replique nas células hospedeiras, basta introduzir uma seqüência pequena de RNA dupla fita (estrutura que desencadeia o processo) de alguma parte do genoma do vírus. Portanto, uma seqüência de 25 nucleotídeos poderia interromper a replicação de um vírus com um genoma de cerca de 200.000 pares de bases.

— Na época, esses dados geraram, de fato, um grande otimismo, em termos de poder usar o sistema como uma estratégia anti-viral. — conta a professora. Segundo ela, enquanto, em plantas, a resposta de silenciamento se espalha por todo o organismo, nos humanos o processo é diferente. “Em animais, existe a necessidade de se colocar sempre um indutor para aquela resposta. O silenciamento não tem esse espalhamento sistêmico. Ele funciona nas células, mas está sempre precisando receber o ativado”, explica.

Segundo a professora, essa diferença de comportamento entre vegetais e animais pode ter motivos evolutivos. “Já se sabe que as plantas possuem quatro enzimas básicas envolvidas nesse sistema. Especula-se que, por esse ser o principal mecanismo de defesa anti-viral dos vegetais, por motivos evolutivos, as plantas conseguiram desenvolver um sistema mais eficaz”, explica Maité.

Para a pesquisadora, o silenciamento é um potencial meio de combater os vírus, mas ainda há algumas respostas a serem encontradas. Com o foco em plantas, a pesquisa de Maité Vaslin, no momento tenta caracterizar mais proteínas supressoras do silenciamento. “O vírus consegue se replicar burlando o sistema de defesa, porque ele se associa com proteínas-chave desse sistema”, explica. “A pesquisa pretende, entre outros objetivos, entender como ocorre essa supressão do silenciamento” finaliza.